Tudo bem, para ser sincera, ficar no acampamento não era tão ruim. Está certo que a situação com Dionisio estava um pouco tensa, e algumas filhas de Afrodite me olhavam torto, mas a maioria das pessoas me aceitou relativamente bem e a semana acabou passando muito rápido. Antes que segunda-feira começasse eu já havia criado uma espécie de rotina que vinha dando bastante certo. Eu acordaria ao amanhecer e correria por uma hora na beira do mar; eu voltaria para o chalé, tomaria uma ducha fria, e iria comer junto com os outros. Eu trabalharia na oficina durante o resto da manhã e somente a tarde iria treinar.

Quanto as aulas eu não tinha muito a dizer; depois de quase me matar em esgrima e quase matar alguns filhos de Apolo em arco e flecha(não seria tão ruim), eu aceitei que era um desastre com as armas convencionais e acabei adaptando uma pistola que achei no deposito para usar munição de bronze celestial. Não era adequada para todas as situações, mas me manteria viva. 

A única coisa que eu vinha sentindo falta era de alguém para conversar; meus irmãos eram legais, especialmente Adam que tomara para si a tarefa de me fazer sentir acolhida, mas não era a mesma coisa que antes com meu pai, minha avó e Ayla. Com eles eu conseguia ter sempre uma boa conversa, eles me entendiam e não ter ninguém para conversar estava sendo muito difícil, principalmente a essa hora, que ainda não tinha quase ninguém acordado e eu tinha mais tempo pra pensar. Para não mentir tinha uma garota, filha de Apolo se não me engano, que sempre levantava antes de o sol nascer e ficava tocando violão sentada na beira do mar. Ela sempre me olhava quando eu passava por lá, correndo, e eu somente devolvia o olhar, vendo que ela não queria minha companhia. Eu estava pronta para fazer o mesmo de todos os dias quando vi que ela estava chorando.

Mudei de direção subitamente e me sentei ao lado dela.

- Você é a namorada do Adam, não é?- perguntei. Eu os via juntos as vezes, mas ela nunca ficava muito tempo perto de mim, sempre alegando algum compromisso quando eu chegava. 

- Sim- ela respondeu trincando os dentes e prendendo o choro.- E você é a irmã dele.

- Sou- falei confusa.-Porque?

- Nada- ela disse já se levantando.

- Ei, espere-  corri atras dela, finalmente entendendo o porque disso tudo.- Como você mesma disse, eu sou irmã dele.

- Como se isso importasse -ironizou.

- Importa pra mim.

- Sei.

- Escuta- pedi olhando fixamente nos olhos azuis dela.- Em primeiro lugar eu não tenho interesse nenhum no Adam; ele é somente meu irmão, nada mais. Em segundo, você é linda, não tem porque se sentir insegura, tenho certeza que metade do acampamento é apaixonada por você. A outra metade são mulheres- brinquei e consegui arrancar um sorriso dela.

- Eu sei que eu sou linda, mas você também é- ela falou com tanta naturalidade, sem a arrogância do pai, como se apenas constatasse um fato, que eu tive que rir.

- Mas ele gosta de você. O Adam apenas se sente responsável por mim, meu pai com certeza pediu pra ele cuidar de mim- ele era tão previsível. 

- Bom, se é esse o caso- ela se virou pra mim, já sorrindo.- Prazer, meu nome é Melodie, sou filha de Apolo.

- Prazer, sou Amy- respondi rindo.- Você é bipolar assim sempre ou só quando está feliz?

- Na verdade só quando eu estou feliz.

Passei o resto da manhã conversando com ela e a tarde ela tentou me ensinar arco e flecha, mas nem tendo aula particular com a filha do deus arqueiro eu consegui aprender, e, no fim, ela desistiu pois, nas palavras dela,  "o seu rosto era bonito demais para ser estragado por uma flecha".

- Eu juro, o Christian passou o treino todo olhando pra você- Melodie falava entre risos na saída da da aula de esgrima alguns dias depois. Nossa amizade tinha crescido muito rápido, o que era surpreendente. Ela era uma pessoa completamente diferente de mim e do que eu estava acostumada, com seu jeito simplista de ver a vida. Ela era do tipo de garota que sabia que era bonita e usava isso para conseguir o que queria, mas também era muito apegada com os que arriscavam se aproximar dela sem segundas intenções. Eu, sinceramente, entendia o porque de meu irmão gostar tanto dela.

- Claro que não Melodie, ele estava somente tentando ajudar. Eu sou visivelmente um desastre na esgrima, ele devia estar com pena de mim.

- Claro, vai crendo nisso. Quando ele te agarrar em uma sala deserta você já sabe porque- debochou, e, quando eu fui me virar para bater nela, acabei dando um encontrão em uma garota e nos duas caímos no chão. 

- Olha por onde anda, Vadia.- a garota disse se levantando, raivosa. O tom de voz que usou a se referir a mim e a palavra que usou me lembrou imediatamente dos Miller e eu senti minha paciência se esvair imediatamente. 

Levantei pronta pra brigar e olhei pela primeira vez em quem eu tinha batido; era a garota que eu vi lutando no dia que cheguei no acampamento, Elda, se não me engano. Ela me olhava com uma raiva que com certeza deixaria seu pai orgulhoso, como se imaginasse diversas formas de me matar.

- Não estou vendo nenhuma vadia aqui- falei, calma.- A próxima vez que quiser se referir a si mesma em uma frase, use "mal-educada" ou "impaciente"; "vadia" não combina muito com você. 

O rosto dela ficou vermelho instantaneamente e eu achei que ia apanhar quando um Dioniso apareceu na minha frente e interceptou a mão que já ia de encontro ao meu rosto.

- Srta. Graf, a senhorita sabe que não são permitidas brigas aqui, não sabe?-perguntou.

A raiva de Elda só pareceu aumentar e ela engoliu em seco antes de responder em voz contida:

- Sim, Sr. D.

- Senhorita... ?- se virou para mim.

-  Eu não tenho sobrenome, Dionisio. Pode me chamar de Amy.

As pessoas no acampamento pareceram chocadas com minha ousadia ao chamar ele pelo nome e não pelo apelido ridículo que deram a ele, como se eu fosse louca por testar minha sorte com ele novamente, mas o deus do vinho somente sorriu, como se tudo não passasse de uma excelente piada,

- Então, senhorita Amy, como eu pretendia te falar antes das duas inconcequentes resolverem que brigar no meio do pátio era uma boa ideia, eu preciso falar com você, em particular, na casa grande. Agora.- depois essa linda frase de efeito ele somente se virou e seguiu andando como se nada tivesse acontecido e eu passei alguns segundos apenas olhando de longe e pensando que ele era, de fato, louco.

- Acho melhor você ir- falou Mel.- O Sr. D, nunca pede pra falar com ninguém em particular e você já abusou muito da paciência dele hoje.  

Eu fui obrigada a concordar e, a contra gosto, corri para alcança-lo.