Marvel parecia ainda mais encurvado. O conheço a pouco tempo, mas não acho que algo o deixe assim com frequência.

–Marvel, vai ficar tudo bem. – fui até ele. Ele nem levantou a cabeça, continuou olhando pro chão.

–Vai, eu mato aquela garota, e um de vocês vencem, melhor pra todo mundo.

Eu não soube o que dizer depois dessa. Olhei pra Cato pedindo socorro e ele felizmente me ajudou.

–Vamos voltar pra cornucópia, temos muito o que fazer. – falou - Sinto muito por ela, Marvel. – não esperava essa dele, mas sorri.

A cornucópia estava bem mais “limpa” do que quando eu tinha visto, mas quando entraos, vi que Cato tinha cavado um buraco no chão. É, um buraco gigante no chão pra colocar os suprimentos que deixamos lá.

–Não esperava isso de você, Cato.

–Outra pessoa esperava. – uma voz de garoto surgiu atrás da porta.

–VOCÊ NÃO TEM MEDO DE MORRER NÃO, SUA PRAGA? CADÊ A SENSATEZ DE VOCÊS? NÓS SOMOS CARREIRISTAS, IDIOTA, POSSO TE MATAR EM UM SEGUNDO.

Ele recuou mais de três metros, mas ainda me olhava fixamente. Peguei uma faca.

–CALMA CLOVE! – Marvel gritou – O que você quis dizer com “outra pessoa esperava”?

–Vou poder explicar tudo? – ele me perguntou – É meio complicado, e eu só quero ajudar vocês.

–Entra aqui. – mandei.

–Não, não, eu só...

–Entra aqui agora e fala tudo que você sabe.

–Tudo bem, tudo bem. – ok, ou ele era gago, ou era costume repetir as coisas.

Ele chegou entrou na cornucópia, mas se certificou de ficar bem longe de mim – o que era idiota, já que eu atiro facas.

–Roubaram sua comida.

–Não roubaram, está tudo aqui.

–A garota roubou exatamente a quantidade que os fizesse pensar isso. Ela roubou para ter pra um dia ou dois, eu acho, foi “esperta” – ele fez gesto de aspas com as mãos – de fazer isso, só que eu vi.

–Como você viu? Queria pegar também? – pressionei.

–Na verdade eu estava numa árvore aqui perto. Ela pegou quando vocês foram pro lago atrás da garota do doze, já faz um tempo.

–E foi quem que pegou?

–A garota ruiva. A do cinco.

–O nome dela é Finch. – disse Marvel.

Finch? Mas que droga de nome é esse?

–A ruiva, me lembro dela. Ela tem uma cara de raposa que meu Deus...

–Pois então... Sei um jeito que ninguém mais vai roubar um único pedaço de maçã da sua comida, e eu ainda darei mais um monte que consegui, mas vocês terão que me ceder uma arma.

–Fala o seu plano, se nós quisermos, o acordo ta assinado, se não... Digamos que você vai ser levado do mesmo jeito que trazido, porém de outro jeito.

Ele pareceu recuar um metro, mas falou.

–Então. Com tudo o que tem no buraco, e as armar e todas as outras coisas que temos, quero dizer, que vocês tem, dá pra fazer uma pilha gigantesca bem ali. – ele apontou para a grama, bem na frente da cornucópia – E também podemos fazer cabanas dos dois lados da pilha.

–E alguém vai ter sempre que ficar de olho na pilha? – falei.

–Não, calma. Eu consigo remontar as bombas que tem nas bases ali em volta, e ninguém vai precisar olhar nada, quem chegar perto, morre automaticamente.

Olhei para Cato e ele me deu um sorrisinho de canto, Marvel já mostrava todos os dentes. Só eu estava meio com o pé atrás com esse garoto.

–Você tem certeza do que está fazendo? Ou melhor, que quer fazer?

–Absoluta. Eu não seria idiota de decepcionar um carreirista, seria?

–Espero que não... – falei, dando um sorrisinho irônico. Era definitivo: Um novo aliado não carreirista no grupo dos carreiristas. Pode parecer estranho, mas...

E não é que o garoto realmente remontou as bombas? Enquanto saímos para caçar, deixamos Marvel olhando – a ajudando – o garoto. Fomos para o meio da floresta e depois de poucos minutos conseguimos pegar três esquilos e um coelho médio.

–Muito bom Clove.

–Obrigada, você também foi bem. – falei pra Cato. Eu peguei um esquilo e um coelho com as facas. Ele conseguiu manejar bem a espada quando dois esquilos se aproximaram.

–Sabe, é... – ele pareceu corar. Cato corando? Não consegui segurar, comecei a dar risada.

–Para de rir de mim, baixinha. – ele descontraiu e começou a rir também.

–Fala aí, o que você ia dizer?

–Não, é só que você foi muito bem, lá hoje, colocando medo no garoto. – ele falou olhando para os lados.

–Não era isso, palhaço.

–Você me ama né? Só pode, tampinha.

–Tampinha não, olha que eu te mato, gorila.

–Gorila não. – ele riu.

–Afinal, o que você ia falar mesmo? Ta mudando muito de assunto hein?

–Nem to.

–Ta sim.

–Não to não.

–Sim, você ta.

–Não to. – tava tentando me enrolar de novo.

–Então fala.

–Falar o que? Falar que eu te amo e que esses dias te vendo sempre perto de mim, eu à beira da morte e não poder nem te dar as mãos? Falar que tu é minha, minha princesinha, minha baixinha, minha sardenta, minha pequena, minha tampinha... Falar que eu te amo desde criança e você nunca percebeu? Falar que quase te perder duas vezes me deixou pior do que quando você foi escolhida? Sabe por que eu não deveria dizer? Porque você já deveria saber. – ele falou rápido, olhando nos meus olhos.

–Ca-cato, eu...

–Não, não. Eu não quero que você faça declaração de amor pra mim. – ele deu um risinho – Sei que é péssima, eu também sou, pequena. É que com você, aqui, perto de você... Eu simplesmente tenho que fazer isso. Tenho que aproveitar o pouco tempo que tenho.

–Quando você sair daqui você vai arrumar uma boa pessoa, acredite. Não manche seu currículo se apaixonando por mim.

–Eu não vou sair daqui, você vai. Se apaixonar por você foi a melhor coisa que aconteceu comigo.

–Para Cato.

–Não posso, desculpa. Você é minha, eu já cansei de deixar o tempo passar pra que os outros e principalmente você, também percebam. – e foi assim, que ele me deu o maior beijo de todos. Na frente de toda Panem.