Nico di Angelo tinha aquela mania estranha de chegar sorrateiramente, como se tivesse saído de dentro da terra. Isso fazia parte de sua forma sombria e misteriosa de ser. Para um filho de Hades, o Deus do Mundo Inferior, não era de se admirar que ele sempre nos desse altos sustos toda vez que aparecia lá no acampamento.

Percy e eu nos levantamos rapidamente de onde estávamos. Nossas feições não escondiam o quanto tínhamos ficado constrangidos por sermos pegos naquela situação. Ajeitei a roupa e cabelo enquanto reparava que Nico fazia um esforço tremendo pra não começar a rir.

- Se ao menos avisasse quando pretende vir nos visitar, quem sabe a gente pudesse preparar uma recepção descente pra você! – falei acusando-o, mas ao mesmo tempo em tom de brincadeira. Eu sabia que Nico não se sentia a vontade no acampamento por não ter seu próprio chalé e que não era da natureza dele estar em um só lugar por muito tempo.

- Pois é, tenho que parar com essa mania de chegar de surpresa. Quem sabe com o que posso me deparar da próxima vez... – disse ele rindo, fazendo piada de nós dois.

- Você não viu nada “senhor dos fantasmas”, esse acampamento está se tornando um verdadeiro santuário de semideuses apaixonados – disse Percy enquanto colocava o braço em volta do meu ombro. Consegui ficar ainda mais vermelha de vergonha.

- Santuário de que?... – perguntou Nico franzindo a testa.

- De semideuses apaixonados. Já vi pelos menos uns cinco novos casais desde que chegamos aqui. Sem contar os que já existiam no verão passado.

- Hmmmm, interessante – Nico parecia ainda não se interessar muito nesses assuntos de namoro e etc. Talvez porque ele era mais novo que nós, ou então também poderia ser o sangue amargo de Hades que corria em suas veias – Ia perguntar se está tudo bem com vocês, mas acho que nem precisa né?

- Estamos muito bem sim. Acredita que Percy me levou para conhecer Poseidon em seu Palácio no fundo do mar?

- Acredito! – ele riu ao ver minha cara de espanto – É que Percy já havia me contado sobre essa ideia de te apresentar o seu sogrão. Eu dei o maior apoio, ainda bem que você aceitou.

- Ah então quer dizer que todos já estavam sabendo desse plano, menos eu? – fiquei encarando os dois esperando uma explicação.

- Não todos. Só contei pro Nico porque ele estava comigo quando tive a ideia – ele conseguiu se safar bem dessa então eu deixei passar – Mas não pense que foi assim tão fácil convencê-la não, Nico.

- Não mesmo, precisou até eu esquecer a data do nosso aniversário de namoro – ri ao me lembrar daquela história – mas no fim até que não foi tão mal assim.

- Fico feliz que estejam passando bons momentos. Vocês dois merecem, depois de tudo que enfrentaram um ano atrás – ele deu seu sorriso tímido, mas ainda assim matinha aquele ar sombrio.

- Você também merece Nico, mas alguma coisa me diz que não está tendo momentos tão bons. Aconteceu alguma coisa? – perguntei preocupada. Não sabia dizer se havia realmente algo estranho com ele, ou se eu é que estava desacostumada com a sua personalidade.

- Não. Quer dizer, por enquanto não. Andaram acontecendo algumas coisas lá no mundo inferior, mas não acho que seja nada demais – ele colocava a mão sob o queixo com uma expressão pensativa como se tentasse convencer a si mesmo daquilo que acabara de dizer – A propósito, vocês sabem onde Quíron está, preciso falar com ele?

- Eu o vi indo para a arena de treinamento depois do café da manhã, mas não sei se ainda está lá... – respondeu Percy – O que precisava falar com ele? – assim como eu, ele também estava querendo saber o que diabos estava acontecendo no Mundo Inferior.

- Não é nada de mais, sério! Depois eu explico melhor pra vocês – respondeu ele na defensiva – Agora tenho que ir, eu procuro vocês antes de partir de novo... – e já foi se afastando, não nos dando chance para perguntar mais nada.

Ficamos parados um momento vendo-o se afastar. Nico era mesmo uma figura interessante. Quando havia algum problema, ou quando ele tinha algum plano, sempre fazia tudo da forma mais misteriosa possível. Às vezes era muito difícil desvendar o que ele pretendia, e essa era uma característica que eu admirava nele. Mas o que será que tinha acontecido no Mundo dos mortos que o tinha feito vir até aqui falar com Quíron? Pelo jeito não iriamos descobrir isso tão cedo. Meus pensamentos foram interrompidos por um Percy Jackson que começava a fazer cócegas em minha barriga.

- Ei! Qual o seu problema, cabeça de alga?

- Nada – ele respondeu rindo do susto que eu tinha tomado – você estava ai toda pensativa, viajando no mundo da lua. Queria te trazer de volta a realidade.

- Não estava viajando em mundo nenhum. Só estava pensando no que Nico disse e em como ele é interessante...

- Como assim interessante? – ao falar aquilo Percy perdeu totalmente o tom de brincadeira – Não se esqueça de que ele é alguns anos mais novo que nós e...

- Eu sei disso – já fui logo interrompendo-o quando percebi onde ele queria chegar -  Mas isso não tem nada a ver. O acho interessante porque ele tem um jeito de ser único. Ao mesmo tempo em que é todo “dark” ele é bom e sempre quer ajudar os outros. Chega a ser intrigante.

- Intrigante? Aposto que posso ser tão “dark” quanto ele se eu quiser – falou Percy como um menino mimado. Eu só consegui rir dele. Levantei as mãos e levei até as suas bochechas, apertando-as.

- Fica muito fofo quando está com ciúmes! Mas só quero te lembrar de que ele é meu amigo e que eu nunca o beijei na vida. Ao contrário de uns aí...

- Essa história de novo? Já disse que isso não significou nada pra mim!

- Eu sei. Mas se você pode ficar com ciúmes porque eu disse que acho um amigo meu “interessante”, então eu também posso ficar por você ter tido um romance com a sua amiguinha antes de namorarmos...

- Não foi um romance, foi apenas um beijo.

- Que seja. Só estou dizendo que estamos “quites” agora, entende?

Ele não queria dar o braço a torcer, mas acho que acabou se dando conta de que a história da Rachel era bem pior do que o meu inocente comentário, então acabou cedendo.

- Ok, estamos “quites”. Mas não quero saber de você suspirando pelo Nico!

- Não estava suspirando. Como você é exagerado, Percy.

Já estávamos rindo outra vez e ele me abraçou pela cintura. Abaixou um pouco depois fez força para me levantar alguns centímetros do chão. Antes que eu pudesse protestar ele me beijou. Quase nem senti quando meus pés voltaram ao chão enquanto o beijo continuava. Resolvi parar antes que mais alguém pegasse a gente no flagra. Depois disso olhei em seus olhos verdes que estavam pensativos.

- Annie... – disse Percy depois que terminamos o beijo e ficamos abraçados um tempo.

- Sim...

- Acho que agora você não vai mais passar todo o tempo focada no treinamento, né?

- Não amor, vou te dar mais atenção.

- Que bom! Então o que acha de irmos passar o dia na praia?

- Hoje?

- É, hoje.

- Tá bom. Mas...

- Sempre tem um “mas” né – ele riu.

- Só ia perguntar se esse “dia na praia” ia ser um dia normal na praia de dois namorados mortais, ou se seria um dia na praia “a lá filho do deus do mar”?

- Hmmmm – ele pensou um pouco – um dia normal de namorados mortais, mas com um toque de ‘filho do deus do mar’, pode ser?

- Desde que eu não tenha que engolir nenhum Peixe-filtro de novo pra respirar debaixo d’agua, acho que tudo bem.

- Vai ser legal, prometo!

- Tá bom então filho do deus do mar. Vou ter que passar no meu chalé antes pra trocar de roupa e pegar umas coisas...

- Será que posso te acompanhar? Posso te ajudar com isso – disse ele num tom malicioso e brincalhão. Eu fiquei vermelha e muito envergonhada, mas não deixei de cortar as asinhas do meu herói.

- Menos Percy. Posso me virar sozinha.

- Eu sei amor, estava brincando - por momento pensei que talvez não tivesse sido assim tão ‘brincando’ que ele disse aquilo, mas não me importei – Te encontro perto do píer em dez minutos, pode ser?

- Claro – respondi enquanto tentava calcular mentalmente quanto tempo eu precisaria para estar pronta.

- Ótimo, até daqui a pouco então – ele me deu um beijo rápido e se adiantou rumo aos chalés.

Eu fui logo atrás dele me encaminhando para o meu chalé. Por sorte não havia nenhum de meus irmãos por ali. Não seria legal alguém me perguntando o que eu ia fazer com roupa de banho uma hora daquelas. Por falar em roupa de banho, acho que nunca tinha usado isso no acampamento. Nas vezes que Percy e eu havíamos entrado no lago ou no mar havia sido de roupa e tudo. Eu nunca tinha ficado de biquíni na frente dele e só de pensar naquilo já sentia eu rosto esquentando, deixando minhas bochechas vermelhas. Mas se eu não conseguia me sentir a vontade com meu namorado, então com quem mais eu faria isso?

Resolvi parar de ser tão infantil e fui até meu armário pegar o tal do biquíni. Peguei também um short jeans e uma blusa de alça fina. Entrei no banheiro e troquei de roupa. Sai de lá e peguei uma bolsa onde coloquei uns óculos de sol, protetor solar, uma toalha e mais algumas coisas que achei que fosse precisar. Calcei uma sandália e depois fiquei parada ali no meio do dormitório. Respirei fundo algumas vezes. Já estava virando um ritual aquilo. Depois de alguns segundos sai do chalé rumo à praia.