Decline escrita por Yumi Saito


Capítulo 14
XII — Jogos.


Notas iniciais do capítulo

Capítulo editado. [20/03/2014].



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Quando acordei, fiz a mesma coisa de sempre, já que era uma rotina. Íris dormira na sua própria casa, porque disse que não queria fazer barulho vindo pra cá. Mal ela sabia quem havia dormido aqui... E minha mãe deixou um dinheiro extra pra mim, no guarda-roupa, camuflado por suas camisetas.

Meu celular tocou, era ela.

— Oi, mãe.

— Oi, meu amor! — ela disse. Amor. Tô rindo: — Como você está? Estou morrendo de saudades.

— Eu também... Como estão as coisas aí?

— Ótimas! Eu fiz uma prévia de tudo... Você não tem noção, Jane. É muito bom trabalhar aqui.

Merda. Ela com certeza vai querer se mudar, e daí vai ferrar com tudo. Eu vou sumir do mapa de novo, deixar Íris. Deixar Castiel. Deixar até a Ambre, que me ama a ponto de ficar praticando brincadeiras de mau gosto comigo.

— Hm, legal — falei.

— Aqui tem um colégio bom também. É particular e a mensalidade é bem generosa. O que acha?

Paralisei. Tentei olhar para os lados, arranjando alguma desculpa para respondê-la. Minha mãe insistiu, pedindo se eu estava na linha ainda. Procurei pelo relógio e vi que faltavam vinte minutos para eu poder sair de casa. Mesmo assim, decidi pôr um fim na ligação:

— Preciso desligar — falei, seca. — Tchau.

Tudo bem, ela não vai pensar em mim e, amanhã mesmo, vai ligar me dizendo que até arranjou um apartamento para morar. Beleza, eu sempre fico fora dos planos dela, Liv decide por si mesma, e acha que tá abalando com isso.

Eu tô P da vida.

Logo, meu celular tocou novamente, deixei que caísse na caixa postal. Minha mãe deixou uma mensagem, e eu corri escutar. Ela dizia que, se eu não a compreendesse, ela perderia o emprego para outra pessoa. E nós viveríamos de apartamento alugado para o resto de nossas vidas.

Como se isso fosse um problema!

Não dá pra eu ficar mudando de colégio todo mês. Ela disse que conversaríamos melhor em casa. É isso mesmo, ela quer se mudar, de fato. Disse também que viria para casa depois de amanhã. Alguns dias a mais do que o previsto... Isso não me cheira bem, mas não quero pensar na possibilidade de ela já estar praticamente morando lá.

De qualquer maneira, eu vou dar um jeito, e não vou ir.

Olha só, a Jane Slander sofrendo por antecipação. Que bonito, hein.

Como eu estava na cozinha, eu voltei para o quarto. Castiel estava em um sono mais pesado que ele mesmo. Caminhei até ele e baguncei seus cabelos. A criatura nem se mexeu. Chamei pelo seu nome e dei um tapa de leve na testa. Não foi tão leve, mas tudo bem.

Deu um bom resultado, pois ele abriu os olhos de leve.

— Hora de ir pro colégio.

Ele me mostrou o dedo do meio e se cobriu até o topo da cabeça.

* * *

— O que aconteceu?

Suspirei pesadamente e olhei naqueles olhos azuis bonitinhos de Íris. Eu tinha inveja dos olhos escuros dela, e ela tinha inveja dos meus olhos extremamente claros.

— Acho que eu vou me mudar de cidade, novamente.

— Ah, sério? Mas você está aqui no colégio não faz um mês!

— Eu sei... Eu queria me formar aqui, porque estou gostando daqui — falei, a única parte chata do colégio era Ambre. — E, cara... Eu acho que ela quer ir.

— Eu estou do seu lado, Jane — ela disse, dando um meio sorriso. — Eu também ficaria assim, no seu lugar. Qualquer coisa foge e vai morar na minha casa.

Ela riu, eu também.

— Bom, não vou me estressar com isso agora. Vou deixar para quando minha mãe chegar, aí resolvemos bem certinho.

Ela assentiu positivamente, concordando.

Íris passou o intervalo com Lysandre, eles sumiram. Eu achei engraçado, e estava feliz por eles estarem assim. Só preciso arranjar outra pessoa que não me faça sentir tão sozinha... Castiel tem aquele Armin, que eu nunca troquei uma palavra. E Kentin foi para o colégio militar.

Saí da sala de aula, não era interessante passar o intervalo lá. Acabei encontrando Castiel no corredor, conversando com Armin. Não queria interrompê-los, então, tentei passar reto. Só tentei.

— Jane!

— Ahm... oi — falei, acenando para Castiel. — E, oi, Armin.

Ele balançou a cabeça e sorriu. Quando você analisa bem o Armin, você não tem a mínima vontade de mudar de escola. A vontade é de se jogar nele e beijá-lo. É sério.

— Vão pra aula? — Castiel indagou.

Pensando bem, agora era Sociologia. E eu estou pouco me ferrando pra essa matéria, então, eu não iria entrar. No outro colégio, eu tinha nota dez garantida em Sociologia, então nem precisava me preocupar com nada.

Armin acabou indo junto com a gente, mas foi para jogar mesmo.

Quando chegamos ao pátio, Castiel me puxou pelo braço e apontou para o muro, dizendo para que eu subisse também. Eu neguei, nunca que iria subir aquilo, eu era baixinha demais.

— Ahm, eu não fujo do colégio, pessoal — Vou ficar aqui mesmo, faloou.

— É, marica.

Castiel negou com a cabeça e bateu as costas no muro. Estendeu as duas mãos para baixo em forma de concha e assentiu com a cabeça para que eu subisse e desse impulso.

Olhei para trás e vi Armin sentado em um dos bancos jogando. Dei de ombros e corri na direção de Castiel, peguei em seu ombro e dei impulso para subir no muro. Agarrei minhas mãos na proteção e escalei no muro, mesmo resvalando. Alguns segundos depois eu estava com a barriga no batente, passando para o outro lado.

Castiel fez o dobro de tempo mais rápido que eu.

— Vamos pra onde?

— Qualquer lugar — ele deu de ombros. — Deixou seus materiais no armário?

Assenti positivamente.

No final, fomos parar na casa de Castiel. Ela era muito bonita. Tipo, bonita mesmo, pra caramba. Ele tentou fazer brigadeiro — de almoço —, mas queimou a panela. Acabamos por comer frutas e tomar muito refrigerante.

Quando era uma da tarde, recebi uma mensagem de Íris, avisando que acabara de terminar a aula. Estávamos no meio do show do Aerosmith, em 1989.

— Acho que eu vou ir embora — falei. — Íris está sem a chave.

— Ah, manda aquele indivíduo ir na casa do Lysandre.

Em seguida, ela me mandou uma mensagem avisando que iria na casa do albino. Suspirei aliviada por aquilo. Voltamos a assistir, e, em meia hora, o show tinha terminado.

— Então, o que podemos fazer agora? — perguntei.

— Brincar — ele sorriu.

Soltei uma longa risada nervosa, tentando espantar todos os pensamentos ruins da cabeça.

— Que engraçado. Nossa.

Castiel foi se aproximando de mim, até dizer "aah!" e eu me assustar pra caramba, soltando um grito horrorizada. Ele riu, e começou a fazer cócegas em mim. Eu não sei porquê essa gente faz cócegas, sempre levam um joelhaço na cara.

Só que ele não.

— Já... Já chega! — falei, entre risos.

Ele parou, me encarando sério. Eu recuei alguns centímetros para trás, tirando o suor da minha testa. Engoli em seco, com medo do que ele pudesse fazer. Afinal, nossos rostos estavam há centímetros de distância. E os nossos corações batiam descontroladamente.

Decidi quebrar tudo:

— Hãn... Então...

— O quê?

— Você tem algum jogo? Sei lá, pra espantar o tédio...

Ele voltou a ficar sério novamente, saindo de perto de mim e se levantando do sofá. Castiel pensou por algum tempo, mas levantou as sobrancelhas e correu para uma estante que havia por perto. Tirou uma caixa de lá.

— Tenho sim — ele murmurou. — Escolhe aí.

Havia bastante, e todos eram para PS3. Fiquei em dúvida, e pedi para Castiel me ajudar. No final, ficamos com um de corrida, para que jogássemos em dois. Depois, eu iria tentar a sorte em Assassin's Creed I. Eu havia jogado uma vez, com Emy, só que tinha bug pra caramba.

Na corrida, venci três contra sete do Castiel. Não gostei.

Meu celular apitou, fui ver o que tinha.

"Jane, vou dormir no Lysandre. Bjs."

Arregalei os olhos e soltei uma risadinha marota. Castiel largou o controle e veio até mim para ver o que era. Colocou a cabeça na frente do visor do celular e leu a mensagem.

— Eita porra — ele disse.

Nós dois demos risada. Não foi qualquer risada... Se é que você me entende.

* * *

— Eu já te disse, e vou repetir mais uma vez: — Liv falou, pacientemente. — Nós vamos morar em Paris, e deu. Não é você que vai decidir a nossa vida, Jane Slander.

Íris já havia ido embora fazia algumas horas, na verdade, ela foi antes de minha mãe chegar. Desde que entramos no táxi, eu não conseguia engolir a história de me mudar mais uma vez.

Eu já imaginava. Minha mãe havia dito que ofereceram para ela um apartamento. Disse que o preço era bom, para comprar, não alugar. Realmente, era uma notícia boa, mas eu não queria me mudar.

— Tá.

Foi a única coisa que falei, de braços cruzados.

— Eu fui transferida do meu trabalho para lá. Tem como evitar? Se eu evitar, eu perco o emprego. Por Deus, você quer tudo do seu jeito, Jane? Pare de ser egoísta, pense no nosso melhor!

— Tá — falei. — Terminou?

— Para de ser mal educada!

Quem será que me criou, né?!

— Tá.

Minha mãe avançou para cima de mim, mas recuei um passo, ainda de braços cruzados. Bocejei e observei ela se sentar na mesa, colocando as mãos no rosto. Devia estar triste. Subi para o meu quarto.

No dia seguinte, seria meu último dia no colégio. Liv me acompanhou, para que pudesse pegar meu histórico escolar, meu atestado de frequência e notas. Viu quantas aulas eu cabulei, mas ficou quieta. Ela iria falar com a diretoria e me tirar do colégio.

Segui para a minha sala.

— Bom dia! — Íris falou.

— Só se for pra você — me sentei na mesa e cumprimentei Castiel com um aceno. — Eu vou me mudar para Paris, caras! Isso aí, e vocês não tem noção da raiva que eu estou sentindo nesse momento.

— Não! — Íris gritou. — Você não pode morar comigo?

— Minha mãe não vai deixar, nem adianta perguntar. Ela já me matriculou em outro colégio.

— Que droga, novata — Castiel abriu a boca. — Vou sentir sua falta.

— Eu também...

Castiel ficou quieto. Bateu o lápis freneticamente na mesa e olhou para os lados. Crispou os lábios e fechou os olhos. Olhei para Íris, ela cochichou para mim, dizendo que ele não estava assim antes.

Quando fui perguntar, ele se levantou bruscamente de sua carteira e saiu da sala, sem mais e nem menos.

A última notícia do dia foi: minha mãe não conseguiu me tirar do colégio. Assim, ela não conseguiria me matricular. A diretora falou que meus documentos haviam sumido.

Isso aconteceu no segundo período de aula.


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Notas finais do capítulo

"Eita porra" - LISPECTOR, Castiel.



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