Segredos Meus escrita por Rella


Capítulo 2
Capítulo 1




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Capítulo 1

Primavera, 1976

Sim, ela queria que ele a tocasse. Queria sentir o que era de muito proibido.
Estavam próximos, e podiam ouvir o farfalhar dos lençóis e o respirar tenso. Eles se fitavam, como se decifrassem um ao outro.


- Você... – Seria uma pergunta difícil. – Você já fez isso alguma vez? – Perguntou enfim, quase num sussurro.

Ele procurou olhar para os lados, mas se viu mais uma vez encurralado no par de olhos dardejantes bem na sua frente; ritmado ao subir e descer do peito ofegante abaixo de si. Talvez nunca tenha feito uma garota se sentir assim, no entanto, era o que pensava. E era incrível!



Por mais que se esforçasse em desviar os pensamentos e se concentrar apenas naquele instante, era absurdamente impossível. Visualizava incessantemente o dia em que se conheceram, anos atrás, e não entendia como apesar de serem vizinhos, nunca a ter visto antes na movimentada Jackson Street, em Gary. E sentia-se imensamente feliz em recordar que, naquela tarde de inverno enquanto seus irmãos se divertiam com bolas de neve, ele ter se sentado na única beirada da calçada onde ainda se podia ver o concreto.



Ficava ali, olhando para os lados, cantarolando e empurrando a neve com os pés, até ser surpreendido por um choro feito um murmurar, seguido de resmungos. A garota, enfurecida, caminhava enfiando os pés na massa branca e fofa ao tempo em que uns de seus fios castanhos escapavam da touca grossa pela brisa gélida que lhe machucava o rosto. Ele a olhou maravilhado por seus traços sulinos de moça. E por pouco não percebeu que ela lhe gritava:


- O que quê há?! O que está olhando?! Nunca viu uma garota chorar?

Reparou que seus irmãos pararam a brincadeira apenas para olhar o pequeno tumulto que se criava. Pôde ouvir portas e janelas se abrindo. Cochichos ao fundo. Sua face enrubesceu. Enfiou as mãos no bolso do agasalho e olhou para baixo, tímido. Nada disse.


- Ótimo! – Ela vociferou com o seu andar dificultoso até a casa à frente.

E a partir daí, ele sempre soube que ela era especial.


- Michael, você me escutou? – Ele voltara à realidade. Tinha o receio de responder; precisou fechar os olhos por um breve segundo e morder o lábio ao ver àquela garota abaixo de seu corpo:


- Não, Allie. Eu nunca fiz. – Pela primeira vez lhe fora difícil ser sincero.

Pronto. Agora sou o cara mais imbecil do universo!

Ele percebeu um brilho desconhecido nos olhos de Allie, e um sorriso também novo.


- Ótimo!

Aquele “ótimo” já lhe era bem familiar.



Ela pareceu exultante espalmando as mãos no peito de Michael e empurrando-o contra a cama, sentando em suas pernas. Ele adorava ver quando ela fazia um delicado esboço de um sorriso ao olhar para o alto, feito uma criança. Significava que estava pensando.


- O que há de ótimo nisso, Allie? – Indagou Michael desviando o olhar para um simples vaso de vidro com uma rosa, sobre a escrivaninha rente cama.


- São minhas preferidas. Rosas vermelhas. – Falou ela reparando o interesse dele pela flor.
Allie se inclinou para alcançar as pétalas umedecidas. – Para mim, a rosa representa o amor; ele pode ser lindo como esta flor, mas também tem espinhos.


- Podemos tirar os espinhos. – Exibiu ele uma solução, ingênuo.


- E modificar sua natureza? Não, não! O todo é quem faz a sua beleza.

O silêncio perturbou mais uma vez.


- Allie... – Michael começou a falar com a voz embargada, envolvendo-a nos braços. Trocaram olhares.


- Eu também não, Michael. – Confessou ela retomando o primeiro assunto. – E quero descobrir com você.

Michael emudeceu. Então, ela se aproximou levando seus lábios ao dele, e fazendo-o encontrar os botões de feitio aperolado de seu vestido e, lentamente, muito lentamente, desabotoá-los, um após o outro.


- Eu te amo. – Sussurrou ele, sorrindo contra a pele macia dos lábios dela. – Eu a amo, Allie.


Uma semana depois

- Vai moleque, entra no carro! – Berrou Joe, pai de Michael, com uma mala em cada mão. – Ande, Michael! Não podemos nos atrasar!

Sra. Katherine, mãe, bateu a porta e girou a chave. Pegou o tapete de entrada e sacudiu-o tirando o pó.


- Acalme-se,Joe! Michael deve estar se despedindo dos amigos. Deixe o menino!


- Que amigos? Esse garoto mora aqui desde que nasceu; já tem dezoito anos e nunca o vi com amigo algum!

Katherine se aproximou de Joe, ajeitando a gola da camisa dele. Olhou-o, hesitante:


- Joe, tem certeza que essa é a melhor escolha? Não sei se isso dará certo...


- Já está dando. – Respondeu ele, seco, atento a todos os lados à procura de seu filho. – Os Jackson 5 estão virando uma sensação. Temos uma série de shows em Nova York
e não podíamos dispensar a delicadeza da Srta. Diana em nos conceder uma casa em Beverly Hills. Vamos para lá hoje!

- Michael, o que está acontecendo? Por que está assim nervoso? – Allie olhou para o fundo. – Por que seus pais e irmãos estão com malas?

Michael se descobriu ofegante.


- Allie, me escute. Preste atenção.

Allie bateu as mãos, exultante, dando duas voltinhas e fazendo pairar sobre o ar em instantes o vestido rosa com rendados, como se tivesse adivinhado uma charada. Como era linda!



- Oh, Deus! Já sei! Você terá outro show naqueles lugares grandes, onde até os The Supremes já se apresentaram, não é? Tipo, Madison Square Garden! – Ela não se aguentou de emoção envolvendo Michael pelo pescoço. – Por que não me falou logo? Estou tão orgulhosa!

Michael tirou os braços dela que o envolviam com todo o carinho. Segurou levemente as mãos frágeis da moça.


- Allie, é mais ou menos isso.


- Então por que está com essa cara? Oh, Michael, devia estar feliz!


- Não. Eu não devia.

Ela arqueou uma sobrancelha, confusa.


- Não estou entendendo.

Ele tomou ar antes de falar:


- Eu não vou apenas me apresentar. Eu vou embora.

Allie levou uma mão à boca, surpresa, se afastando deliberadamente de Michael. Os olhos marejados.


- Santo Deus, eu devia saber!


- Espere, Allie, deixe-me explicar.


- Você apenas me usou, é simplesmente isso. Você é como qualquer outro. Como eu fui idiota!


- Não sou como qualquer outro. Eu a amo.

O amor era como uma rosa.

Fitaram-se, ternamente. As lágrimas dela brilhavam feito cristal ao contornar suas maçãs. Michael se aproximou para tocá-la, hesitante. Ela deu um passo atrás.


- Allie, continuaremos a nos falar, eu prometo. Lhe telefonarei todos os dias!


- Não atenderei uma única vez.


- Lhe mandarei cartas. – Ele podia sentir seu coração esmorecer.


- Esqueça.


- Mesmo que não leia ou atenda farei isso todos os dias.


- Por favor, não se lembrará de meu nome em uma semana!


- Não diga isso.


- A verdade?


- Ainda virei te buscar.


- E será tarde demais.

Ela virou-se, e em passos rápidos voltou para a sua casa. Não a viu mais.

Se hoje estivesse nevando, ela daria aqueles passos firmes enfiando os pés na neve, relembrara Michael.

- Michael! – Ele ouviu a voz grossa lhe chamar.


- Já estou indo.

Indo.




- E foi isso que aconteceu, Michael?

Percorrer aquelas fotos agora era mais dolorido. Liz Taylor pôde perceber. E então, tomou de seu amigo aquele álbum tão bem cuidado, com tantas lembranças, e o pôs sobre a mesinha ao lado. Os olhos dele não mentiam, ele talvez chorara uma noite inteira. Uma, entre várias.



- Oh, Michael, não sabe como me faz mal te ver assim. – Liz o consolou mais uma vez, pelo mesmo motivo. Mais uma vez. Quantas mais viriam ainda? Abraçou-o, recostando-o em seu colo, acariciando seus cabelos ao tempo em que as lágrimas doces dele lhe molhavam o traje. – Michael, Michael...



- Foi horrível vê-la ali, sem aquele seu perfume e tão fria... Não verei mais aqueles olhos. Joanna me culpa. Talvez a culpa seja minha mesmo.


- Eu lhe pedi para que não fosse, e lhe avisei que em um momento ela faria isso. Mas me escute - ela o agarrou pelos braços, pondo-o em sua frente. –, olhe para mim, levante essa cabeça, Michael! – Ele a olhou, triste. – A culpa não é sua, entendeu bem? Não é sua!

Michael se soltou, levantando-se. Espalmou as mãos no rosto. Sentia um nó terrível apertar a garganta.



- Ela está morta. Deus, ela está morta.

Ele se deixou sentar no chão, trazendo os joelhos ao peito. Liz foi ao seu lado, abraçando-o mais uma vez.


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