Começo de primavera. Não que eu estivesse realmente animada, com a ideia de seguir o plano de Dimitri a risca, mas era necessário. Se eu me quisesse fora daquele lugar para loucos o mais rápido possível, precisaria me cuidar, ou melhor, fazer com que meu médico achasse que eu estava dando o meu melhor, para sair dali.

Apertei-me contra meu moletom, tentando absorver algum conforto, diante da baixa temperatura. O inverno estava nos deixando, mas as temperaturas ainda permaneciam severamente baixas, ainda mais durante as manhãs e finais de tarde.

-Já está acordada hum? – Dimitri me surpreendeu, enquanto eu alongava minhas pernas, na porta do dormitório. Ele estava vestindo com moletom cinza e calças pretas. Seu cabelo estava amarrado, em um curto rabo de cavalo. Ao notar sua postura um pouco sonolenta, eu poderia arriscar que assim como eu, ele havia caído da cama.

-Estou evitando a fadiga – Respondi sem pestanejar e ao mesmo tempo, me censurei mentalmente. – Ah, me desculpa – Tentei me redimir, mas recebi um sorriso de lado de Dimitri. Diferente de mim, provavelmente ele havia achado graça, da minha piada particular.

-Também estou evitando a fadiga – Ele deu de ombros, e logo começou a alongar seus braços. – Vai correr?

-É o que parece – Falei sem pensar. – Ah desculpa - Novamente me repreendi tarde demais. Eu já havia falado antes de pensar.

-Está se desculpando muito Rosemarie – Dimitri achou graça. – Estou começando a desconfiar de seus motivos ocultos – Ele então piscou e eu, engoli seco. Antes que eu resolvesse falar mais alguma coisa desastrosa, comecei a correr em direção ao campo verde. Não demorou muito, para que ele me acompanhasse.

-Eu sei que pode correr mais rápido que isso – Ele comentou ao meu lado, arrancando um sorriso involuntário de meus lábios. Mesmo com toda aquela pressão em minha cabeça, Dimitri conseguia me fazer sorrir, nos momentos mais inoportunos.

-Na verdade eu posso – Lhe lancei um sorriso malicioso e logo, aumentei meu ritmo. Dimitri então riu e logo voltou a me alcançar.

-Parece que está mesmo em forma Rosemarie - Ele continuou ao meu lado, me fazendo rir.

-Nunca duvide disso – Fingi uma expressão espantada, enquanto aumentava ainda mais, meu ritmo. Dimitri me seguiu de perto.

-Odeio essas limitações – Murmurei, observando o pequeno espaço que tínhamos, para correr. Mesmo a clínica sendo de um alto padrão, os maiores locais eram cheios de plantas e vários obstáculos, dificultando a movimentação ou atividade física. – Tem tanto lugar ao nosso redor – Olhei além de uma baixa muralha de concreto e fios de alta tensão, erguida para dividir o hospital, de um dos grandes parques isolados, pertencentes à prefeitura.

-Tem razão – Dimitri então começou a diminuir seu ritmo, me forçando a acompanha-lo. Ele se aproximou dos fios e me olhou com expectativa. Minha boca se abriu em um grande ó.

-Está me oferecendo a liberdade? – Olhei para ambos os lados, aproveitando ao máximo, meu momento de falsa fuga.

-Digamos que estou te fornecendo uma pequena amostra – Dimitri então, ergueu suas mãos em direção a cerca e eu gritei.

-Está maluco? Vai se matar! – Disse enquanto observava as placas de aviso, sobre a alta tensão. Automaticamente me reprimi pelo escândalo desnecessário, olhando novamente ao redor.

-Você realmente acha que isso, tem alta tensão? – Ele dessa vez gargalhou e eu comecei a suar, mas não era necessariamente pelo esforço físico.

-Se está ai é por que alguém colocou – Virei os olhos. Dimitri então com cuidado, se aproximou da cerca e logo, quando seus dedos tocaram os fios, em um gesto abrupto, começou a se remexer, como se estivesse tomando um choque.

-Meu Deus! – Corri ao seu encontro e nem pensei duas vezes, ao tentar tira-lo de lá. Soltei sua mão ao mesmo tempo em que o derrubava no chão, me fazendo cair por cima dele. – Você está bem? Meu Deus, fale comigo por favor! – Eu tocava seu rosto sem se quer me permitir pensar em qualquer coisa, que não fosse seu bem estar.

Dimitri então para meu espanto, abriu seus olhos devagar, enquanto me observava de uma forma divertida. Voltei a abrir minha boca em espanto, conforme um sorriso travesso, se formava em seus lábios.

-Você brincou comigo! – Descontando minha raiva, lhe soquei o peito com toda força, não me dando conta, que ainda estava em cima dele. – Não tomou choque! – Eu quase me esguelhei, enquanto tentava reprimi-lo.

-Estou bem Rose – Dimitri se sentou ainda divertido, me levando com cuidado, junto de seu corpo. Levei minhas mãos ao rosto pela vergonha, de ter caído em sua brincadeira.

-Não pode fazer isso! – Suspirei, o observando me encarar. – Quase me matou de susto!

-Eu não devia me desculpe – Dimitri então se ajeitou melhor e pegou minhas mãos nas suas. – Passei dos limites com você. –Ele disse, me fitando com culpa. Notoriamente ele percebeu, que eu havia levado a brincadeira a sério.

-Está bem – Bufei, apertando suas mãos nas minhas.

-Parece que agora estamos sujos de barro – Dimitri comentou, nos observando. Foi naquele momento, em que percebi ainda estar sentada em seu colo. Automaticamente corei.

-Eu acho que precisamos ir embora – Olhei ao redor, não tendo condições para encara-lo. Antes que eu conseguisse levantar, Dimitri me puxou para baixo novamente.

-Você teria mesmo me puxado de lá? – Dimitri me olhou com expectativa, através de seus olhos castanhos escuros.

-Não sei do que está falando – Soltei as palavras, sem conseguir controla-las. Ótimo. Eu estava precisando mesmo, de algumas aulas sobre controle da língua.

-Você me salvou – Dimitri sorriu sem jeito, fazendo meu coração se apertar, dentro do meu peito.

-Eu teria feito isso com qualquer um – Respondi rápido demais, recebendo um olhar desconfiado.

-Entendo – Ele murmurou e novamente me senti péssima, por ainda estarmos naquela posição desfavorável.

-Acredite se quiser – Novamente fiz menção de levantar e dessa vez, Dimitri tentou levantar ao mesmo tempo em que eu, me fazendo cair de costas na grama molhada. –Que merda – Comentei, enquanto limpava os respingos de barro do meu rosto.

-Agora a culpa foi minha – Dimitri voltou a sua expressão divertida e meio culpada, enquanto erguia sua mão, para que eu pegasse. Essa era minha deixa. Ao mesmo tempo em aceitei sua mão, a puxei com toda a força que tinha, o fazendo cair por cima de mim desajeitadamente.

Gargalhei quando percebi que ele havia se sujado tanto quanto eu.

-Engraçadinha – Dimitri levantou sua cabeça, enquanto tentava inutilmente, livrar seu rosto do barro pastoso.

-Apenas dando o troco – Pisquei para ele, que agora também ria.

Não demorou muito, para que eu ficasse ciente de seu corpo tão próximo do meu. O pior de tudo, era perceber que Dimitri assim como eu, tinha ciência disso. Nossas risadas foram morrendo aos poucos, enquanto eu lutava com meu cérebro para processar algo inteligente, antes que meu corpo resolvesse assumir de vez. Seu rosto estava parcialmente sujo, demonstrando suas tentativas fracassadas, em se livrar da lama. Mas mesmo assim, ele estava divinamente lindo, com seu cabelo quase que totalmente desprendido do elástico.

Eu não sei por quanto tempo ficamos nos olhando, mas foi o suficiente para fazer meu coração acelerar de certa forma em meu peito, que era quase que impossível negar isso a Dimitri. Seus olhos começaram a tomar uma tonalidade um pouco mais escura e sua respiração como a minha, se tornou desigual.

Lutando com toda as minhas forças, resolvi tomar a iniciativa, antes que algo realmente ruim, pudesse acontecer ali.

-Acho melhor voltarmos – O empurrei, fazendo com que o transe entre nós dois, se quebrasse com o gesto. Dimitri sentou e chacoalhou um pouco sua cabeça, como se tentando espantar alguma linha de pensamentos.

Quando seus olhos se voltaram para os meus, estavam indecifráveis e tão negros, como eu jamais vira.

-Rose eu... – E antes que ele conseguisse terminar sua frase, fomos interrompidos por um grito de mulher.

-Dimka querido! Você está bem? – Olhei em direção a voz e me deparei, com uma mulher alta e bastante pálida, com cabelos cor azeviche tentando se equilibrar em saltos agulha, enquanto vinha em nossa direção. Dimitri e eu trocamos olhares culpados, enquanto observávamos a mulher se aproximar.

-Estou bem – Ele então tomou a iniciativa, enquanto se colocava de pé. Ele ergueu sua mão para que eu a pegasse, mas me neguei, me levantando sozinha.

-O que aconteceu? – A mulher então se aproximou o suficiente e logo, suas mãos foram para a nuca de Dimitri, o tratando com intimidade o suficiente, para me fazer desviar o olhar.

-Sofremos um pequeno acidente – Ele pareceu realmente encabulado, enquanto se dirigia a mulher. Seus olhos agora mal me encaravam e eu também, não insistia sobre isso.

-Se machucou? – Ela então começou a beijar seu rosto. – Fiquei preocupada.

-Estou bem Natasha – Dimitri há afastou um pouco, provavelmente cansado pelo excesso de preocupação. –Rose está bem? – Ele então se dirigiu a mim. Seus olhos preocupados e receosos.

-Estou bem obrigada – Só então quando ouviu minha voz, a mulher resolveu olhar em minha direção. Seus olhos afiados e azuis, passaram rapidamente pelo meu corpo, como se analisando uma possível ameaça. Seja lá o que ela viu, resolveu não dar importância, voltando sua atenção a Dimitri.

-O que você está fazendo aqui? – Dimitri baixou um pouco seu tom, enquanto questionava Natasha.

Antes que ela se permitisse responder, os interrompi.

-Estou indo lá pra dentro – Comentei ficando de costas e tentando me equilibrar, rezando para que minha voz, não tivesse saído tão trêmula quanto meu corpo. Sem esperar por alguma resposta, soltei um longo suspiro, antes de começar a caminhar