A Culpa escrita por Mara S


Capítulo 4
Capítulo III




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Um ano e meio se passou. Nesse tempo conversei com meu pai por telefone três vezes somente. Ele representava o passado que queria esquecer, mas que não conseguia. O trabalho e minha vida social não conseguiam me fazer esquecer certas mudanças que ocorriam comigo. Meu cabelo voltava à tonalidade original de forma mais rápida, eu sentia dores de cabeças em locais movimentados e quando tinha acessos de fúria me tornava extremamente violenta. Jeff já havia notado essa diferença de humor e não estava gostando de ter uma assassina em potencial em sua casa. Ele não sabia quem eu era, mas EU sabia que poderia causar um dano a ele.

O dia que minha vida mudou começou normalmente. Acordei depois das duas da tarde e decidi caminhar um pouco pela cidade, conhecer melhor locais que ainda não havia explorado, e refletir sobre o rumo de minha vida. Ser desconhecida era meu objetivo, apesar de ser difícil controlar os impulsos demoníacos. O trabalho não era de todo ruim, mas sentia que não me preenchia.

 

A cidade era bonita, com uma arquitetura gótica e locais antigos e misteriosos, me identificava com esse local como se já tivesse vivido aqui antes. Meus pés me levaram até uma região afastada do movimento, parecia uma região residencial. Havia algumas mansões tão lindas que era impossível não parar para observá-las.  A que mais me chamou a atenção era uma afastada das demais e de aparência abandonada. O portão estava aberto como se a casa me convidasse para entrar, mesmo sentindo novamente aquela dor de cabeça insistente decidi ver o que me chamava tanta atenção. O hall de entrada era gigantesco e luxuoso, não sentia medo, mas tinha um mau pressentimento.

Uma menininha de uns dez anos apareceu em minha frente, usava um vestido azul e seus cabelos eram tão dourados que chegavam a brilhar. Ela não havia me assustado e percebeu que seu plano não tinha dado certo. Sorriu disfarçando e disse:

            -Você veio me buscar? - Apontou para porta atrás de mim. Então ela não morava aqui?

            - Oh! Perdão, acho que você está me confundindo com outra pessoa – decidi me aproximar. – O que uma menina está fazendo nessa mansão sozinha? Você sabe que é perigoso.

A dor de cabeça estava aumentando e tive que me apoiar na parede.

A menininha correu em minha direção e me abraçou com força. Nesse momento não pude deixar de sentir algo diferente, algo que nunca havia sentido antes, estava passando mal, mas a garota parecia não perceber ou se importar.

Quando a dor já era insuportável a joguei longe de mim. Fui mancando até a porta. Suava descontroladamente e assim que abri a porta para a saída vomitei. Levantei meu corpo que parecia estar pesando toneladas e olhei novamente para o hall. A menina estava lá, em pé e do seu lado havia um homem, o escuro me impedia de vê-lo com nitidez, era alto e com cabelos brancos, mas jovem. Assustada, corri para longe da mansão.

 

            Não fui para casa, estava com medo de me descontrolar perto de Jeff e cometer alguma estupidez. Preferi sentar em um banco de praça e esperar a dor passar. Quem era aqueles estranhos que me fizeram sentir algo que nunca havia sentido antes? Ele tinha cabelos brancos assim como eu, seria um meio-demônio também? Se fosse, seria o primeiro que havia visto desde que descobrira minha origem. Entretanto minha maior preocupação era que pudesse começar a ter meus sentidos de demônios aumentados e que não pudesse controlá-los. Não queria ser uma ameaça a ninguém.

 

            Depois de me sentir segura o suficiente voltei para casa. Jeff estava se exercitando na sala e quando entrei levantou-se do chão e disse preocupado:

            - Você está pálida. Mudou a cor do cabelo de novo? Ainda prefiro o louro escuro.

            - O que você está falando?

            - Seu cabelo está louro platinado.

            Corri para o espelho diante aquela resposta. E lá estava meu cabelo quase branco, o branco misturou-se com o louro da tinta e deixava com um efeito de doença.

            - Que droga.

            - Não está tão feio assim. Mas se fosse você pintava de novo.

            - Jeff, me empresta uma grana?

            - Tá, só porque ontem você foi legal comigo. – ele piscou e pegou um punhado de dinheiro do bolso da calça. – Quero o troco.

            - Oh! Te amo – sai correndo até a farmácia mais próxima. Meu cabelo estava voltando cada vez mais rápido a tonalidade branca e isso estava me deixando cada vez mais irritada. Será que surtos de nervosismo faziam isso?

 

            Depois de algumas horas meu cabelo estava vermelho vivo.

- Assim você vai chamar mais atenção que eu!

- Você não iria querer isso! – ri enquanto sentava ao seu lado.

- Fiquei preocupado quando você entrou por aquela porta. Seu passeio não foi bom?

- Eu estou bem, não se preocupe. Você vai trabalhar hoje? - preferi desconversar.

- Só amanhã vou ter folga. – disse deitando-se no meu colo.

- Eu só daqui três dias.

            - Mas você adora servir os bêbados abusados! Apesar de eu achar que você faria mais sucesso dançando.

- É engraçado escutar algumas das histórias que contam...

- Eu acredito que sim.

Ele levantou-se e me encarou.

- Você está feliz aqui?

- Mais do que estava em casa.

- É que às vezes te encontro com um olhar desolador, o mesmo da época da faculdade. Se estou fazendo algo errado quero que você me diga.

- Não é com você. Sou eu. Mas isso vai passar.

- Prefiro ver você sorrindo Julia! O engraçado que te conheço faz tanto tempo e mesmo assim tenho a impressão que não conheço nada de você.

- Eu e meus mistérios. – sorri.

- Exatamente! – Jeff se levantou e caminhou até o banheiro – Quero ver esse sorriso mais vezes nesse rosto lindo seu. Você pode conquistar qualquer um com esse sorriso! Eu não quero cair no feitiço, vou tomar banho! – fechou a porta rindo.

 

A boate estava lotada hoje e assim que consegui uma pausa fui para o fundo fumar um pouco. Depois de dez minutos parada numa pilastra comecei a me sentir mal novamente, a mesma dor de cabeça. Foi quando dois homens pularam o muro logo a minha frente, eles eram extremamente parecidos.

            - Ele vai estar aqui!

            - Ótimo, não vamos fugir. Se ele quer nos matar, vamos ver se ele terá coragem de nos matar em um local lotado de humanos.

            Eles ainda não tinham me visto.

            - Falando em humanos... – um dos homens apontou para mim.

            - Não seja estúpido Vertx, ela não é humana, quando você vai aprender distinguir um humano de um mestiço?

            - É mesmo! Não sabia que eles contratavam mestiços.

            -Mestiços? – perguntei irritada.

            - Talvez ela esteja trabalhando com ele!

            Os dois vieram caminhando em minha direção com um olhar sádico. A dor de cabeça já estava insuportável e corri para a porta antes de conseguirem me alcançar. Cheguei à boate movimentada. Aqueles demônios atacariam o local que trabalhava, um local lotado de humanos. Precisava avisar Jeff, mas não o encontrava em parte alguma, corri para a saída, porque logo, logo eles estariam atrás de mim ou da pessoa que estavam falando. Olhei para trás e vi que eles tinham acabado de abrir a porta dos fundos. Quando voltei a correr bati em algo que bloqueava a saída. Era um homem bem mais alto que eu, de sobretudo vermelho e cabelos brancos.

- Meu dia de sorte! Tenho até recepcionista. Vou vir mais vezes aqui.

Olhei para trás novamente a tempo de notar que eles estavam vindo em minha direção, antes de entender o que aquele estranho estava me falando o empurrei para o lado e corri para a rua. Já fora, decide voltar para casa e esperar Jeff e se ele demorasse voltar para a boate. A dor de cabeça teimava em passar o que me deixou mais nervosa ainda e se estivesse sendo seguida por demônios como aqueles da boate? Já estava longe da entrada e mesmo assim a dor não passava, só podia estar sendo seguida.

Foi tudo tão rápido que só notei quando estava no chão.

- Querida, você está bem? – escutei uma voz ao longe

Levantei-me zonza. Devo ter corrido e sem notar a rua movimentada fui arremessada para o outro lado da calçada.

- Não se preocupe comigo.

O motorista e mais alguns curiosos se amontoaram em minha volta. Quando me levantei e disse que estava bem a maioria disse que era impossível.

- Você deveria estar morta! Esse sujeito estava correndo!

- Eu não estava correndo, ela surgiu do anda!

- Eu estou bem! – gritei e sai de perto deles.

- Você precisa ir para o hospital! – um homem gordo que tinha visto o acidente me disse.

- Pelo menos o carro está intacto – escutei o motorista falando ao longe.

- Não me toque! – empurrei um homem que estava preocupado.

Minha cabeça já não doía mais nem mesmo meu corpo. Tinha sido arremessada e não sentia dor alguma. Só podia ser...

- Não pode ser... – sussurrei desesperada. Pensar que fui salva pelo meu sangue demônio era demais para mim.

Andei mais calmamente depois de notar que não sentia mais dor. O único problema causado pela batida mortal era minha roupa que estava rasgada em várias partes. Deveria estar a mais de cem metros longe da boate quando alguém segurou meu braço com força.

- Uma batida daquela e você está andando normalmente?

            Virei-me e encarei o homem que havia segurado meu braço, era o mesmo da boate.

            - Que merda você está falando? – perguntei irritada.

            - Oh calminha! Eu vi o acidente e sem nenhum machucado? – ele apontou para minha cabeça.

            - Me largue!

            - Quem é você?

            - Uma pessoa tentando ter uma vida normal. Quer fazer o favor de me soltar. Não vou pedir de novo.

            - O que você vai fazer se não soltar?

            - Isso. – com um forte soco derrubei o estranho no chão. Antes de vê-lo levantar-se corri o mais rápido que pude. Ele também tinha os cabelos brancos, mas não me causava enjôos. Mesmo assim era melhor não abusar da sorte. Preferi seguir um caminho diferente para casa.

 

            Esperei por Jeff por mais de meia hora, preocupada com os acontecimentos da boate, com o homem, com minha força, nunca antes usada, e principalmente com o acidente. Até então, nunca havia presenciado minha capacidade demoníaca, pois sempre tentei esconder minha herança. E estava acontecendo como meu pai havia dito. Eu não conseguiria controlar meu poder e ele apareceria nas horas que mais necessitasse. Estava salva por causa disso, apesar de não gostar de pensar sobre.

            A porta abriu revelando um Jeff assustado.

            - Ainda bem! Você não estava lá! Fiquei tão preocupado!

            - Eu tentei te procurar!

            Jeff sentou-se ao meu lado e começou a dizer um pouco mais calmo.

            - Foi tudo tão rápido, mas eu consegui me esconder. Ninguém saiu ferido. O cara que estava lá era muito bom, matou os demônios em poucos segundos. O desespero mesmo aconteceu quando ele os matou. As pessoas começaram a correr desesperadas para a rua e eu te procurando, ainda não sabia que ninguém havia saído ferido. Pensei o pior.

- Eu saí antes.

- Me disseram que houve um acidente perto da boate. Imagina como fiquei quando escutei isso, pensei que fosse você!

- Não. Deve ter sido bem depois que saí.

- De qualquer forma, você tinha que ver como o sujeito matou os demônios! Eu vi tudo! Dois tiros certeiros. Poucas pessoas viram a cena, saíram desesperadas, mas eu fiquei lá até o final.

- Como ele era? Acho que tombei com ele na saída...

- Bonitão. Alto e de cabelos brancos, será que era um meio-demônio? Agora que parei para pensar nisso! – olhou para mim encantado com a hipótese.

- Por que a animação?

- Ah... O sangue demônio, eles dizem cada coisa.

- Não diga algo assim! Você não tem noção como deve ser conviver com isso! A pessoa deve ficar violenta a qualquer hora. Demônios são cruéis.

- Você é muito conservadora! Temos que ver tudo com uma perspectiva mais ampla. Continuando: logo que aconteceu tudo isso, ele saiu correndo de lá. Depois de alguns minutos, quando já estava procurando você na boate e conversava com uma das meninas, ele voltou e foi direto conversar com o Marco, eu escutei mais ou menos a conversa.

- Curioso!

- Julia, você tinha que ver. Ele conversava com o Marco como se eles fossem amigos! Pediu desculpa por tudo e depois o Marco disse que estava tudo certo, mas que eles precisavam conversar melhor pra ele explicar direitinho tudo aquilo. Não deu pra escutar o nome do salvador da noite.

- Você acha que amanhã ele vai abrir a boate?

- Claro! Não ocorreu nada demais, graças ao cara. Gostaria de saber se ele estava lá por acaso...

- Estranho mesmo. Bem, amanhã eu vou trabalhar e te falo as últimas fofocas sobre o caso – me levantei. Precisava dormir. – Boa noite. Esse dia foi muito agitado.

 


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