E mais uma vez, Rin Okumura corria desesperadamente pelos corredores para ir até a classe dos exorcistas. O cochilo que resolvera tirar foi um pouco mais longo – bem mais, para ser sincero – do que ele imaginava. Já estava imaginando a bronca que levaria do seu irmão perante a classe, mas ao chegar no corredor onde se localizava a porta da mesma, percebeu que não estaria sozinho nessa.

- A-Ah, Okumura-kun! – As maçãs do rosto de Shiemi estavam pegando fogo, pela corrida. Rin também estava agitado pela situação, mas naquele momento teve vontade de sorrir. A forma da loira correr era incrivelmente engraçada, como se ela ainda estivesse vestindo os tradicionais quimonos no lugar do uniforme.

- Preparada para levar bronca do Yukio? – Ele soltou uma risada cansada, quando ambos se encontraram de frente para a porta. Perderam mais alguns segundos para estabilizar a respiração, enquanto o rapaz se divertia com as bochechas infladas da garota. Ela não queria levar bronca. Mas quem quer? Sendo assim, ele se dispôs a abrir a porta, conformado. – Boa tarde! – Disse em bom tom, como se não fosse nada demais. Os demais alunos riram ou cochicharam frases como “Era de se esperar”. Yukio ficou incrédulo, mais uma vez, com a capacidade do irmão de ser cínico.

- Deveria ter mais senso de responsabilidade, Okumura-kun. – O mais novo ajeitou os óculos no rosto. Rin colocou as mãos atrás da cabeça, na região da nuca, e andou até a frente da sala. Para a surpresa de todos que estavam presentes, Shiemi andou praticamente junto com Rin, faltando pouco para estar literalmente colada em suas costas. – E... Moriyama-san? – Yukio olhou diretamente para a garota, que ainda tentava se esconder atrás do amigo, em vão.

- D-Desculpe-me, sensei. Eu acabei cochilando demais. – Rin começou a rir, tentando descontrair o ambiente.

- Não se preocupe, Shiemi! Eu também cochilei demais, é normal. – Ele garantiu. A loira não sabia se deveria se sentir melhor ou não por estar no mesmo nível de Rin naquele sentido.

- Só eu estou achando de os dois estavam cochilando juntinhos? – Shima murmurou, mas sua voz alcançou boa parte da sala, até os ouvidos da dupla de atrasados. Rin corou como nunca com aquele pensamento, se engasgando com a própria saliva. Shiemi, com uma reação semelhante – ao seu modo, afastou-se do garoto e juntou as mãos na frente do corpo, fechando os olhos de vergonha. Yukio ia pronunciar-se, porém, a voz de Izumo se fez presente.

- Isso seria ciúme, Shima? – O riso na classe foi generalizado.

- Vamos, vamos, todos quietos. – Yukio balançou a cabeça negativamente. Ser professor era uma prova de fogo para a paciência. Olhou para o casal envergonhado e lhes entregou uma folha de papel. – Um trabalho para ser entregue daqui a uma semana. Como vocês dois chegaram juntos, nada mais justo que façam o trabalho juntos.

Rin pegou a folha, com vontade de contestar. Porém, o olhar de Yukio estava... professor demais. Soltou um suspiro cansado, enquanto Shiemi finalmente abria os olhos para ler o conteúdo da folha, por cima dos ombros do garoto de cabelos azuis. Nisso, foi indicado o término da aula, um pouco mais cedo que o normal. Rin arrependeu-se de não ter faltado de vez, e voltaria a dormir em uma das carteiras, se não sentisse um toque leve em um de seus ombros.

- Okumura-kun, que tal irmos para a biblioteca adiantar o trabalho? – Ele iria dar uma desculpa, se não tivesse visto a forma como Shiemi parecia preocupada. Não era como se ele realmente tivesse algo importante pra fazer.

- Tudo bem, Shiemi. Quanto antes nos livrarmos disso, melhor. – Colocou a folha e as mãos nos bolsos da calça, pondo-se a acompanhá-la. Saíram da sala e caminharam pelos corredores lado a lado, num silêncio que era estranho para Rin. A garota andava com a cabeça um pouco abaixada, como se ainda estivesse se martirizando por ter simplesmente chegado atrasada. Ou porque havia levado bronca do Yukio. – Não esquenta a cabeça por causa do meu irmão, não é como se tivéssemos feito algo grave. Só perdemos uma aula. – Ela olhou-o de canto, os olhos verdes estavam hesitantes.

- Eu sei, mas... – Ela ficou com as bochechas rosadas, segurando as palavras. – É uma questão complicada, Okumura-kun. – Ele franziu as sobrancelhas, enquanto ela adquiriu um olhar mais sério. – Muito complicada. – Repetiu.

Ele teve que se segurar para não perguntar o que ela sentia por Yukio realmente. Não havia notado por si só, e provavelmente não teria reparado nada por muito tempo, se não fossem as divagações de Shima, que numa tarde no recreio, levantou a hipótese de Shiemi ter um complexo de professor. Naquele dia, Rin gargalhou alto com tamanha suposição, chamando o amigo de exagerado. Contudo, poucas horas após aquela conversa, ele viu seu irmão e a loira conversando num banco isolado dos demais. Estavam sozinhos. Shiemi tinha o rosto em brasa e melancólico, enquanto Yukio exibia uma expressão nervosa – talvez até sem graça, embora dissesse algo de forma séria e firme. As palavras de Shima ecoaram na mente de Rin naquele instante. Se o garoto de cabelos rosados estivesse ao seu lado, com certeza ele diria que Shiemi estava sendo dispensada naquele exato momento.

E ele ficou incrédulo e momentaneamente agitado. Seu coração acelerou-se, e ele seguiu o caminho contrário ao casal. Sentiu-se daquela forma estranha o resto da tarde, até encontrar-se com seu irmão, que estava agindo como se nada tivesse acontecido. Como se não tivesse o mínimo de alteração por ter dispensado uma garota tão incrível quanto Shiemi. Se ele tivesse recebido aquela declaração, com certeza ele não estaria...

... Se ele tivesse recebido aquela declaração. O que ele faria se fosse o alvo dela? Aquela questão ocupou sua mente por uns bons dias, mas ele preferiu, assim como Yukio, fingir que nada havia acontecido. Até a própria Shiemi agia normalmente. Mas agora, vê-la daquela forma quase o fez destruir aquela máscara. Talvez quisesse ouvir dos próprios lábios da loira o que aconteceu, quem sabe até ajudá-la.

Mas não. Shiemi apenas tratou como “Uma questão complicada. Muito complicada”. Não havia espaço para ele em “questões complicadas”. Ele era apenas o descontrolado irmão gêmeo, e absolutamente nada parecido com Yukio.

Sentiu um leve toque em seu ombro, impedindo-o de andar. Havia se distraído em seus pensamentos, de forma que nem tinha se dado conta de que estava passando da porta da biblioteca. Virou-se, dando de cara com o sorriso dócil da amiga.

- Se você estiver realmente com sono, podemos fazer isso amanhã. – Por que ela sempre se esforçava para ser compreensiva? Ela queria fazer aquele trabalho o mais rápido possível para mostrá-lo a Yukio, mas iria abrir mão disso se ele quisesse simplesmente dormir.

- Só estava distraído, vamos fazer hoje. – Ele sorriu como de costume, embora não estivesse em seu estado normal com a garota desde que vira aquela cena no banco, naquela tarde alaranjada. Talvez ele fosse o mais falso dos três.