The 68th escrita por Luísa Carvalho


Capítulo 24
Amarrada


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora, mas é que eu tava sem inspiração, rs. Já que bateu uma luz, aqui está o capítulo lindo e rescrito pela segunda vez.



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A estratégia até que é inteligente: capture um tributo sabendo que os outros dois ingênuos - ainda mais do que qualquer competidor desatento, uma vez que vêm da Capital - buscarão recuperá-lo. É uma questão de tempo até ter os três mortos. 3 em 1. Nesse caso, três não é demais.

Só que não haveria nenhuma barganha caso ninguém viesse buscar o tributo raptado.

Considero deixar Madeline e continuar sozinha com Cameron até o final. Pensando bem, isso seria o sensato a fazer. Não faz sentido que na arena eu queira salvar Madeline sendo que sua morte é um dos fatores que podem um de nós dois à vitória.

Mas, se fizesse uma coisa dessas, quem eu estaria enganando? Sou da Capital, e sei que sou mais ingênua que qualquer outro tributo. Sei que não sei ser cruel a ponto de aguentar viver com o fato de que a abandonei assim. Quero dar a Madeline uma chance de provar o valor de seu distrito e lutar pelo que acredita, assim como estou fazendo. Não quero que morra nas mãos de uma traidora como Amelia.

Isso se é que ela ainda está viva. E, mesmo se estiver, isso não vai durar muito se depender de mim.

– Aquela Amelia vai se ver comigo, pode apostar - afirmo, já pegando minhas facas, decidida de que arrancaria a cabeça daquela garota assim que tivesse chance de fazê-lo. Porém, Cameron entra em minha frente e me impede de sair da Cornucópia.

– Espere aí, June - ele diz -, você nem sabe se é mesmo Amelia quem está com Madeline. E mesmo que seja, o que você vai fazer? Caminhar pela arena gritando seu nome e esperando dar de cara com ela amarrada a uma árvore?

Eu o fito com determinação.

– Primeiro: quem mais teria um motivo para ter feito isso, hein? Quem matou Joy diante de meus olhos? Quem teve a brilhante ideia de aguardar até o momento em que pudesse fazer isso como uma traidora, em que pudesse me fazer sofrer? É claro que foi Amelia, não tem outra opção. - Respiro fundo; de certa forma, é duro falar sobre a morte de Joy. Eu nunca havia visto alguém morrer assim, na minha frente. Bom, não alguém com quem eu tenha me importado tanto. - E, se quer saber, eu vou até seu acampamento e a farei tomar do próprio remédio.

Ele revira os olhos em resposta. Percebo que seria difícil convencê-lo.

– E você sabe dizer onde está Amelia ou vai simplesmente sortear um lugar aleatório da arena e procurar por ela?

– Não - confesso, ainda mantendo a postura orgulhosa apesar disso -, eu não sei, mas...

– Não tem "mas" - ele me interrompe. - Eu não vou sair daqui sem rumo pela arena a essa altura dos Jogos, muito menos deixar que você o faça sozinha. June, nós somos duas das poucas últimas pessoas dessa arena. Qualquer um que teve capacidade de sobreviver até aqui pode muito bem nos matar em um piscar de olhos. E você sabe disso muito bem.

Sim; se serve para alguma coisa, eu sei disso. Mas eu não iria ceder. Amelia havia tirado Joy de mim, eu não podia deixar que fizesse o mesmo com Madeline. Porém, por mais que eu não queira aceitar, o que Cameron disse faz muito sentido; não posso simplesmente sair procurando por Amelia, não tenho nem sequer de onde partir.

Olho novamente para a mensagem na neve e um pensamento brota subitamente em minha mente. O grande propósito dela ter deixado o recado é seu plano de que eu vá até ela, e com certeza não esperaria até que eu descobrisse o caminho sozinha, muito menos deixaria na cara onde está. Ela é esperta demais pra isso.

– June... - ele murmura, vendo que estou pensativa, e acaba quase que totalmente completando meu raciocínio. - Bom, não sei se isso significa alguma coisa, mas quem quer que escreveu a mensagem pareceu ter deixado folhas caídas ali perto. Elas não parecem ter vindo de nenhum lugar da arena...

– Como assim? Que tipo de folhas?! - pergunto, desesperada, com uma ideia já se concretizando em minha mente.

Cameron tira do bolso um punhado de folhas largas, claras e úmidas que rapidamente reconheço. Não vêm de conífera nenhuma, disso tenho certeza. Sendo assim, só há uma árvore à qual podem ter pertencido. A única árvore em toda a arena que não é um pinheiro. A única que destoa de todo o ambiente criado.

– É isso! - exclamo, não conseguindo conter a felicidade. - Eu sei de onde esses folhas vêm, e eu sei onde fica a árvore. Sei onde Amelia está, e vou matá-la agora mesmo.

**

Depois de um tempo discutindo, Cameron resolve me acompanhar. Não damos a mínima para o que temos no acampamento, afinal, eu não o deixaria sozinho montando guarda com aquele braço. Sem chances.

Caminhamos durante alguns minutos a caminho do local onde eu havia visto as árvore pela primeira vez, em uma das manhãs em que fui caçar como Carreirista.

– Vamos, Cameron - eu o incentivo ao perceber que está bem atrás de mim. Não sei se ele entende que não temos muito tempo a perder.

– Calma, June - ele me responde, ofegante -, você é mais rápida do que pensa, sabia?

– Pare de reclamar e anda logo, preguiçoso.

Não consigo conter um sorriso devido ao elogio. Eu com certeza não sou rápida por causa de sorte nenhuma que me ocorre vez ou outra; pelo menos há uma coisa pela qual posso completamente levar mérito. Andamos mais alguns metros até que Cameron resolve quebrar o silêncio.

– Por que será que Amelia levou Madeline e não matou-a de primeira?

– Ela é esperta, Cameron. Faz isso porque quer algo de nós.

Ele para de andar.

– Como assim? O que acha que ela quer?

– É difícil dizer - respondo, pela primeira vez considerando inúmeras possibilidades além da óbvia armadilha com o objetivo de nos matar. Ela pode querer o remédio que ainda guardo comigo ou talvez tenha vontade matar Cameron na minha frente, seja lá por que. De certa forma, isso me acaba ocorrendo como algo que Amelia poderia querer. Mas, considerando as circunstâncias, percebo que é melhor omitir essa parte. - Pode ser qualquer coisa se depender do quanto ela é louca. - É o que digo afinal.

Continuamos andando, mas ele não para com o assunto.

– Acha que ela já matou Madeline? - pergunta depois de andarmos mais um pouco.

– Não tenho certeza se não. - Decido ser completamente honesta dessa vez. Cameron não é uma criança a quem se deve mascarar a verdade para omitir os horrores do mundo. - Mas, se ela quer algo de mim, vai ter que me dar algo em troca. E quando digo "algo" quero dizer Madeline. E eu quero ela viva.

Depois de mais alguns minutos de caminhada em silêncio, chegamos ao local onde eu tinha certeza que estaria o acampamento de Amelia. Sem pensar em uma opção melhor, paro e grito para que ela me ouça alta e claramente:

– Eu vim porque quero Madeline de volta. E quero agora.

Entretanto, não é exatamente Amelia quem parece ter ouvido o que eu disse.

– Amelia? Tem certeza? - questiona uma figura que se aproxima de mim lentamente. - Tente de novo, June.

Por fim enxergo quem realmente saiu do meio das árvores, e de fato não é Amelia. Aquele cabelo ruivo, aqueles olhos verdes... Fico paralisada. Como podia ser ele? Justo ele? Não faz sentido, não há um motivo sequer...

– T-Trevor? - consigo dizer com dificuldade, gaguejando como se minha expressão surpresa já não tivesse sido o bastante.

– J-June? - Ele imita minha voz, zombando de mim. - Bom, acho que finalmente consegui surpreender a garota da Capital, não é?

Por puro instinto, retiro uma faca do cinto. Mas, quando me preparo para avançar, sou interrompida por algo muito maior.

– É - diz Trevor enquanto abre um maldoso sorriso no rosto e segura com força uma lança apontada na minha direção. - Você não é a única que tem armas aqui, June.

Resolvo abaixar a faca, esperando que ele faça o mesmo com a lança. E, para minha sorte, ele o faz.

– Eu quero saber onde está Madeline - exijo, tentando ao máximo manter a postura intimidadora.

– E eu quero ser rico. Quero ser o Vitorioso. Eu sou? Bom, ainda não. Mas tudo tem seu tempo.

Eu reviro os olhos.

– O que você quer, Trevor?

– Você - ele diz de forma breve. Depois, continua com um tom calmo que me surpreende. - Seja minha aliada, June, seja mais que isso também.

A essa altura do campeonato eu imaginava que Trevor tinha os mesmos interesses que Garret demonstrou em relação a mim - ou seja, que tudo não passava de encenação - apesar de toda a verdade que senti em seu beijo. Pelo jeito, porém, é diferente. Foi verdadeiro.

Mas eu não cederia. Não a ele.

– Desculpe - digo, decidida -, mas idiotas não fazem o meu tipo.

Ouço Cameron dar uma risada abafada atrás de mim, mas continuo com o mesmo olhar ameaçador para Trevor.

– Então acho melhor você dizer adeus à sua amiguinha peixe, porque ela está em minhas mãos agora.

Ele aponta para uma árvore onde, em um galho, está Madeline amarrada pelas mãos e com um pedaço de sua camiseta na boca para que não grite.

Sinto meu coração disparar. Madeline chora, esperneia, tenta gritar, mas som algum consegue sair de sua boca. Ela não tem perto nenhuma de suas armas, todas estão atiradas no chão bem abaixo dela. E o que é um Carreirista sem suas armas?

É tudo culpa minha. De novo.

– OK - resolvo render-me, enfim. - Posso ser tudo isso aí que você quer se prometer que vai soltar Madeline.

– June! - ouço Cameron gritar, indignado.

Mas eu apenas me viro para ele e digo de um modo que só ele possa ouvir:

– Confie em mim.

Ele faz que sim com a cabeça, embora seu olhar não faça parecer que realmente acredita no que eu disse. Trevor então avança até mim para um beijo, mas eu o faço parar antes que ele possa tocar em mim.

– Não, não, nada disso. - Estou com ambas as mãos estendidas para frente, barrando-o. - Pode ir libertertando Madeline primeiro.

Ele abre a boca para contrariar, mas logo percebe que seria melhor fazer o que eu disse. Bom, pelo menos é isso o que parece.

Trevor realmente escala a árvore e, quando chega no galho de Madeline, a desamarra conforme havíamos acordado. Mas, para compensar seu cavalheirismo, ele a deixa cair. Por sorte, antes que eu possa gritar seu nome, Cameron se joga e consegue pegá-la nos braços. Fico surpresa; não sabia que era tão forte assim.

– Pronto - diz Trevor enquanto desce da árvore. - Já fiz minha parte do trato, agora venha fazer a sua.

Ele expressa um sorriso malicioso no rosto e abre os braços, fazendo sinal para que eu vá com ele.

Sem hesitar, corro até seus braços como se fosse dar-lhe um enorme abraço. Mas, ao invés disso, pego uma de minhas facas e cravo-a em sua barriga, fazendo-o cair no cháo e se contorcer um tanto moribundo.

– Isso foi por ter levado Madeline.

E, se uma facada não tivesse sido o bastante, Trevor é atingido por uma flecha de Madeline e faz com que um alto e merecido tiro de canhão ecoe pela arena.

– E isso - ela completa - foi por ter me amarrado contra uma árvore.

Eu, Cameron e Madeline sorrimos um para o outro, nunca tendo estado tão felizes por termos matado alguém.

Chegando à Cornucópia, Cameron tira o curativo que havia amarrado em torno do braço para amenizar seu ferimento. Confesso que dou um grito de nojo só de ver.

– Cameron, isso está horrível! - exclamo, horrorizada.

– Obrigada pelo comentário construtivo, June - ele diz, sarcástico. - Sério, isso realmente faz com que eu me sinta melhor.

– Desculpe - murmuro, arrependida -, você sabe que não foi minha intenção e...

– Tudo bem - ele me interrompe. - Eu sei que está piorando demais.

Eu e Madeline fazemos que sim com a cabeça, sem conseguirmos encontrar sequer um comentário útil para aquele momento.

Por sorte, Madeline resolve quebrar a tensão:

– Bom, acho que depois de hoje eu mereço dormir, não é?

Nós três rimos.

– Relaxe, Mad - eu a asseguro. - Pode deixar que montamos guarda essa noite. Se alguém tiver que acabar amarrado contra uma árvore mais uma vez hoje, pode ficar tranquila porque não vai ser você.

Então, com um riso diminuindo aos poucos, Madeline dorme, deixando eu e Cameron a sós na boca da Cornucópia.

– June - ele diz -, o que acha que Amelia vai fazer a essa altura dos Jogos?

Eu fico em silêncio por alguns segundos, pensando nas coisas de que ela seria capaz.

– Não tendo certeza de nada - respondo, finalmente. - Só de que não vai ser nada de bom, isso é fato.


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Notas finais do capítulo

(Rescrito em 08/12/2014)



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