Sem Você. escrita por Letícia Martins


Capítulo 4
A garota mais fácil de se enganar.


Notas iniciais do capítulo

A música para esse capítulo: http://www.youtube.com/watch?v=JDKGWaCglRM



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Estou em meu quarto, checando os e-mails. Dois novos na caixa de entrada. Abro o primeiro, que é de Tracy, minha melhor amiga em Hasburg.

Para: Hayden Mcfield
De: Tracy Brandon
Assunto: Zero ligações.

Hayden, estou te enforcando mentalmente neste exato momento! Como pôde não me ligar assim que chegou em Yelville?
Fiquei esperando até o amanhecer, falo sério. Só não achei que estivesse morta pois a diretora de sua escola telefonou para seus pais informando sobre sua chegada. Francamente, você chega a ser cruel!
Mas, como sou uma ótima amiga, não guardarei rancor.
Agora me conte tudo! Quero saber até a cor da parede. Já me substituiu por qualquer garota com fone de ouvidos no salão de entrada?
Ah, faça-me o favor. Aposto que ela estava ouvindo Beatles... E você detesta Beatles, portanto, sou uma ótima amiga (novamente) por te avisar que ela não será uma boa companhia. Tudo bem, passo a vez para você. Não deixe faltar nada!

Para: Tracy Brandon
De: Hayden Mcfield
Assunto: Desculpe, desculpe, desculpe.

Mal tirei os sapatos quando entrei em meu dormitório na noite em que cheguei aqui em Yellville (com paredes em um agradável tom de rosa claro). O vôo me deixou acabada, mas parece que isso não impediu um loiro musculoso de me convidar para jantar. Isso mesmo, amanhã a noite! Depois te conto os detalhes.
Foi mesmo ótima lembrando de que detesto Beatles, mas desnecessária. Os tais fones não existem, assim como a garota imaginária. Fiz um grupo de amigos mas sinto sua falta, queria que estivesse aqui. Suspiro. Ainda bem que a diretora ligou para meus pais, me esqueci de ligar. Recebi outro e-mail além do seu, deve ser da mamãe.
Muitas saudades, não se esqueça de deixar Todd longe de meu quarto!

 Tracy já tinha medo de que eu lhe trocasse desde antes da viajem. Mas ela sabe que isso não acontecerá por mais amiga que eu possa virar de Jess ou Carla ou qualquer outra garota. Nós nos conhecemos desde o jardim de infância, quando um garoto roubou meu colchonete e Tray acidentalmente o acertou com seu tênis e recuperou meu colchão. Além do mais passamos por quase tudo juntas e compartilhamos do mesmo gosto para várias coisas, principalmente bandas: Guns ‘n Roses e Nirvana.
 O segundo e-mail é de minha mãe.

Para:
Hayden Mcfield
De: Sara Mcfield
Assunto: Mamãe com aperto no peito.

Confesso que fiquei triste quando entrei em seu quarto hoje de manhã e vi sua cama arrumada. Dá para acreditar? Já sinto falta de sua bagunça! Mal posso esperar para daqui a três meses, quando iremos visitá-la.
Já fez amigos? Aposto que sim, foi sempre tão sociável.
Eu e seu pai aguardamos sua ligação.
Grandes beijos, querida.

Para: Sara Mcfield
De: Hayden Mcfield
Assunto: Indo para casa.

Estou me teletransportando para meu quarto, mamãe. Se entrar lá e não me encontrar, faça o favor de desarrumar a cama. Não está certo.
Conto os segundos para Abril. Todd virá com vocês? Terei de arrumar algo aqui em Yelville que ele goste. Talvez uns bonecos de ação, o que acha?
Fiz alguns amigos sim, acho que posso sobreviver a essa escola.
Ligarei em breve!

Desligo o notebook e olho pela janela, sentindo falta não só de Tracy e meus pais mas também da vista que tenho da janela de meu quarto. Agora as folhas das árvores no quintal da frente devem estar alaranjadas e caindo, preenchendo toda a calçada em um bonito mar de folhas. Nut nem precisa sair para passear nessa época, pois se contenta apenas em rolar no monte de folhas que meu pai varre todas as manhãs.
Coloco o pijama e deito na cama, pegando da cabeceira o guardanapo que Collin deixou comigo. Abro e leio o que está escrito.
“19 horas em frente a cantina. Espero te ver lá.”
Não sei se me agrada ou não o coração que Collin desenhou no canto do guardanapo.

Isso é simplesmente ótimo. Estou atrasada.
Quase me convenço de que não é preciso levantar e ir a aula.
Visto a primeira roupa que vejo no armário, lavo o rosto, ponho os fones de ouvido ao som de “Cherry Bomb” e saio do dormitório.
Encontro Jess saindo de seu quarto. Ao me ver, ela abre um sorriso e começa a tagarelar. Mal sabe que não posso escutar sua voz atrás da voz de Joan Jett. Ela tira meus fones de ouvido com as mãos e entrelaça o braço com o meu. Enquanto estamos andando até as salas de aula, ela fala sobre como tem sido legal ir ao centro da cidade comprar roupas e outras coisas. Então, ela para e me olha.
-Soube que foi toda arrumada para a aula ontem. O boato é dos bons, dizem que você até passou gloss! Dá pra acreditar? –Opa, ela não sabe. Solto uma risadinha e dou de ombros. Ela faz uma cara inexplicável.
-Passou gloss? Eca, não acredito que encostei em você. –ela se afasta, mas logo volta para perto, rindo. –E então, por que fez isso? É aquele tal de Lou?
-Não tem nada haver com ele Jess, apenas quis fazer uma surpresa para Britanny.
-Nesse caso, te apoio totalmente! Posso até comprar um brilho labial.
                                                   
Estamos em uma aula livre, que é quando podemos ler fora da sala de aula um capítulo do livro didático que foi passado pela professora de redação. A turma escolheu o campo como local de leitura. Estou sentada em um banco no alto de um pequeno morro ao lado do campo. A vista é impressionante, um ótimo lugar para leitura. Gosto de ler, sempre gostei. Mas prefiro quando posso escolher o livro. O capítulo sete com certeza não seria uma de minhas escolhas. É entediante, me distraio com qualquer coisa. É algo como “Ei, vários números na página, um passarinho naquela árvore e um garoto gato no banco lá embaixo”. Sim, estou falando de Lou. Está sentado em um banco roendo unhas e não dando a mínima para o livro de redação. Na verdade está concentrado em outra coisa. Sem querer me gabar, mas esta outra coisa sou eu. Desde que chegamos aqui ele está me encarando sem nenhum aceno ou sorriso. Já estou começando a ficar assustada. 

Ele se levanta e sobe o morro.
-Como andam as coisas? –senta-se ao meu lado e pergunta.
-Entediantes, para falar a verdade. –olho com desaprovação para meu livro.
-Também acho. Também vi o passarinho na árvore e também te vi ontem. –Fico imaginando o porquê de nossas poucas conversas sempre tomarem um rumo tão estranho –Maquiagem e roupas diferentes. Por quê? –ele fala como se eu estivesse vestida como uma aberração. 
-Porque sim! Porque quis. Não sei qual é o seu problema ou o que você tem haver com isso. –Uou, cho que exagerei. Posso ver isso pela expressão em seu rosto –Olha, me desculpe.
-Tudo bem, só relaxe. Quis dizer que gosto do jeito como se veste, gosto do seu jeito.  –Ponto para mim. Eu acho. Pelo menos um em meio a tantos pontos no placar de Lou, começando por seu sorriso e depois pelos seus olhos azuis, seu cabelo desarrumado, sua voz e seu jeito calmo de falar, o jeito como fico tranquila quando estou perto dele.
-O que foi? –droga. Fiquei tanto tempo observando-o que me esqueci da conversa.
-Nada eu só... Queria conhecê-lo melhor. –ele parece espantado, mas pega minha mão e brinca com o anel que ganhei de meu pai quando completei doze anos. Por um momento imagino que possamos ficar juntos. Ele solta minha mão e parece que vai dizer algo mas vejo que todos os alunos estão andando para o prédio principal. Isso indica o fim da aula. Lou se levanta e desce o morro sem ao menos acenar. Aquele pensamento de que talvez pudéssemos ficar juntos? Apagado. Agora sei que não vai acontecer.

-Alô? –Carla parece cansada do outro lado da linha.
-Tenho dez minutos para me encontrar com Collin na cantina e não faço ideia do que vestir!
-Ah, Jess o que farei com você? Ponha qualquer coisa, um vestido e rasteirinhas. E bastante perfume. Ficará bonita.
-Tudo bem, obrigada. –desligo e faço o que ela disse. Pego um vestido verde água e rasteirinhas brancas. Penteio a franja para o lado e deixo o cabelo solto. Passo o mínimo de maquiagem e o máximo de perfume.

Collin é o único sentado em uma mesa no fundo do refeitório. Ao me ver, abre um enorme sorriso. Vem até mim e me da um beijo o rosto.
-Fico feliz que veio. –sussurra em meu ouvido. É nesse momento em que esqueço de minhas preocupações e não me arrependo de ter vindo.
Quando estamos saindo, ele abre a porta para mim e trombo com algo. Não, com alguém. Quase caio para trás ao perceber que é Lou. Ele me olha e depois para Collin. Parece chateado, talvez até com raiva. Então, da uma leve risada e sobe as escadas.
Não sei o motivo de sua risada. A única certeza que sei é que não vou deixar isso estragar meu encontro com Collin.
Ele me leva para um restaurante a poucos quilômetros do colégio.
As ruas de Yeltown são sempre escuras, com pouca iluminação e casas padronizadas. Não vejo ninguém andando.
 O jantar é bem sofisticado e, por mais que eu insista, ele não me deixa pagar.
Descobri muitas coisas sobre Collin. Seus pais são divorciados e sua mãe não estava em condições de cuidar dele sozinha, então ele foi morar com o pai, que o colocou no colégio de Yelville, onde ele é jogador de futebol americano, um dos melhores. Tem duas irmãs que nunca conheceu e só namorou uma vez na vida.
Bons modos é o que não faltam em nosso jantar. Ele me diz coisas bonitas e agradece quase toda hora por eu ter ido ao encontro. Toda vez que olho pra ele me impressiono. Como é bonito.
-Sabe, muitas garotas não confiam em mim. Mas soube que você seria diferente assim que te vi.
-Não tem porque não confiar em você, todos merecem uma chance. –Ele abre um sorriso maior do que o primeiro. Pega minha mão por cima da mesa e eu tento não comparar seu toque com o de Lou. Mas é impossível não notar que as mãos de Collin são pequenas e geladas, enquanto as de Lou são grandes e quentes.
Eles são completamente o oposto um do outro. Não que isso tenha alguma importância.   
-Você é a primeira que me diz isso. Talvez seja a primeira que acredita em mim. –me sinto mal por Collin. Aposto que a maioria dos estudantes não conhecem esse outro lado dele, sensível.
-Quer ver algo incrível? –ele se levanta.
-Claro!
Collin pega um guardanapo “emprestado” do restaurante e amarra em volta da minha cabeça. Entramos no carro e saímos em um lugar com grama molhada. Tiro meus sapatos e deixo ele me guiar por o que parece ser um caminho feito de pedra.
-Pode tirar a venda. –desamarro o guardanapo e quase caio para trás. Estou em uma praça, tão grande que poderia ser um vale. É linda demais. Não tenho palavras.
-É... –olho para Collin, que está olhando para mim.
-Linda. –ele completa o que eu ia dizer.
-Muito! E cheira a... qual é o nome da planta?
-Não, você é linda. –ele aproxima o rosto do meu, seu perfume se misturando com o cheiro das... não sei o nome da planta. Quem liga? Seus olhos castanhos me prendem e não consigo olhar para mais nada, pensar em mais nada. Fecho os olhos e não sei o que está por vir mas quero muito descobrir.
-Hayden? –ele sussurra.
-Hein?
-Posso te beijar?
-Hum...
E ele me beija. Devagar, docemente. Depois mais rápido. Suas mãos estão em minhas costas e descem bruscamente. Me afasto, assustada.
-Qual foi?  –Ele parece zangado. Agarra meu pescoço e força a boca na minha com tanta força que chega a doer. Tento me afastar mas não sou forte o suficiente. Não sei o que está acontecendo.
-Pare! Pare Collin! -Grito o mais alto que posso, mas quem me ouviria? Não tem ninguém no parque. Ele tenta colocar a mão por baixo de meu vestido mas dou uma joelhada em sua cabeça. Collin cai no chão, urrando de dor. Corro o mais rápido que posso mas não faço ideia de onde estou.
Corro mais rápido, virando e atravessando ruas que sequer sei o nome. Estou perdida, Collin me achará. Merda. Merda. Merda. No que eu estava pensando em sair com um cara que mal conheço? Ah, meu Deus. Fui dominada pelo pensamento de que poderia ter sido estuprada. Não sei para onde ir. Ando sem rumo tentando encontrar alguém, mas já é tarde. Devem ser onze horas da noite.
Estou em uma rua escura, com casas padronizadas. Os postes de iluminação parecem não estar funcionando. Tudo o que vejo são os faróis de um carro.
O motorista estaciona ao meu lado e abre a porta. Uma garota sai de dentro. Me surpreendo ao ver que é Britanny. 
-O que diabos...? -ela diz, espantada. Começo a chorar. Soluço. Meus olhos estão ardendo.
-Me leve para casa, por favor. -peço a ela, praticamente imploro. 
Ela me leva de volta para Yelville mas não quero sair de seu carro. Não quero andar, só quero ficar quieta por um tempo, mas Britanny sai do carro e abre a porta. Segura meu braço e me ajuda a levantar. 
-Quer conversar sobre isso? -ela olha para mim com dó.
-Não -consigo dizer em meio aos soluços - Só vou para o meu quarto. Obrigada por me trazer. 


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