Naquela noite eu custei a conseguir dormir. E quando finalmente fechei os olhos, sonhei com uma lembrança do passado. Via a mim mesma aos cinco anos de idade. Eu estava em um balanço, vestindo um vestido azul e um sapato branco estilo boneca. Meus cabelos soltos voavam enquanto eu me balançava lentamente. Lembrei-me que naquela época eu já era constantemente procurada por monstros que queriam acabar com a minha existência. Vivia me perguntando por que eu não era uma criança normal como as outras. Ao mesmo tempo em que me reconhecia, eu não conseguia me lembrar daquele momento.

Vi uma sombra que devia pertencer a alguém bem alto se aproximando da garotinha. Ela levantou o rosto para olhar quem havia chegado. O homem era Frederick Chase, também conhecido como meu pai. Ele se aproximou cautelosamente da garotinha. Seu olhar era carregado de receio e pena ao mirar a pequena menina. Ele se abaixou a frente dela e a olhou nos olhos.

– Annabeth, o sol já está quase se pondo, é melhor você entrar.

– Não adianta papai, eles vão me encontrar onde quer que eu esteja. Eles dizem que podem sentir meu cheiro de longe – minha voz era carregada de medo.

– Mas se ficar aqui será muito mais difícil se proteger – ele tentou passar confiança, mas não foi muito feliz. Ele sabia que nem mesmo ele poderia me protege de certos perigos a que eu estava sujeita por ser uma semideusa.

– Porque eles só querem fazer mal a mim? Porque não atacam vocês ou as outras crianças?

– Por que você é especial Annie. Ainda não posso te dizer por que, mas um dia você vai saber.

Ele ainda mantinha aquele olhar triste ao dizer essas palavras. Então sua imagem se esfumaçou e o sonho mudou. Agora eu me via um pouco mais velha, com cerca de oito anos de idade. Luke estava ao meu lado. Dessa lembrança eu me recordava muito bem. Estávamos em uma praça, era de noite, e esperávamos Thalia que tinha ido pegar alguns suprimentos.

– Será que algum dia iremos encontrar um lugar seguro para nós? – era minha voz que fazia aquela pergunta.

– Temos que ter fé que sim – Luke me respondia confiante – não podemos ser os únicos com esse ‘problema’ na fase da terra.

– É, você tem razão. Mas sem você e Thalia eu acho que não teria sobrevivido nem mais um dia fora de casa.

– Não diga isso Annabeth. Você é uma ótima guerreira para alguém da sua idade. Ainda tem muito que aprender, mas já tem o principal que é coragem e força de vontade – ele disse naquele tom amigável que costumava usar sempre pra falar comigo naquela época.

Vendo aquela cena eu senti uma imensa saudade de Luke. O Luke que eu havia conhecido naquela época. O Luke que havia lutado para me defender tantas vezes e que me ajudara a chegar até o acampamento meio-sangue. Naquele momento eu era uma pobre e indefesa criança que simplesmente não sabia que rumo sua vida tomaria. E ele estava ali para não deixar morrer a chama da esperança dentro de mim. Sorri e vi o sonho mudar novamente.

Agora eu estava no acampamento meio-sangue nos dias de hoje. Sabia disso, pois podia ver os novos chalés ainda em construção, assim como os tinha visto no dia anterior. Era dia e eu estava na arena de combate. Um garoto moreno e alto estava afiando sua espada. Quando ele se virou em minha direção vi que se tratava de Connor Stoll. Ele parecia não me perceber ali apesar de eu vê-lo nitidamente de uma distancia não muito grande. Ele balançou a espada algumas vezes após afia-la, como se estivesse medindo seu peso.

Vi que outra pessoa adentrava a arena. Teria reconhecido aquela silhueta ainda que estivesse a quilômetros de distância. Era Percy, ele se aproximava de Connor com uma expressão de poucos amigos. O outro garoto logo percebeu a aproximação dele. Ficou parado com a postura relaxada enquanto a espada descansava em sua mão ao lado de seu corpo.

– E ai Percy, caiu da cama? Achei que não costumava vir treinar tão cedo...

– Não vir aqui treinar. Fui até o chalé de Hermes e me disseram que você estava aqui.

– Certo... E a que devo a honra?

– Vou direto ao ponto ok? O que estava conversando com a Annabeth ontem quando cheguei ao refeitório na hora do jantar?

– E pra quê quer saber?

– Por que ela é minha namorada, talvez seja um bom motivo?

– Então deveria perguntar isso pra ela e não pra mim!

– Tome cuidado com o que fala Stoll. Não vim aqui atrás de briga, só quero deixar as coisas claras para depois você não dizer que não foi avisado...

– O que está querendo dizer Jackson?

– A Annabeth pode ter engolido essa história de “ajuda com o treino”, mas a mim você não engana. E só quero te avisar que se tentar tocar um dedo nela eu acabo com você, entendeu?

– Olha Percy, me desculpe desapontá-lo, mas não tenho nenhum interesse desse tipo na Annabeth. Ela é muito bonita e tal, mas não faz meu tipo. E mesmo se fizesse, eu sou filho do deus dos ladrões e não dos traiçoeiros. Sei que alguns de meus irmãos podem ter vestido essa carapuça no ano anterior ao lutar do lado de Cronos, mas eu não sou desses. Então não tem com o que se preocupar.

– Sei que tem se mostrado digno de confiança Stoll, mas não gostei da forma como olhou pra ela e nem dessa aproximação repentina. De qualquer forma, já está avisado...

Percy terminou de falar e deu as costas ao companheiro de acampamento, deixando a arena. Antes que o sonho se diluísse eu pude ouvir uma risada sonora de Connor que voltava a fazer movimentos com a espada e mantinha um sorriso travesso nos lábios.

Acordei com o barulho de um despertador que tocava. Desliguei-o e depois me sentei na cama. Esfreguei os olhos tentando me acostumar com a claridade. Já era de manha e alguns de meus irmãos já estavam se preparando para deixar o chalé. Olhei as horas. Meus deuses, eu estava atrasada. Corri para o banheiro e entrei debaixo do chuveiro. Me arrumei o mais rápido que pude e depois arrumei minhas cama e o resto das minhas coisas. Deixei o chalé minutos depois. Decidi passar na arena de combate para dar uma espiada antes de tomar café.

Da mesma forma que em meu sonho, Connor estava lá. Torci para que aquele sonho não tivesse sido de um acontecimento no futuro. Entrei e fui até o campista que treinava alguns golpes sozinho.

– Já vi que acordou com disposição de sobra para treinar hoje – disse chegando mais perto e fazendo-o notar minha presença ali.

– Oi Annie, bom dia – desde quando ele me chamava assim? – Faz muito tempo que está ai? Nem te vi chegar – seu tom era descontraído, mas eu pude perceber uma pontinha de insegurança dele ao perguntar aquilo.

– Acabei de chegar. Estava indo tomar café, mas decidi passar aqui antes para ver se o local estaria livre.

– Sim, eu já avisei a Quíron que iríamos usar a arena hoje de manha. Então não virá ninguém aqui até a hora do almoço.

– Certo. Eu vou comer alguma coisa então e logo depois eu volto para começarmos, tudo bem?

– Perfeito, enquanto isso eu vou aquecendo! – ele estava animado demais pra quem ia aprender apenas alguns truques de defesa.

– Já volto então – disse virando as costas para sair, mas acabei me virando para ele de novo quando me atrevi a perguntar mais uma coisa – Connor, por acaso você falou com Percy hoje?

– Não Annie, nem o vi hoje ainda. Acordei e vim direto para cá.

Fiquei analisando sua resposta um instante. Será que ele estava mentindo? Ou será que o meu sonho é que tinha me pregado uma peça. Difícil, normalmente meus sonhos eram sempre sobre coisas reais, que aconteceram comigo ou que estavam acontecendo com pessoas que eu conhecia. Decidi deixar aquilo como estava e então dei as costas a Connor de novo deixando a arena.

Ao chegar ao refeitório eu vi Percy em sua mesa já comendo seu café da manha. Mais uma evidência de que meu sonho havia acontecido mesmo, Percy nunca se levantava tão cedo. Desviei o olhar dele, não queria encará-lo agora. Preferi tomar meu café sozinha e tentar por as ideias no lugar. Não havia entendido a ligação de todas aquelas coisa que tinham aparecido em meu sonho. Primeiro meu pai, depois Luke e depois Percy ‘ameaçando’ Connor. Só sei que aquilo tinha feito com que eu ficasse ainda mais confusa.

Antes que eu terminasse meu café, Percy terminou o dele e veio até a minha mesa. Ele se sentou ao meu lado e ficou em silêncio. Acho que ele estava esperando que eu terminasse de comer para poder conversar com ele melhor, porque assim que terminei ele disse:

– Quer falar comigo agora?

– Depende, você vai dizer que sou uma garota ‘inocente e indefesa’ que não sabe dar um ‘passa fora’ quando alguém tenta se aproximar, de novo? – falei aquilo meio sem pensar, me dando conta de que eu ainda estava bem chateada com o que tinha acontecido na noite passada.

– Nunca disse que você era uma garota indefesa – me limitei a lançar um olhar de reprovação para ele - Annie, me desculpa ok? Eu não devia ter falado aquilo. Eu acho que fiquei doido por te ver com o Stoll. Não posso nem imaginar o que eu faria se ele chegar perto de você.

– Já disse que sei me cuidar Percy. Você pode ter o ciúme que quiser, eu entendo. Agora não coloque a culpa em mim.

– Eu sei, estou arrependido. E pra provar isso eu não vou mais ficar me metendo na sua vida. Se quiser ir ajudar Connor com o treino, pode ir.

– Hmmmm... – então era esse o plano dele. Manter o controle da situação de longe, enquanto fingia que estava tudo bem entre a gente? Não pude acreditar em tamanho cinismo.

– O que foi? Não era isso que você queria?

– Era. Que bom que confia em mim e na minha capacidade de me defender sozinha, amor – falei num tom quase agressivo. Tentando me controlar para não jogar na cara dele que eu sabia do que ele tinha feito - Bom agora tenho que ir. Connor está me esperando na arena de treinamento – me levantei do banco depois de dar um selinho em Percy – E pode deixar que qualquer problema que eu tenha com ele eu te aviso.

Pisquei para Percy e sai. Resolvi fazer o joguinho dele. Seria a namorada perfeita e obediente que ele queria. Vamos ver até onde ele vai levar essa mentira.