Questão Complicada escrita por Nightnyu


Capítulo 2
Capítulo II - Bibliotecas nem sempre são pacíficas




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Shiemi lia com o máximo de atenção que podia o livro que estava em suas mãos, anotando ocasionalmente o que achava relevante para o trabalho. Porém, vez ou outra, seus olhos parcialmente cobertos pela franja buscavam o rosto de Rin. Ele estava em pé, perto de uma estante, procurando mais um livro para referências. Mesmo que tivesse aceitado fazer o trabalho, não era o que parecia. Ele parecia distante, de certa forma.

Levou uma mão aos cabelos loiros, ajeitando seu enfeite feito com uma flor de verdade. Embora quisesse falar com ele, talvez fosse melhor terminar o dever primeiro. As responsabilidades tinham que ser prioridade.

Contudo, num momento em que ela estava concentrada na leitura, ele pegou-a desprevenida, pondo-se atrás da cadeira onde ela estava sentada e debruçando-se com o livro aberto sobre seus materiais.

- Shiemi, este aqui parece que tem mais informações. – A voz dele estava próxima de uma das orelhas dela, assim como seu odor suave e amadeirado. Ela tomou o livro das mãos dele, levantando-se da cadeira quase num salto. Apressou-se em andar na direção oposta do rapaz, para esconder seu rosto vermelho como uma rosa.

- Vou tirar uma cópia na máquina, então. Será mais fácil! – Exclamou a primeira desculpa que lhe veio à mente, sem coragem de olhar para trás.

Rin observou a garota se afastar, um pouco confuso. Shiemi parecia transtornada. Talvez ele tivesse se aproximado dela mais do que deveria, mesmo que não estivesse com intenção alguma além de realmente mostrar-lhe o livro. Além de Shiemi ser naturalmente tímida, ele ainda era o irmão do garoto que ela gostava, era óbvio que se incomodaria.

Levou as mãos aos cabelos azuis, tomando um dos livros que estavam na mesa. Era realmente estranho ter que se segurar tanto assim.

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Enquanto tirava uma cópia de uma das páginas do livro, sem nem saber se era a correta, a loira respirava profundamente, tentando tranquilizar-se. Estava enrolando muito naquela tarefa, mas não queria voltar e se deparar com Rin mais uma vez. Estava envergonhada demais.

Quanto tempo mais ela iria continuar agindo daquela forma na frente dele? Por que ela não tomava logo coragem para declarar-se para ele? Sua mente voltou à semana anterior, quando havia encontrado-se com Yukio após as aulas.

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- Precisa de ajuda em algo, Moriyama-san? – Ele perguntou educadamente, quando ela sentou-se ao seu lado. Seus olhos verdes olharam em volta por alguns segundos, para ter garantia de que estavam sozinhos.

- Yuki-chan... – Ela estava com o rosto vermelho como nunca, o que quase fez o gêmeo ponderar se ela estava passando mal. Os lábios cobertos com um suave brilho labial cor-de-rosa moveram-se lentamente. – Eu tenho sentimentos pelo seu irmão. – Ele quase se engasgou com o suco que estava tomando. Mas que confissão repentina era aquela? O rapaz de óculos encarou-a de forma assustada, envergonhado pela surpresa.

- M-Moriyama-san... – Ele iniciou, escolhendo as palavras com uma calma agitada. Se esse termo pudesse existir. – Está me dizendo isso por eu ser seu professor ou irmão do Rin? – Ela apertou as próprias mãos sobre a saia curta do uniforme.

- O-Os dois, eu acho. Digo, eu não sei o que devo fazer. – Continou a confissão, frustrada. Seu olhar ficava cada vez mais triste. – Tentei dizer a ele diversas vezes, mas tenho medo que ele me trate de forma estranha. Mas Yuki-chan é popular e conhece o Okumura-kun melhor do que ninguém, pensei que talvez pudesse me dizer o que fazer. – Ele sorriu, ainda meio incrédulo. Quem diria que a doce e inocente Shiemi fosse se apaixonar pelo idiota e cabeça-dura do seu irmão mais velho? Levou a lata de bebida até os lábios, pensando no que deveria dizer. Era uma situação bem inusitada.

- Moriya... – Interrompeu-se. Aquela já era um diálogo bem mais íntimo. – Shiemi-san, apesar de conhecer meu irmão, não sei dizer como ele reagiria ao saber sobre seus sentimentos. – Ele voltou seu olhar para ela. – Mas uma coisa eu tenho certeza: Ele não trataria mal ou se afastaria de alguém que gosta dele. Pelo contrário, acho até que isso o deixaria feliz. Meu irmão, mesmo que não demonstre, ainda se sente distante das demais pessoas. Você compreende, certo? – Ela balançou a cabeça de forma afirmativa, lembrando-se da identidade de Rin. – Então, seus sentimentos demonstrarão a ele que ele é capaz de ser um garoto normal, de seu próprio jeito.

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Naquele dia, ela sentiu-se bem melhor após ouvir as palavras de Yukio. Porém, sua vergonha a impedia de seguir em frente. Já havia visto no espelho o quão vermelho seu rosto ficava, e o quão patética parecia em cada vez que treinava a melhor forma de dizer o que sentia. Mas estava cada vez mais difícil suportar aquele peso em seu peito, em toda situação que Rin olhava para ela ou abria um de seus sorrisos largos e contagiantes.

Quando se deu conta, mais de meia hora já havia se passado. Apressou-se em comprar duas bebidas, enquanto formulava uma desculpa para dizer ao rapaz. Sentia-se uma idiota por deixá-lo esperando por tanto tempo.

Contudo, Rin não se dera conta do tempo transcorrido. Aliás, ele não se dera conta de nada, pois havia dormido sobre o livro que lia. Os únicos movimentos de seu corpo eram os causados pela respiração. A loira aproximou-se devagar, um pouco trêmula. Não havia ninguém ao redor deles, e as estantes os protegiam do olhar do bibliotecário. Apenas ela, Rin, e duas bebidas que não seriam abertas.

- Eu te amo, Okumura-kun. – Murmurou de forma quase inaudível, com os olhos brilhantes pelas lágrimas que se formavam. Ele não fez nada em resposta, e seu rosto permaneceu repousado sobre os braços, adormecido. Ela encarou a bochecha alva que estava virada para cima. Se ela não fizesse nenhum barulho, quem sabe...

Seu rosto tomou a cor das maçãs, mas ela não precisava esconder, já que ele não podia vê-la. Caminhou lentamente, sem ruídos, até a mesa, depositando as bebidas e o livro sobre ela. Retornou sua atenção para o garoto de cabelos azulados. Ele parecia ainda mais bonito, iluminado por aquela luz quente do fim da tarde.

Ousou se aproximar cada vez mais dele, até que parou ao seu lado. Tão perto, e ainda sim tão distante. Inclinou-se sobre ele, sentindo novamente aquele cheiro que a havia deixado tão perdida momentos antes. Seus lábios estavam tão próximos da bochecha dele que era quase capaz de senti-la, sem ainda tocá-la.

Mas ela havia se esquecido de segurar os próprios cabelos. Uma mecha loira alcançou o rosto de Rin antes dos lábios, provocando cócegas. Pensando tratar-se de um pernilongo, o rapaz levantou o rosto de sobressalto, e sentiu algo macio chocar-se contra ele e tocar-lhe o canto dos lábios.

O beijo ocorrido antes do esperado – e numa região mais comprometedora – assustou Shiemi como nunca. O coração da garota quase saltou pela boca, e suas pernas fraquejaram com aquele leve impacto. Ela se caiu no chão, sentindo-se tão inválida quanto na época quando conhecera Rin.

Rin quase caiu da cadeira, surpreso. No chão, sentada como se estivesse tradicionalmente servindo um chá, Shiemi escondia os lábios com uma das mãos. Parecia assustada. Lembrou-se do macio que sentiu no canto dos lábios e envergonhou-se no mesmo instante. Havia sido beijado por Shiemi acidentalmente?

Por mais que aquela ideia pudesse ser apreciada por ele, ele sabia que aquilo tinha sido apenas um acidente. Provavelmente ela estava tentando apenas acordá-lo. E no fim, ela teve que beijar uma pessoa que ela não gostava. Uma garota como ela tinha motivos para parecer tão assustada.

- Shiemi... – Ele se abaixou, apoiando-se em um dos joelhos. – Está tudo bem, eu não irei contar para ninguém. – Ela não modificou sua posição. Ele suspirou fundo. – Eu sei quem é a pessoa que você realmente gosta. – A loira ergueu os olhos verdes, encarando-o com um misto de surpresa e confusão. – Então não precisa se culpar por esse acidente, não irei contar para ninguém. Somos amigos, certo?

Se o coração de Shiemi pudesse parar por causa de palavras ditas, aquelas palavras, sem dúvidas, poderiam matá-la. Ele sabia que ela gostava dele, e além de encarar sua primeira tentativa de carinho como um acidente qualquer, ainda a rejeitou. Não queria ser tratada de forma estranha, mas aquela indiferença talvez fosse ainda pior.

O rapaz arregalou os olhos azuis. Shiemi fechou os olhos, e lágrimas começaram a escorrer, uma atrás da outra. Ele sentiu-se fraco e confuso. Suas palavras fizeram Shiemi chorar daquele jeito? Talvez devesse ter continuado de boca fechada, fingindo que não sabia de nada. Não deveria ter exposto os sentimentos dela daquela forma, era algo que só interessava a ela mesma e Yukio. Ele não tinha espaço. Talvez ele nem mesmo fosse amigo dela, de fato, para aquele tipo de reação por causa de um segredo.

Mas ele queria. Ele queria ter um espaço. Queria poder compartilhar as coisas, ao menos com Shiemi. E claramente, não era correspondido. Levou a mão a testa, levantando-se. Por que ele não era capaz de fazer nada dar certo?

Ouviram, mais distante, a voz do bibliotecário dizer a alguém que já estava na hora de fechar. Shiemi levantou-se lentamente, olhando para as costas de Rin enquanto tentava conter as lágrimas, sem sucesso. E correu, simplesmente, ignorando o lugar onde se encontrava. O bibliotecário gritou algo para ela, que foi obviamente ignorado.

Rin suspirou pesadamente, olhando por cima dos ombros. Seus olhos focaram-se na mesa, onde estavam os materiais da garota e duas latas de bebida – do seu suco favorito. E ele sentiu-se pior ainda. Shiemi era uma pessoa gentil e frágil, e ele fora cruel o suficiente para fazê-la derramar lágrimas. Não merecia ser nada de Shiemi, nem amigo, nem algo a mais.

Algo a mais. Ele finalmente percebeu que o que sentia pela loira. Mas agora, ela nem era mais sua amiga. Já era tarde.

- Perfeito, Rin. – Ele murmurou para si mesmo. – Quem sabe esse poder também foi herdado dele. – Ele sentiu a visão embaçar. Foi até a mesa para recolher as coisas da garota. Ao pegar o caderno dela, uma das folhas que estavam soltas caiu. Ele pegou-a, e não prestaria atenção no conteúdo, se não percebesse de relance a presença de seu nome.

Okumura e Moriyama. Sob um guarda-chuva. Sinal de amor e união. Seria perfeito, se ele soubesse que aquele Okumura não era ele, e sim, seu irmão mais novo. Sentiu como se tivesse um tijolo no seu estômago. Ele enfiou a folha dentro do caderno, balançando a cabeça, e colocou o resto do material dentro da mochila da garota, levando-a consigo. Não teria coragem de mexer mais em nada. Provavelmente se depararia com fotos de seu irmão, ou quem sabe, alguma carta de amor não entregue. Apenas mais motivos para fazer seu peito ficar dolorido.

Como ele queria voltar no tempo e ter ido dormir ao invés de ter concordado em ir para a maldita biblioteca.


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