Mithra - Em Busca do Sonho escrita por Camille M P Machado


Capítulo 7
Aprendiz do Gelo


Notas iniciais do capítulo

Até o momento, este é sem dúvida o maior capítulo que já escrevi para essa história! Espero que gostem, 11 páginas para lerem.



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Oito dias era o tempo que ele estava caminhando sobre aquelas terras áridas, e por todos esses dias, ele só fora capaz de ver areia para tudo o que era lado e alguns animais pequenos, como aranhas, escorpiões e lagartos. Não havia água em lugar algum, a não ser dentro dos corpos dos pequenos animais, a única fonte de comida para ele. Talvez estivesse morto se não fosse um demônio e, por isso, não tivesse alta resistência.

Ele caminhou por horas sem encontrar nada além de areia, o sol já começara a se por quando ele viu alguém se aproximando. No início, era apenas uma silhueta no horizonte que andava na direção dele, parecia uma forma humanoide pequena. Conforme se aproximou, ele pôde ver uma forma envolta em uma capa até a altura dos tornozelos e com um capuz que lhe cobria o rosto. Instintivamente ele se preparou para o combate, o que não demorou muito para acontecer.

A cinquenta metros de distância um do outro, foi quando começou a batalha. Ele sacou suas duas desert eagle e apontou para a cabeça do ser a sua frente. O oponente estava alguns centímetros acima do chão, flutuando, e emanava um poder estranho.

- De onde eu venho há uma regra que diz que devemos nos apresentar antes de começar a batalha. Todos me chamam de Pink, qual seu nome? – não havia qualquer emoção em sua voz enquanto falava.

O oponente hesitou por um momento pensando se deveria dizer ou não.

- Flora – respondeu por fim a menina.

Flora possuía uma voz infantil, o que delatava sua pouca idade.

- Uma criança, óti... – ele tentou resmungar, porém fora interrompido por um ataque de Flora.

Uma enorme árvore, que ele não sabia de onde viera, atacou-o por trás. Ele conseguiu desviar do ataque com uma cambalhota no ar enquanto atirava várias vezes na árvore, fazendo-a se assemelhar ao queijo suíço devido aos inúmeros buracos. Quando ele voltou ao chão, finalizando a cambalhota, um galho cresceu da árvore na direção dele que foi facilmente evitado com um pulo.

Ele tentou atirar três vezes na menina, as balas teriam perfurado a perna dela se não tivessem sido impedidas por uma espécie de barreira. Ele tentou novamente, mas a mesma barreira envolveu as cápsulas até atingirem velocidade zero e caírem no chão, intactas. Nenhuma de sua munição fazia efeito e as balas do pente também estavam acabando.

Ataques viam em todas as direções, enormes troncos verdes, cujo diâmetro era maior do que a largura de um ombro a outro, de árvore o atacavam. Era incrível como Flora conseguia controlar completamente a trajetória dos troncos, inclusive quando deveriam se contorcer para não espatifar no chão. O domínio da habilidade dela deixava-o em desvantagem, ele não tinha tempo para fazer outra coisa senão desviar ou, vez ou outra, atirar.

Pink esperou pacientemente por uma oportunidade e quando esta apareceu, não hesitou, ele usou a telepatia nela, inutilmente. O campo de força que a protegia também barrava o uso de poderes telepáticos, era inútil usar a telepatia para vencê-la se ele não desfizer o campo de força primeiro. O problema era: como ele iria fazer isso?

Flora sorriu, parecia que ela sabia o que seu oponente tentara fazer. Ela estendeu a mão no ar e novos troncos surgiram para atacar Pink, os ataques se tornaram mais rápidos com o uso das mãos. Pink se esquivava de todos os ataques com um pouco de dificuldade, ele ofegava durante os poucos momentos que tinha tempo para respirar direito. Seria seu fim se aquela situação persistisse por mais algum tempo.

Recorrer àquela forma para vencer um ser tão inferior, no ponto de vista dele, deixava-o irritado, mas talvez não tivesse outra opção. Antes disso, ele precisava recarregar suas armas e encontrar um momento para isso não foi fácil. Como uma isca, ele manipulou a trajetória das árvores para que lhe dessem cobertura por algum tempo e ele pudesse sair das vistas de Flora por alguns minutos, tempo suficiente para recarregar as armas.

As árvores criaram uma espécie de ninho de alguma ave gigante ou algum animal ovíparo, o ninho era tão grande que ele parecia uma formiga andando pelas fibras feitas de árvores. A malha criada pelas árvores de Flora era densa, mas não o suficiente para que ele não pudesse entrar entre as fibras e se esconder dentro da grande malha de árvores.

Escondido, ele usou a oportunidade para usar uma de suas habilidades e carregar as armas com balas mais potentes. Ele largou uma das armas no chão e fechou o punho, uma tênue luz rosada iluminou toda a pequena fresta onde ele estava, era quase imperceptível de longe. Balas apareciam em sua mão, materializadas de um simples pensamento de como seriam e o dano que fariam. Cinco balas apareciam na palma de sua mão por vez, este era o máximo que conseguia produzir no momento, seriam necessárias trinta balas para recarregar cada pente.

- Onde ele está? – perguntou-se Flora procurando-o entre o emaranhado de árvores.

- Estou aqui. – respondeu ele atrás da menina, apontando suas armas para a cabeça dela.

Flora se virou para fitá-lo e se surpreendeu ao ver a nova aparência do rapaz, ele não parecia mais com um humano, a forma havia mudado. Ele vestia uma túnica negra que cobria todo o corpo desde o pescoço aos pés e tremulava como se fosse parte de seu corpo; os longos cabelos negros e um chifre negro em sua testa contrastavam com a brancura de sua pele, ele parecia muito pálido. Uma máscara metálica de um corvo cobria-lhe o rosto e deixava a mostra apenas a boca e os intensos olhos cor-de-rosa. Normalmente demônios de sua raça tinham olhos rubros, mas os dele eram estranhamente rosa, graças a isso, recebeu o apelido de Pink.

Porém, o que mais chamava a atenção de Flora era o fato de que ele pairava no ar, ele não tinha asas ou qualquer habilidade que o fizesse voar. Se tivesse, ela saberia, pois foi uma das habilidades que ela escolhera, saber as habilidades de seus oponentes. Ela havia ganhado todas as batalhas até o momento por causa desta vantagem, era estranho como ele era capaz disso sem qualquer habilidade de voo. Será que ela estava quebrada outra vez?

- Como é que você pode voar? – perguntou amedrontada.

- Voando. – respondeu seco. – Já estou cansado daquelas suas árvores, está na hora de dar um fim a isso.

- Fim? Eu estou apenas começando. – disse ela tentando esconder o temor.

Ela temia estar quebrada novamente, era um sentimento que lhe acompanhou por toda sua vida. Em seu mundo, as outras crianças não brincavam com ela por ela ter nascido quebrada e ela dependia de terceiros para fazer tudo. Quando veio a Mithra, a ideia de poder fazer tudo o que desejava sem pedir a ajuda de alguém a encantou, era como viver em um sonho maravilhoso. A última coisa que desejava era acordar desse sonho e voltar a triste realidade que ela vivia em seu mundo.

Flora viu tudo acontecer em câmera lenta, Pink puxou o gatilho e deu um disparo. A bala teria acertado-a se ela não tivesse agido rápido e usado as árvores como escudo. No momento em que a bala acertou o a árvore, esta fora destruída, deixando Flora a mercê dos poucos fragmentos que voaram em sua direção. Os fragmentos não foram parados pelo campo de força que ela usava, pelo contrário, eles passaram pelo campo de força sem danificá-lo e se alojaram nas pernas de Flora.

Ela resmungou, mas não parecia que isso a importava ou que ela estivesse sentindo alguma dor pelos ferimentos. Era estranho, pois suas pernas sangravam e ela agia como se nada tivesse acontecido e até havia mudado de tática, ela resolvera usar a habilidade de ilusão. Ela criou várias cópias de si mesma ao redor do rapaz, que a princípio pareceu atordoado.

As cópias pareciam criar as árvores como a original fazia, pareciam perfeitas, exceto por um detalhe. Apenas a original possuía pingos de sangue no chão abaixo dela que escorreram de sua perna ferida, assim como era a única que cheirava a sangue. Qualquer demônio de seu mundo poderia sentir o cheiro de sangue a metros de distância, aquele era um aroma familiar que havia impregnado nas terras onde nascera.

Ele sorriu e fechou os olhos para que se concentrasse apenas no olfato, por essa Flora não esperava. Ela fez uma árvore o atacar por trás, em seu ponto cego. Por alguns segundos, ele não se moveu, permaneceu parado no lugar onde estava com os braços para baixo e os seus dois bebês, como ele gostava de dizer, em cada uma das mãos. Foi somente no último segundo q ele estendeu os braços, cada um para um lado, e atirou.

Uma bala acertou a árvore que o atacaria, destruindo-a por completo, até a raiz. A outra foi em direção a Flora que, em um momento de puro reflexo, ergueu uma nova árvore para protegê-la. O escudo foi destruído da mesma maneira que outra árvore, porém a bala não se conteve apenas com a árvore, ela continuou sua trajetória em direção a Flora em uma velocidade mais devagar. A bala bateu no campo de força, destruindo-o, e se espatifou em milhares de pequenos fragmentos os quais acertou Flora em vários lugares.

Flora gemeu de dor e despencou de uma grande altura. O estrondo de seu corpo batendo no chão foi alto, apesar de ainda estar viva. Ela fitava o céu, sem se mexer, fragmentos havia atingindo os braços, pernas, tórax, um no coração e um na testa. Estava banhada no próprio sangue e sem forças, algumas costelas também pareciam quebradas.

Apesar de ter vencido, Pink estava igualmente mal. Os dois disparos e a forma demoníaca consumiram quase todas as suas forças, uma das armas havia quebrado e ele não mais conseguia pairar no ar. Ele também despencou, porém antes de colidir com o chão, ele usou sua última força para amortecer a queda. Estava igualmente esgotado e imóvel.

- Quando eu voltar para meu mundo, eu poderei andar? – ela chorava descontroladamente.

Aquela pergunta pegou Pink completamente de surpresa, ele não sabia o que responder. Ela não andava? Como ela conseguiu chegar até aqui se não podia andar? Essas eram duas perguntas que ele se fazia.

- Sim... – respondeu desconfortavelmente, porém com sua frieza costumeira.

Flora sorriu, mesmo sabendo que era mentira, ela abriu um sorriso verdadeiro em seu rosto. As lágrimas continuavam a descer, mas em uma velocidade mais devagar.

- Obrigada por me dar esse prazer. – disse ela em lágrimas.

- Prazer pelo quê? – ele estava confuso.

- Prazer por essa batalha, prazer por me dar essa diversão e prazer por não me ignorar. No meu mundo, outras crianças não brincam comigo porque eu nasci quebrada dessa maneira, não posso andar ou sequer mexer minhas pernas, elas estão quebradas. – ela virou o rosto para fitar seu adversário e voltou a sorrir – Então obrigada por me dar essas incríveis memórias, não me esquecerei desse mundo mágico.

Ela voltou a fitar o céu, o límpido e azulado céu que ela tanto amava, enquanto a magia que a trouxera a Mithra se desfazia. Começando dos pés, seu corpo desaparecia lentamente deixando apenas a areia do deserto. As árvores que ela criou também desapareciam e se transformavam em forma luminosa até nada restar.

- Obrigada... – disse em seu último suspiro antes de desaparecer completamente.

Uma lágrima escorreu do rosto de Flora e caiu na areia, molhando-a. Um anel prateado com uma pequena pedra transparente incrustada também caiu do corpo de flora em cima da areia. A lágrima e o anel eram as únicas coisas que restaram da menina, cujo maior sonho era poder andar, em Mithra.

Ele se arrastou até o local onde o corpo dela estivera e pegou o anel. Era um belíssimo anel e um dos artefatos de Mithra, dava ao seu portador a capacidade de criar campos de força. Quando colocou o anel no dedo, onde caíra a lágrima cresceu magicamente uma grande árvore frutífera, o último presente de Flora. A copa da árvore era grande e proporcionava-lhe uma bela sombra para um cochilo, além de suculentos frutos. Estava com fome, mas a exaustão era maior, ele só foi capaz de adormecer embaixo daquela sombra e dormir por um longo tempo.


Aquela era a nona noite que Christopher passava em Mithra e a segunda noite com a presença da lua, apesar de ainda fraca no céu. Era engraçada aquela lua, muito diferente da lua que Christopher estava acostumado a ver em seu mundo. Embora aquela fosse a primeira noite de lua crescente, aquela era a lua crescente mais estranha que ele já vira. Ela não tinha o formado curvo costumeiro, aquela lua tinha a forma de um semicírculo pequeno e estava sempre no lado direito do céu com a parte abaulada para cima. Com o passar das horas, o semicírculo aumentava de tamanho.

Apesar daquela forma estranha, era uma lua igualmente linda. Estar ali, naquelas planícies geladas, enquanto observava a lua era tranquilizante. Estava frio, mas ele não se importava com isso, a fogueira o mantinha quente enquanto ele descansava, havia comido demais.

Uma suave brisa gelada passou bagunçando seus cabelos, ele ainda se lembrava com clareza do que aconteceu naquela montanha três noites atrás, estava tudo muito fresco em sua memória ainda. Ele sentia como se tivesse sido ontem que obtivera Drust e fora perseguido por um exército de esqueletos, ainda podia sentir a dor em seu braço mesmo não estando mais machucado. Aquelas horas passadas no interior da montanha jamais sairão de sua memória até porque Drust fazia parte dele agora, podia ser um poder perigoso, mas era bem útil as vezes.

Naquele dia, quando acordou após horas desmaiado, o braço havia se regenerado completamente sem deixar cicatriz. O desfiladeiro onde adormecera era estreito demais para alguém passar, suas saídas eram voltar pela rede de túneis ou pular no rio que corria metros abaixo. Ele escolhera pular no rio ao invés de voltar pela montanha e assim ele o fez, um arriscado salto que poderia matá-lo. Felizmente, ele não morreu e continuava no jogo. O rio o levara para as planícies na qual ele estava agora, deitado no chão admirando a lua.

Na manhã seguinte, quando Christopher acordou, ele comeu as últimas frutinhas que lhe restara e voltou a caminhar em direção ao sul. Ele sabia que poupar comida naquela região deserta seria uma boa ideia, graças a isso ele foi capaz de chegar tão longe, foram horas de caminhada para a imensidão branca da neve dar lugar a uma floresta de coníferas. Ainda havia neve no chão ou presa nas folhas das árvores, mas o branco não era mais a única cor daquele lugar.

A floresta era composta por incríveis árvores gigantes, com mais de cem metros de altura e troncos largos, que estavam dispersas por toda área de floresta. Apesar de distantes uma das outras em solo, suas copas estavam muito próximas, de modo que a luz só poderia entrar em vários pequenos feixes entre as copas. Dentro da floresta não era escuro, tampouco muito claro, a luminosidade era agradável.

Pequenos roedores andavam por todos os lados, ignorando a presença de Christopher. Alguns chegavam a passar perto de suas pernas, ignorando qualquer ameaça que ele pudesse ser. Talvez estivessem acostumados com presença de pessoas ou talvez não tivessem medo, seja qual for o motivo, aquela situação era favorável a ele, pois estava com fome e precisava caçar algo para comer.

Ele seguiu um castor gigante, que tinha um pouco mais de meio metro de altura e cerca de um e meio de comprimento, parecia delicioso para o Christopher e ainda poderia aproveitar a pele. Espreitou o animal até ele parar e começar a roer uma das árvores da floresta, o animal roía freneticamente. Christopher arremessou uma de suas adagas em direção ao castor na expectativa de matar o animal, ao invés disso, o animal parou de roer e foi embora enquanto a adaga ficou presa na árvore no lugar onde estivera o castor.

Quando Christopher tentou retirar a adaga da árvore, por algum motivo, a adaga não saiu. Ele puxou, puxou, puxou e nada, estava presa na árvore. Aquilo estava começando a irritá-lo, como uma adaga ficaria presa na árvore se apenas a ponta dela entrou na casca? Essa pergunta o intrigava e o irritava, ele puxava e nada da adaga sair. Tentou de novo, dessa vez jogou o peso de seu corpo todo para trás enquanto puxava e, para sua felicidade e infelicidade, a adaga saiu enquanto ele caiu com força no chão.

Irritado, ele se levantou e olhou a adaga, havia uma resina endurecida na ponta que estivera na árvore. Então ele olhou o lugar onde estava a adaga, escorria uma resina amarelada que se solidificava rapidamente e se parecia com âmbar, esta era a razão de Christopher não conseguir reaver sua arma de imediato.

Um ruído de roedor a sua frente o tirou de seus pensamentos. Um castor estava de pé a sua frente e o olhava desafiador, Chris poderia jurar que era o mesmo castor que ele tentara matar minutos antes. Castores eram todos iguais, seria difícil identificar um em meio de vários, mas ele sabia que era o mesmo animal de antes, talvez fosse Drust o avisando. Ele retribuiu o olhar do animal, e assim os dois permaneceram por poucos minutos, encarando-se. Então o animal correu e ele foi atrás.

O castor o levou até a beira de um riacho com peixes abundantes e leito raso. A nascente do riacho estava em algum lugar em uma das montanhas a oeste, onde havia uma grande cordilheira que estava presente em toda paisagem a oeste e sul. A água do riacho era cristalina, porém extremamente gelada, e deixava visíveis todas as pedrinhas do fundo, a abundância de peixes e algas. No centro havia uma enorme árvore diferente das demais daquela floresta, esta tinha o dobro da altura das outras, o tronco era mais espesso e as enormes raízes estavam mergulhadas na água, visíveis. Acima das raízes havia neve que formava um estreito caminho sobre o rio.

O animal correu até a árvore e guinchou furiosamente para Christopher, depois começou a roer uma parte do tronco da árvore freneticamente como havia feito antes. Christopher assistiu ao animal por alguns minutos, até o castor parar de roer e guinchar furiosamente para o rapaz novamente.

- O que você quer? – perguntou confuso.

O pequeno roedor guinchou novamente e voltou a roer a árvore, ele tentava dizer algo.

- Quer que eu te ajude com a árvore? – Chris ainda estava confuso.

O roedor parou de roer e balançou a cabeça positivamente antes de voltar a roer. Christopher caminhou até a árvore e, com sua adaga, começou a perfurar a árvore. Cinco minutos foi o tempo suficiente para a resina sair, o castor então a bebeu e foi embora deixando Christopher sozinho.

Ele retornou alguns minutos mais tarde junto de outro castor, este era muito maior que o primeiro, tinha um metro de altura e três de comprimento, era dobro do tamanho do outro. O castor maior ainda trazia consigo um terceiro, que tinha o mesmo tamanho que o primeiro. O terceiro não se movia, era arrastado pelo grandão. Eles caminharam até alguns centímetros de Christopher e, quando chegaram, o menor resmungou alguma coisa para o rapaz antes dele e do maior voltarem a se embrenhar na floresta.

O terceiro, que era arrastado pelo maior, continuou imóvel em frente ao Chris. O castor estava deitado na neve, acima das raízes, em frente ao rapaz, não se movia ou mesmo parecia não respirar. Chris se aproximou do animal, cutucou-o, mas nada acontecia, continuava inerte, parecia morto.

- Ora, ora, o que temos aqui. – disse uma estranha mulher, tirando Christopher de seus pensamentos.

Ele olhou na direção que vinha a voz assustado, não ouvira passos que indicasse a aproximação de alguém. Para a surpresa dele, a mulher era muito bela, seria a mais bela que ele já vira se tivesse visto outras mulheres, até então ele nunca conhecera nenhuma outra pessoa. Ela não era apenas encantadora, mas também um pouco estranha, parecia fisicamente com uma mulher humana só que com algumas peculiaridades. Tinha a pele muito branca e parecia pálida, os cabelos eram longos e brancos enquanto que os olhos eram azuis-celestes. Christopher não sabia dizer se ela era magra demais por assim ser a espécie a qual ela pertencia ou se era devido uma anorexia, entretanto, ele poderia afirmar com convicção que ela era magra demais.

- Quem é você? – perguntou Christopher abobalhado com a beleza da moça.

- Para você eu sou apenas a Aprendiz do Gelo. – desdenhou a jovem.

Apesar dela não ter lhe dito seu nome, ele sabia, seu olho amaldiçoado o dizia. Seu nome era Rhois e ela pertencia ao Inverno, embora ele não soubesse o que esta última informação queria dizer, era a informação dada pelo olho. A informação não parava por ai, o olho também dizia as habilidades dela. Com seu olho direito, ele podia ver a trilha de morte que ela trazia com seus passos, onde pisava se tornava uma terra morta e infértil.

- Parece que hoje é meu dia de sorte, dois oponentes em um único dia! – ela sorriu – Preciso mesmo aumentar meu nível neste jogo.

Uma pequena nuvem de gelo começou a ser emanada de Rhois e aos poucos tudo se transformou em gelo, as árvores, animais que passavam e até o riacho. A pele da jovem também ganhou uma nova cor, era feita puramente de gelo com o aspecto translúcido característico de água congelada, o cabelo dela também parecia ser feito de água, porém em um estado gelatinoso. Era possível ver todos os órgãos dentro dela que também eram feitos de água, enquanto o coração dela batia, Chris também conseguia ver todo o trajeto feito pelo sangue, ou água líquida, dentro do corpo de Rhois. Aquela era sua verdadeira forma, uma criatura humanoide constituída de água em vários estados.

Quando a transformação terminou, um ar gélido correu para cima de Christopher congelando tudo o que tocava. O chão que ele pisava congelou instantaneamente, era estranho até mesmo para ele ver a neve congelada, parecia que uma camada de gelo havia coberto toda a neve, congelando-a uma segunda vez. Ele também seria congelado se não tivesse subido na raiz da árvore segundos antes do gelo alcançá-lo. Por algum motivo, aquela era a única árvore que permaneceu intocada pelo gelo de Rhois.

Rhois intensificou o ar gélido, formando brumas geladas por todo o chão e tornando o ar ainda mais gelado. Era impossível ver o chão e Chris ainda tinha que lidar com o intenso frio, entretanto, nem com o ar mais gelado foi possível congelar aquela árvore, para a frustração de Rhois.

- Planeja se esconder atrás da proteção da árvore até quando? – perguntou um pequeno ser a Christopher.

Chris olhou para baixo a procura de onde vinha a voz, depois para os lados e por último para cima, mas nada encontrou. Por um breve momento, ele se perguntou se estava ficando louco.

- Eu estou aqui em cima, menino amaldiçoado cegueta. – desdenhou novamente o ser.

Ele olhou para cima novamente e dessa vez realmente estava lá, sentando em um galho de árvore alguns metros acima de Chris. Era um pequeno ser de não mais que cinquenta centímetros de altura com a pele queimada pelo frio, olhos azul-esbranquiçados e curtos cabelos brancos. Ele usava um casaco branco felpudo que parecia maior do que ele. O pequeno ser parecia cansado e mal-humorado.

- Quem é você? – perguntou Chris confuso.

- Quem eu sou? – o ser pareceu parar para pensar na pergunta por alguns instantes – Ninguém que você precisa se preocupar, menino amaldiçoado.

- De onde você veio? Não me lembro de ter te visto ai até você falar.

- Eu sempre estive aqui, sentando neste galho, desde o momento em que você apareceu com o castor gigante, menino amaldiçoado.

- Então como eu não te vi?

- Você não me viu porque é um menino amaldiçoado cego, oras. Estava aqui o tempo inteiro.

- Meu nome não é menino amaldiçoado, é Christopher. – retrucou ele.

- Menino amaldiçoado, vai ficar ai parado se protegendo da menina mortífera até quando? A árvore não está aqui para te proteger, xô, xô. – disse ignorando o que Christopher havia dito

- Você não deveria falar sozinho e se distrair enquanto há uma oponente a sua frente. – disse Rhois.

Quando ele voltou a se atentar em Rhois, ele viu o que até então não tinha reparado, uma finíssima e imperceptível barreira protegia aquela árvore do ar gélido de Rhois. O gelo batia na barreira e congelava a superfície externa dela enquanto protegia a árvore e tudo o que estivesse sobre ela. Talvez se não fosse pelo ar mais gelado que o normal e as brumas, ele não teria percebido a barreira.

- Ela também sempre esteve ai, menino amaldiçoado cego. – desdenhou novamente o duende.

Christopher olhou para a barreira uma segunda vez, estava incrédulo.

- Como?

- És mesmo uma criança amaldiçoada e cega! Ou seria melhor chamá-lo de amaldiçoado e tolo?

- Por que sempre me chama de amaldiçoado? Isso já está enchendo.

- Porque você é, oras... – ele fez uma breve pausa antes de voltar a falar novamente, aos berros – Pare de enrolar e saia logo daqui! Essa barreira não foi feita para proteger você de seus problemas pessoais, saia, menino amaldiçoado!

- Por que deveria? Aqui dentro eu não serei congelado.

- A barreira não aguentará por muito tempo, criança amaldiçoada tola. Se esta menina mortífera congelar a árvore-coração ou matá-la com aquele seu poder estranho, toda a floresta morrerá... – ele fez uma pausa dramática, tentando disfarçar a irritação e ignorar a provocação de Chris – Inclusive tudo o que nela estiver.

Esta era uma meia verdade contada pelo duende. Era verdade que se a árvore-coração morresse, a floresta morreria com ela também, mas isto era apenas para as árvores da floresta. Os animais e pessoas continuariam vivos no início, porém, sem comida para se alimentar, os animes que habitam aquela floresta iriam morrer aos poucos, os habitantes humanoide iriam migrar para outro lugar e todo o espaço onde estivera a floresta voltaria a ser estéril. Tudo aconteceria em uma cascata de acontecimentos.

- Árvore-coração? – perguntou-se.

- É! O coração da floresta! – respondeu o duende irritado – Nós guardiões temos o dever de proteger essas árvores, mas vocês estão perturbando a paz de toda a floresta. Estávamos muito melhor antes de vocês terem aparecido!

- Se é trabalho seu, por que você não a protege?

- Protegeria se pudesse, mas não tenho autorização para interferir no jogo da deusa, são ordens dela. Nativo nenhum pode interferir neste maldito jogo, e para que isto não aconteça, barreiras foram criadas separando os nativos dos jogadores. Jogadores não podem ver os nativos.

- Então como eu...?

- Ainda não percebeu, criança amaldiçoada? – interrompeu o pequeno ser.

Instintivamente Christopher levou uma de suas mãos ao seu olho direito, tapando-o. Sem sua visão direita, o pequeno ser e a barreira em torno da árvore desapareceram. Quando retirou a mão de seu olho e voltou a olhar, ambos voltaram a ficar visíveis.

- Entendeu agora porque é o único que pode me ver? A garota mortífera ali pensa que você é louco por estar falando sozinho.

Ele voltou a fitar Rhois, ela estava com uma sobrancelha arqueada, parecia não acreditar no que estava vendo. O ar gélido desapareceu, talvez ela estivesse cansada de produzi-lo sem ter efeito ou estivesse esperando Christopher sair da barreira para atacá-lo, qualquer que seja a resposta, não faria diferença.

- Em condições normais, isso quer dizer sem a película que nos separa, apenas crianças especiais poderiam ver um guardião da floresta. Você pode ver qualquer coisa que esteja do outro lado da película graças à maldição, isto se inclui a mim. Drust era uma maldição para os Qiwins originais também.

- Eu irei enlouquecer como os que viviam aqui também? – preocupou-se.

- Eu não sei, isso só depende de você mesmo. Aprenda a controlá-lo e não enlouquecerá. Agora comece logo a sair daqui antes que ela destrua a barreira e a árvore.

- Ta bom, ta bom...

Christopher pisou devagar na superfície de gelo criada por Rhois, então começou a andar para fora da barreira. Ele dava um curto passo de cada vez para não cair, pois o gelo estava muito escorregadio, enquanto Rhois o observava. Foram precisos cinco minutos para ele sair da área coberta pela barreira invisível para escorregar no passo seguinte e cair de bunda no chão de gelo. Rhois não conteve o riso.

- Não deveria rir da desgraça alheia – disse Chris mal-humorado.

- Impossível, isso foi tão engraçado... – respondeu tentando conter o riso.

- Não vi graça alguma. – disse enquanto se levantava.

- Mas eu vi, por isso ri.

Enquanto falava, ela andava em direção ao rapaz. Ele estava finalmente fora da barreira, poderiam recomeçar a batalha. Entretanto, ela também não teve sorte, escorregou no terceiro passo para a alegria de Chris. Foi a vez dele de rir, para a irritação da jovem que esfriou o ar novamente, tornando-o ainda mais frio do que antes.

No chão, já congelado, formou-se uma segunda camada de gelo, ainda mais espessa e mais resistente do que a primeira. Aquele ar gélido se movia na direção dele rapidamente, desesperado, Chris conseguiu pensar em apenas uma coisa para evitar ser congelado. Rapidamente, ele usou suas adagas para quebrar uma parte do gelo formado na superfície do córrego. Com sua habilidade de manipular a água, ele ergueu parte da água na qual criou uma parede para protegê-lo.

Quando o ar entrou em contato com a parede de água, solidificou-a rapidamente. Mas para a alegria de Chris, o ar não atravessou a barreira, ele encostou nesta e foi barrado. Não foi dessa vez que ele seria congelado, para o alívio dele.

Rhois caminhou na direção dele, por onde passava, o gelo derretia e a água apodrecia junto com qualquer coisa que estivesse dentro dela. Quando se aproximou da barreira criada por Chris, esta se desfez, quebrando em milhares de partículas até que a água voltasse ao seu estado líquido, porém, apodrecida. Ela sorria enquanto caminhava devagar, estava confiante e segura vendo-o recuar à medida que ela avançava em sua direção.

Apesar de podre, aquela água continuava sendo água, e ele a usou para afastar Rhois dele. Com toda a força que dispunha para controlar o maior volume de água possível, ele jogou toda a água que pode em cima dela, provocando uma enxurrada que a arremessou para a outra margem do córrego. A água usada, então, desapareceu após arremessá-la.

- Isso não vai me impedir – disse ela.

- Eu sei – respondeu Chris – Mas vai atrasá-la enquanto penso em algo. Estar perto de você pode ser mortal e eu prefiro evitar.

- Não poderá para sempre, a água vai acabar em breve se continuar assim, ou você se esgotará. O que será que acontecerá primeiro? – ela pausou por alguns minutos aparentando pensar na resposta, depois voltou a falar – Bom, isso não importa, qualquer uma das respostas seriam ruins para você e boas para mim já que eu já enfrentei muitos jogadores. Minha resistência, poder mágico e controle de minhas habilidades estão acima do seu nível.

- Eu sei.

O que ela falou era verdade, ela estava em um nível acima do dele, ele sabia disso, Drust o informara. Porém, ele não pretendia desistir, ele finalmente encontrou algo para lutar, um objetivo, uma meta a ser alcançada. Por toda a vida que ele lembrava, a única coisa que ele fazia era sobreviver sem ter esperança de conquistar nada, pois não havia nada em seu mundo além da cor branca da neve e alguns animais. Aquela solidão e falta do que fazer era chata e sempre permitia que velhos pesadelos voltassem a atormentá-lo, não lembrar de nada até parar naquele lugar era o pior deles. Ele se esforçava para lembrar quem era e o que aconteceu, mas de nada adiantava, isso o angustiava e o atormentava.

Ganhando esta competição, ele poderia se lembrar de tudo o que falta em sua memória, saber quem era, o que aconteceu para ele ir parar naquele mundo monótono e, principalmente, ele teria algo para fazer que não seja apenas sobreviver. Ele teria que sobreviver naquele novo mundo para ter seu desejo realizado, isso era claro, mas pelo menos ele teria como se divertir um pouco com aquilo tudo também e poderia finalmente conhecer outras pessoas e ter algum diálogo, nem que fosse um não muito bom.

Quando a névoa de gelo apareceu pela terceira vez, ele utilizou uma mistura de água apodrecida e água cristalina para criar uma nova barreira e se proteger. As partículas congelantes da névoa entraram em contato com a barreira e a congelou como acontecera anteriormente, porém o gelo se quebrou em milhares de pedaços segundos depois de se formar, permitindo que a névoa continuasse a avançar em direção a ele. De alguma forma, a podridão da água a tornava frágil.

Christopher recuou enquanto o gelo avançava até que este enfraqueceu e desapareceu, para seu alívio. Aquele era um alívio temporário, pois Rhois se aproveitou da situação para se aproximar dele e apodrecer tudo em um raio de dois metros dela, inclusive ele. A magia dela deteriorava tudo o que estivesse ao alcance, envelhecendo, apodrecendo e enfraquecendo tudo. Era uma magia perigosa que poderia matá-lo se ele se descuidasse.

Novamente, ele usou tudo o que tinha para criar uma nova enxurrada e levar Rhois para o mais longe possível, infelizmente isso seria só até a outra margem do córrego, cinco metros à frente. Contudo, o plano dele não saiu exatamente como ele imaginou, ela criou espinhos de gelo afiados onde ele estava. Enquanto tentava se desviar deles se jogando para o lado, um dos espinhos o fizera um pequeno corte em seu braço.

A princípio, Rhois ficara contente ao ver o corte, mas seu sorriso desaparecera do rosto quando ela o viu se regenerando rapidamente.

- Parece que este será um pouco mais difícil – retrucou ela.

Ela criou novos espinhos por toda parte, num raio de seis metros, para garantir que ele não escaparia dessa vez, os espinhos alcançariam a outra margem e iriam mais um metro floresta adentro. Usando um pouco de água cristalina, ele criou dois chicotes e os manipulou com maestria para que quebrassem os espinhos que o acertariam. Após se livrar da ameaça iminente, ele rapidamente contra-atacou, usando os dois chicotes ele forçou Rhois a recuar.

Após minutos de ataques e contra ataques-ataques de ambos, Christopher conseguiu trincar um pedaço do gelo que revestia a superfície corpórea externa de Rhois enquanto ela causou-lhe vários arranhões e um corte profundo na perna dele. Estavam cansados e ofegantes, o poder mágico deles também não os permitiriam continuar com aquele impasse por mais muito tempo, sabiam que o próximo ataque seria aquele que decidiria o vencedor que, pelas regras, permaneceria no jogo.

O ataque decisivo foi rápido e imprevisível, Rhois criou uma pequena nevasca num raio de cinco metros e Chris tentou criar uma nova enxurrada, motivo pelo qual fez o imprevisível acontecer. Ele drenou a água do córrego como fizera antes e a levantou no ar, estava a ponto de jogar todo o volume de água que retirou em cima de Rhois quando sentiu algo grande se mover abaixo de seus pés. Parecia um terremoto com força o suficiente para desequilibrar os dois e tirar toda a concentração para o uso da magia. A água que Chris drenou rapidamente caiu sobre a cabeça dos dois e os encharcou, a nevasca de Rhois foi parada antes que começasse a congelar tudo. Momentaneamente, eles se olharam enquanto estavam sentados no chão, algo parecia fora do lugar.

- Christopher, o que você fez? – gritou o duende em tom de desespero e irritação – Você não deveria ter provocado a natureza!

- Eu não fiz nada... Eu acho... – respondeu ele inseguro.

Por ser apenas uma superfície plana, a geografia de Mithra não permitia a existência de terremotos por causas naturais. Aquele terremoto era bastante estranho e confuso, o que era de verdade eles não faziam a mínima ideia, mas sabiam que não era movimentos da própria terra, um bloco único de terra não faria isso sem que todos os outros participantes e habitantes de Mithra sentissem também, e mesmo que fizesse, não seria daquela maneira. Aquele terremoto parecia ser provocado por algo se movimentando dentro da terra.

- Venha aqui agora mesmo! Você precisa me ajudar! Se ela for destruída, estaremos perdidos, eu estarei perdido. – disse ignorando a resposta de Christopher. Ele andava de um lado para o outro, estava bastante inquieto.

Christopher e Rhois se levantaram do chão, ele caminhou até o duende como havia lhe pedido e ela continuou parada onde estava, em pé. A floresta inteira estava em silêncio, não havia sinal do farfalhar das árvores, dos animais ou pássaros, também não havia sinais de que houvera um terremoto. Foram minutos de silêncio inquietador antes de um forte estrondo a oeste, nas montanhas.

Christopher subiu na árvore na expectativa de conseguir ver o que estava acontecendo enquanto Rhois caminhou alguns metros na direção oposta a da descida da água no córrego. A princípio não viram nada, eles tentaram, mas de onde estava tudo o que viam eram mais árvores. Estavam quase desistindo, ele descendo da árvore e ela voltando a sua posição, quando ouviram muitos gruídos de aves saindo de onde estavam por toda parte e árvores tombando no chão, ele empalideceu ao ver o que vinha na direção deles.

- Agora não é hora de ficar surpreso! Você precisa me ajudar a manter a barreira de pé ou... Ou... – a voz do duende desapareceu com o terror em sua mente – É melhor não pensarmos nessa hipótese!

O duende estava tão pálido quanto Christopher, Rhois estava confusa, não entendia o que estava acontecendo, ela só pudera ver algumas árvores. Era impensável que aquilo pudesse acontecer, mas aconteceu, um grande volume de água reagira à magia de Christopher. Esta água estava provavelmente debaixo deles, no lençol freático, ela era a causa do terremoto. Ela caminhara velozmente por quilômetros até sair na nascente em alguma montanha a oeste e descia o córrego abaixo com fúria, derrubando e destruindo tudo o que estava em seu caminho.

- Rhois, venha para cá, rápido! – gritou o rapaz.

- Como sabe meu nome? – perguntou ela confusa. Ela se lembrava de ter lhe dito apenas o título dela no jogo.

- Isso não importa agora! Se não vier, irá morrer afogada.

Ao ouvir isso, ela arregalou os olhos, havia ligado todos os pontos, o terremoto, o silêncio e aquele estranho estrondo. Ela sempre fora uma garota inteligente e os amigos que tinha em seu mundo gostavam dela por causa disso, no meio da miséria e da fome, eles sabiam que teriam comida se a seguissem. Foi graças a isso que ela criara seu próprio grupo de ladrões de comida, quem não tinha nada só sobreviveria roubando comida daqueles que tinham muito, esta era a lei de seu país, a lei dos miseráveis.

Não era garantido que sobreviveriam dentro da barreira da árvore, mas aquela era a melhor opção deles. A água descia com fúria e era um volume muito grande, o mais provável era que todos morreriam ali, mas talvez tivessem uma chance se os três cooperassem em manter a barreira intacta. Este era o plano de Christopher, ele teria apreciado a ajuda de Rhois em seu plano, porém as forças da natureza tinham outro plano para a garota.

Antes que ela pudesse chegar à árvore, a enxurrada chegou até eles e levou consigo tudo o que estava em seu caminho, derrubou dois metros de mata em cada margem e afogou alguns animais que não conseguiram fugir. Rhois foi jogada em cima da barreira da árvore, que reagiu a força da água e bloqueou qualquer coisa de entrar ou sair. Toneladas cúbicas de água caiam sobre ela e sobre a barreira, que vez ou outra tremeluzia.

- Por que... – a voz dela falhava e toda vez que tentava abrir a boca para falar algo, muita água entrava por sua boca – Eu... Não... Consigo... Passar... Daqui?

- É a barreira, quando está sob ameaça, nada pode entrar ou sair. A árvore precisa ser salva, é o coração da floresta. – gritou Christopher em resposta.

O duende usou toda sua energia para manter a barreira e Christopher usou sua mana restante para diminuir a força com que a água batia na barreira. Rhois apenas ficou parada lá, sendo imprensada na barreira e sem ter o que fazer, pois se ela usasse seu poder de apodrecer as coisas, a barreira seria apodrecida também junto com a árvore. O gelo não iria adiantar no meio de tanta água, não com apenas o que lhe restava de seu poder mágico.

A força da água era grande, estava difícil para todos, até para o duende que supostamente deveria ter o poder para proteger a árvore. A pressão fazia a pele de gelo de Rhois trincar mais e mais, havia rachaduras por todo o corpo dela, um pouco mais era o máximo que ela poderia aguentar. Lágrimas escorriam de seus olhos, ela não queria morrer, queria continuar o jogo, ganhá-lo e acabar com toda a miséria e fome do seu país, mas aquele parecia ser seu fim. Pela última vez, ela desejou no fundo de seu coração enquanto a última lágrima escorria de seu rosto.

- Lethy, Chi, Liath, Yassi, e Ihua... Desculpe-me, pessoal, eu não consegui. Eu não conseguir salvar nosso país. – sussurrou ela para si mesma.

Sua última lágrima caiu, alguns segundos pareceu ser uma eternidade a Rhois. Tudo aconteceu em câmera lenta, ela viu Christopher gritar, embora não tenha ouvido o que ele dissera, e, pela primeira vez, ela pôde ver o duende com quem o rapaz parecia tanto conversar. Um pequeno ser idoso e do frio como ela, ele a observava angustiado. A lágrima caiu em cima da árvore que ressoara com seu desejo, por um momento ela se sentiu em paz. As folhas da árvore emitiram uma tênue luz de cor branco-azulada.

- O que é isso? – perguntou Chris vendo parte da luz atrás dele.

- A árvore respondeu aos desejos da garota. – respondeu o duende, surpreso.

A luz desapareceu e, com ela, congelou toda a água, até chegar a nascente. O gelo durou apenas por alguns segundos, quebrando-se rapidamente e transformando a enxurrada em um rio de águas calmas. O solo onde estava a árvore ergueu-se até a superfície do rio, formando uma pequena ilha no centro do rio.

Quando a barreira desapareceu, o corpo de Rhois caiu, Christopher a segurou antes que colidisse com o chão. As rachaduras eram muitas e ela já não tinha mais consciência, foi o tempo de segurá-la e apoiar o corpo dela no chão para todo o gelo se quebrar e a água que formava seu corpo se espalhar pelo chão. Aquele era o fim de Rhois no jogo.

O duende colocou uma das mãos no ombro de Christopher e tentou consolá-lo.

- Ela se foi, mas graças a ela estamos vivos. Ela te salvou e salvou toda a floresta, foi um ato nobre dela.

Ele anuiu.

- A árvore não estaria salva sem a sua ajuda, criança, muito obrigado. Ledus tem a sua eterna gratidão, como recompensa, você pode utilizar a resina da árvore-coração para o que você desejar. Aquele castor morto continua nas raízes da árvore, se você ainda quiser.

- Obrigado. – respondeu ele.

Ledus sorriu e então desapareceu deixando Christopher sozinho na floresta.

Ele olhou a nova paisagem, estava completamente diferente da antiga, o córrego se transformara em um rio e aumentaram em quatro metros de largura, totalizando nove metros. Às margens do novo rio, havia várias árvores destroçadas pela força da água, porém a água agora estava calma.

Ele caminhou até onde o castor estava, custou a perceber, foi preciso andar até o animal e olhar para baixo para perceber uma pequena imagem de um envelope acima de sua pulseira. A imagem parecia pairar sob a pedra vermelha da pulseira. Ele passou a mão pela imagem tentando pegá-la, mas se deu conta de que era uma imagem holográfica quando sua mão passou por ela e ela desapareceu em seguida.

A frente dele surgiu o rosto de uma mulher, era grande, translúcido e parecia ser feito de luz holográfica azul. Parte do rosto estava coberto por um capuz como no primeiro dia que chegara a Mithra e vira aquele mesmo holograma, era impossível dizer quem estava embaixo do capuz.

- Parabéns! Você acabou de adquirir o título Aprendiz do Gelo, com mais experiência e domínio de suas habilidades você poderá avançar e ser Júnior do Gelo. O título de Aprendiz do Gelo aumenta sua resistência ao gelo e às temperaturas baixas em 10%, porém você se torna mais vulnerável ao fogo. Você pode conseguir mais títulos derrotando adversários ou em aventuras por ai. Bom jogo e até mais.

A estranha mulher deu o recado e desapareceu da mesma forma como havia aparecido, misteriosamente. Ele se sentou ao lado do animal e olhou adianta, depois de tanto tempo, ele finalmente se deu conta do quanto estava cansado, tudo o que havia acontecido naquele dia esgotara totalmente suas energias. Ele também se lembrou de que não tinha comido nada ainda, mas o cansaço era tanto que ele apagou sentado abaixo da árvore.


- Ele derrotou a Aprendiz do gelo, Rhois. Criança petulante! – quem falava era uma mulher idosa com uma voz rouca.

Estavam todos em uma caverna escura no pé de alguma montanha, eram quatro pessoas no total de diferentes idades, personalidades e habilidades. Um objeto esférico estava no centro, ele iluminava todo o recinto com uma tênue luz verde, com a habilidade da mulher idosa, ela poderia mostrar o que quisesse em seu pequeno objeto mágico. Todos assistiam a batalha de Rhois e Christopher.

- Ele não a derrotou, Arabella. A força da água que a matou! – disse Eyon.

Eyon era um rapaz de vinte anos, ele e sua irmã gêmea, Clath, eram ruivos e tinham olhos violetas. Os irmãos Seward, como eles eram conhecidos no mundo deles, eram um casal de mercenários habilidosos que vieram a Mithra juntos.

- A pequena Rhois poderia ter vencido se não fosse pela enchente. – disse Clath.

- O que você acha, minha senhora? – perguntou Arabella.

Arabella tinha muitos nomes, mas o que ela mais gostava era Arabella, a bruxa. Ela era uma mulher idosa, de aproximadamente sessenta anos, baixa e diabólica. É considerada uma bruxa negra devido a diversas atrocidades que cometera em seu mundo, ela não se importava com as pessoas, apenas as usava para conseguir o que deseja e depois as descartava.

- Rhois nunca foi um problema, ele poderia tê-la derrotado desde o começo. – respondeu Lory.

Lory era a mais nova entre aquelas pessoas, era uma jovem de apenas dezesseis anos, e também a líder deles, conquistara sua posição quando os derrotara nos dias anteriores e fizera deles seus subordinados. Ela era bonita e fria, os cabelos lisos e de cor castanho-escuro contrastava com a pele branca, os olhos eram uma mistura de lindo e estranho. Íris de cor verde e pupila em forma de uma águia de asas abertas eram o que mais chamava atenção das pessoas.

- O que faremos então, minha senhora? Ele derrotou uma de nossas.

- Por enquanto nada, continue observando-o, Arabella.

Arabella anuiu e novas imagens do rapaz surgiram em seu objeto mágico. Recusar uma ordem de Lory poderia ser fatal dependendo de seu humor, todos sabiam.


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Notas finais do capítulo

Eu estou apaixonada por como eu imaginei a Rhois, em minha cabeça ela é linda! Gostei tanto que até pensei em uma história só para ela *-*. E vocês? O que acharam dela?