Na velocidade em que eu estava correndo não demorou muito para que eu chegasse na velha lanchonete que tinha ido no dia anterior. Minha asma estava dando claros sinais de que meu esforço físico estava passando dos limites mas eu não estava ligando pra isso.

Aquele mesmo senhor de antes veio me atender e eu pedi um copo de água.

– Algum problema? – ele perguntou. Suas rugas se dobraram em uma expressão de preocupação.

– Não é da sua conta. – eu rebati. Quando olhei pra ele de novo automaticamente me senti culpado. – Desculpe, estou passando por problemas familiares.

– Sei como é isso. – ele deu um meio sorriso como se estivesse com pena de mim.

Você não sabe, eu pensei.

– Vou buscar sua água. – ele virou as costas e foi lá pra dentro.

Tirei a mochila das costas e joguei em na cadeira que estava ao meu lado. Puxei o bloco de anotações.

"Me conte tudo o que eu devo saber"

Eu escrevi.

"Primeiro: Você jogou sua mochila em cima de mim. Segundo: Sua pergunta tem que ser mais objetiva"

Ela respondeu.

Peguei a mochila e joguei na cadeira da frente. Muitas perguntas estavam passando pela minha mente. Resolvi começar com a mais importante.

"Há quanto tempo eles estão juntos?"

"Um ano"

Ergui uma das sobrancelhas.

"Quem se interessou primeiro?"

"Seu pai"

"Minha mãe sabe disso?"

"Sabe"

Ótimo, pensei. Todos sabiam disso, menos eu.

"Por que ela nunca fez nada?"

Eu perguntei.

"Vou ser sincera, Ethan. O casamento dos seus pais não estava indo bem mas sua mãe sempre escondeu isso de você. Ela nunca ficava em casa para não ter que ouvir o seu pai pedir o divórcio. Sua mãe preferiu ignorar a situação."

Ela respondeu.

Minha cabeça deu um estalo e de repente tudo se encaixou. A academia, as aulas de pilates e todo o resto era apenas um pretexto para que ela não precisasse ficar de frente com Lisa e meu pai.

Me lembrei das palavras de Eduarda. Todos eles estavam mentindo pra mim esse tempo todo.

"Não quero mais voltar pra casa"

Eu escrevi.

"Então você vai pra onde?"

"Não sei"

Eu respondi.

O senhor de idade voltou com um copo de água, um suco e alguns biscoitos. Colocou tudo na mesa e me deu um sorriso afetuoso.

– Não pedi tudo isso. – eu disse. Não era possível que ele tivesse confudido os pedidos já que eu era o único cliente ali mas mesmo assim...

– Você pediu a água. O resto é por conta da casa. – ele riu.

Fiquei com vontade de recusar mas quando olhei para o rosto do idoso tive certeza que ele nunca iria parar de insistir.

– Obrigado. – eu dei um aceno meio desconcertado.

O senhor sorriu mais uma vez e voltou para a cozinha.

Voltei para o bloco de anotações.

"Podemos ficar na casa do Dylan"

Eu escrevi.

"Podemos sim. Você vai continuar frequentando a escola?"

Ela perguntou.

Eu ainda não tinha pensado nisso.

"Ainda não decidi"

Eu respondi.

Se eu saísse de casa com certeza meu pai iria me procurar na escola e eu não queria olhar para ele. Na verdade acho que não queria ver meu pai, Lisa ou minha mãe por bastante tempo.

Pela visão periférica pude ver que o senhor estava se aproximando de novo. Fechei o bloco de anotações e bebi metade do copo de água tentando disfarçar. Acabei engasgando.

– Você é escritor? – o senhor me perguntou. Eu ainda estava tossindo então dei apenas um aceno.

– Posso ler o que você escreveu? – ele sorriu.

Paralisei.

– Ainda não comecei. – eu expliquei. Ele me olhou desconfiado.

– Estranho. Eu podia jurar que tinha visto você escrevendo. – ele falou.

– Mas apaguei. Não estava ficando bom. – dei um sorriso um pouco artificial.

Ele concordou com um leve aceno.

– Vou deixá-lo escrever em paz. A propósito, me chamo Joseph.

– E eu me chamo Ethan. – eu falei. Ele me deu uma última olhada e foi embora.

Olhei disfarçadamente para saber se ele estava me espionando e voltei a abrir o bloco.

"Essa foi por pouco"

Eu disse.

"Você não sabe mentir. Ficou todo vermelho e começou a gaguejar"

Eduarda escreveu. Com certeza estava rindo de mim.

"E você não ajudou em nada"

Eu escrevi. Esperava que minhas palavras a atingissem em tom cortante mas em vez disso Eduarda escreveu em tom mais debochado.

"O que você queria que eu fizesse? Jogasse ele pela janela da lanchonete?"

"Não. Eu queria que você me desse alguma ideia!"

Eu respondi.

"Mas você fechou o bloco! Como eu eu poderia me comunicar com você?"

Pensei por um momento. Até que a desculpa dela fazia sentido.

"Tenho que tomar mais cuidado quando for escrever"

"Concordo"

Olhei para um pequeno relógio pendurado na parede da lanchonete. Como a hora tinha passado tão rápido?

"Precisamos ir. Ainda tenho que falar com Dylan"

Eu escrevi. Se eu tivesse sorte poderia encontrar Dylan saindo da escola.

"Está bem"

Foi um pouco difícil falar com Dylan. Quando cheguei à porta da escola ele estava conversando com o time de basquete. Me aproximei.

– Olha quem está aí! – Anthony riu.

– Ethan? – Dylan se supreendeu. – O que você está fazendo aqui?

Olhei para o time. Joshua também estava lá e me olhava com um ar de desprezo infinito. Por mais incrível que possa parecer ele não tinha levado uma suspensão.

Pedi para que Dylan viesse comigo e me afastei um pouco da escola.

– Preciso da sua ajuda. – eu disse.

– Posso tentar te ajudar. Mas o que houve? – ele quis saber.

– Não posso explicar tudo agora mas eu briguei com os meus pais e preciso passar um tempo na sua casa. – eu falei. Observei sua expressão mudar um pouco.

– Ethan... Não sei como dizer isso... – ele coçou a cabeça.

– O quê? – eu perguntei. O que estava acontecendo com ele?

– Não posso deixar que você fique lá em casa. – ele abaixou a cabeça.

– Por que não? – eu ainda não acreditava no que estava ouvindo.

– O time tem um jogo nesse fim de semana e... eu vou ficar fora durante algum tempo. – ele continuou olhando para baixo.

– Não tem problema. Eu fico lá enquanto você não está. Conheço seus pais há bastante tempo. – eu dei de ombros.

– Você não entendeu. Desculpe, mas você tem andado meio estranho ultimamente. Seu comportamento mudou muito. Está ficando violento. Acho melhor você voltar pra casa. – dessa vez ele olhou pra mim.

Violento? Joshua acerta uma bola de basquete no meio da minha cabeça e EU estou ficando violento?!

Olhei para Dylan.

– Vou me virar sozinho. – eu falei e virei as costas.

– Ethan, espere! Acho que você deve voltar pra casa. Digo isso porque sou seu amigo. – ele gritou atrás de mim.

Olhei por cima do ombro.

– Não. Você não é meu amigo.

Comecei a caminhar e ignorei a voz de Dylan. Eu tinha saído de casa, estava com pouco dinheiro e a única pessoa que iria me acompanhar era Eduarda.

A única coisa que eu realmente esperava nesse momento era que esse fosse o último golpe.