– Por que é que você sempre deixa tudo espalhado, Joanne? – Era a voz do meu pai. Ele não grita assim, mas é que eu estava brincando na sala com minha casinha de boneca, e percebi que faltava a geladeira. Então eu fui procurar, mas achei outra coisa. – Joanne, eu estou falando com a senhori...

– Desculpe papai.

– Filha, onde você achou isso? – Ele entrou no quarto e sentou meu lado no chão. - Estava no fundo da minha caixa de brinquedos.

Papai estava sorrindo e chorando ao mesmo tempo, mas eu não entendi nada.

– O quê foi?

– Essa é você quando tinha só uma semana de vida, no colo da sua avó!

– Que lugar é esse, papai? Que foto velha. Toda preta e branca. –Aquele lugar era muito feio e esquisito.

– Era só a casa da sua mãe. E não está toda em preto e branco. Sua avó é colorida!

– Minha avó sempre foi colorida, pai. Mas pra mim estava tudo preto e branco. – A próxima página do álbum fez papai sorrir.

– Essa aqui. – Ele apontou para a foto. – É você tomando banho quando tinha oito meses.

– Você estava todo molhado!

– Você sempre foi bagunceira. – Ele me fez coceguinhas e eu ri.

– Olha! – Ele riu. – Você com o meu boné no ônibus de turnê. Você tinha uns três anos.

– Esse aqui eu sei, é o tio Jake! Esse é o tio Steve, e esse o tio Daniel. – Eu apontei para eles.

– Claro que é. Esperta hein, filha? – Ele riu.

– Quem é essa?

– Essa é a irmã da sua mãe. Ela é maluca.

Não achei ela maluca, parecia uma daquelas moças que dançavam na televisão.

– Essa aqui na outra foto é avó Anny.

– E você no balanço. Você estava tão feliz nesse dia... Foi quando eu te dei sua primeira fantasia. Não se lembra?

– Não. – Eu não lembrava.

– Olha! A mamãe! - Era minha mamãe na foto, com o meu pai. Eles estavam felizes.

Papai deslizou os dedos pela foto. Eu não entendi muito bem o porquê, mas ele começou a chorar e me colocou no seu colo.

– Esse dia.

– Não chora, papai! – Eu não sei o quê eu tinha feito de errado, ele continuava chorando. – Por que eu não estou nessa foto?

– Quem disse que não está? – Papai apontou a barriga grande da mamãe. – Você estava aqui.

Eu ri. Era engraçado.

– Esse dia foi antes de você nascer.

– Você e a mamãe estavam muito felizes?

– Muito felizes. – Ele sorriu, mas ainda estava chorando. Eu queria que ele parasse. – Olha como nós estávamos sorrindo!

– Papai, para de chorar.

– Me desculpa filha. – Ele me abraçou bem forte. – É que eu queria que a mamãe estivesse aqui.

– Eu também queria. Ela era bonita, não era, papai?

– Pra mim ela era mais que bonita! E ela te amava muito. – Ele sorriu pra mim, e eu gostava quando papai sorria pra mim, então eu sorri para ele também. – Nesse dia, nós tínhamos comprado tudo para fazer seu quarto aqui. Já tínhamos as suas coisas lá na casa da mamãe, mas depois que você estivesse um pouquinho maior, nós vínhamos morar aqui, só nós. Ia ser bem legal. Sua avó estava toda preocupada, e era engraçado.

– Que lugar é esse que você estava com a mamãe?

– Londres. Esse aqui é o Big Ben. Ela adorava esse lugar.

– Você vai me levar pra Londres, papai? – Se minha mãe gostava de lá eu acho que era legal.

– Eu vou filha. Eu vou te levar lá, e te mostrar as luzes, tá bem? – Ele beijou minha testa. – Mas só depois que você fizer aqueles exames.

– Mas papai, dói! Muito! – Eu senti muito medo.

– Eu juro filha, é só uma vez, e vai passar. É só... Pra termos certeza.

– Papai, eu queria me lembrar dela. – E eu fechei a boca de um jeito esquisito que eu sempre fechava. É que eu não tinha mais nada pra falar.

Papai começou a chorar de novo. Eu não entendi, mas o abracei.

– Você pode não se lembrar dela, mas me lembra muito.

Eu não entendi. Mas acho que era uma coisa boa, porque ele sorriu pra mim. E eu gostava quando ele sorria.