Joey gritava de dor e prazer, cada vez que Wandinha puxava a alavanca, quase distendendo seus músculos.

        - Você tá bem? – ela perguntou.

        - Claro – ele respondeu, com os braços e peras doloridos, amarrados por correntes.

        Ela se aproximou do rosto dele e o beijou.

        - Mon sauvage... – ela sussurrou ao ouvido dele.

        Eles já estavam juntos havia duas semanas, e cada dia mais apaixonados. Wandinha cada vez mais lhe dava mais atenção, cada dia brincava mais com ele.

        Feioso já não era mais seu alvo favorito. Apenas observava os dois se divertindo, sentado no canto da sala, ao lado de Bicho.

        - É a vida, não é, Bicho? Às vezes a gente ganha, às vezes a gente perde.

        Bicho grunhiu um pouco, uns chiados incompreensíveis, como fazia sempre, tentando consolar o pobre menino.

        - É, eu sei. Tenho que ficar feliz pela mana. E o Joey... Ele é meu melhor amigo! O único... Mas... Como eu pude perder os dois de uma só vez?

        Bicho ainda o consolava.

        - Ah, eu sei! Mas... Mas e se ela não pisar mais em mim? O que eu faço? Se ela não parafusar minha língua no chão, se ela nunca mais me afogar? Se ela disser adeus, quem vai quebrar todos os meus ossos, um por um?

        Então Bicho se rendeu. Era mesmo uma situação deplorável, até mesmo para ele. Todos os dias pela manhã, Joey lhe pedia conselhos para conquistar Wandinha. E agora, que ele já a tinha? Bicho se tornou apenas um enfeite em seu quarto escuro.

        Eles ficaram ali, sentados, apenas observando.

        - Você está bem? Puxei forte dessa vez – ela perguntou.

        - Eu sempre estou bem se você está por perto, cara mia.

        - Mon Cher... – ela sorriu e o beijou, doce e lentamente.

        Feioso se enchia de raiva, largado ali no canto. Saiu do cômodo, não queria ver aquilo. Bicho o seguiu.

        O garoto estava confuso, não sabia o que fazer, não tinha tempo nem paciência para arquitetar um plano àquela altura, e acabou agindo sem pensar, por puro impulso.

        - Gomez! – gritava Morticia, desesperada, enfurecida.

        - Si, cara mia? Sabes que por tí me muero de passión! – ele disse, já pronto para encher o braço dela de beijos.

        - Gomez – ela tirou o braço de perto da boca dele – Sua filha – quando ela começava a frase assim, lá vinha bronca – está de namorico com aquele MAU CARÁTER DE OLHO JUNTO DO SEU VIZINHO! Agora diga: você sabia disso?

        Gomez engoliu em seco. Morticia sabia como deixá-lo sem palavras – do jeito bom, e do jeito ruim.

        - Hã... Bom... Bem... Ela deve ter comentado uma coisa ou outra, mas...

        - Então você sabia!

        - É, mas... Tish... São jovens, estão só aproveitando a vida...

        - Não é desculpa! Ela ainda é muito criança! Você lembra o que aconteceu com ela quando estava com aquele outro rapazinho, não se lembra?  Como ela ficou diferente? Cachorrinhos! Disneylândia! Meu Deus, Gomez, se você se importa com o estado mental da sua filha, é melhor acabar com essa maluquice!

        - Bom... Se você insiste... Então pode ir lá falar com ela...

        - Gomez, o pai é quem cancela!

        - Mas... Eu não acho que...

        - Traite! Je ne crois pas que dans 25 ans de mariage, vous ne pouvez pas faire cette chose misérable pour moi! * - ela berrava, já perdendo a paicência.

        Quando ela xingava em francês, a coisa estava realmente séria. E agora? Mentir pra Morticia? Mentir pra Wandinha? Aí estão, duas coisas que Gomez nunca havia feito. Escolha difícil: ficar do lado da esposa ou da filha...

        - Mas pai, quem você está pensando que é para decidir com quem eu posso ficar ou não? – ela gritava enfurecida, igualzinha à mãe.

        - Hã... Paloma, eu... Bem, vejo pelo outro lado... Eu e sua mãe, nós...

        - Ah! Sabia que ela tinha alguma coisa a ver com isso! Pai, qual é, você não pode deixar de ouvir ela? Nem que seja por uma única vez?!

        - Bem, filha... Quando nos casamos, eu e sua mãe, eu jurei que a amaria para sempre, que eu a veneraria e a adoraria, que faria tudo por ela, e que seria seu dedicado escravo. Ah, nosso casamento, a coisa mais tenebrosa que esse mundo já viu! – ele se lembrava, sonhador, até que foi interrompido pelo olhar gélido de sua filha – Então, bem, não, não posso contrariá-la, filha.

        - Que droga, pai! Eu sou sua única filha! A primogênita! Se não puder fazer essa mísera coisa por mim, então eu não sei de mais nada!

        Novamente, Gomez sentiu-se suar. Wandinha para ele era igualmente convincente.

        - O que seu pai queria, amor? – perguntou Joey, ainda amarrado.

        - Nada, só resolver uns probleminhas. Nada que eu não desse um jeito – ela disse, e o beijou.

        Do lado de fora do quarto, Feioso se sentia um tanto idiota por ter apelado a contar para sua mãe, mas naquele momento aquela era sua única solução. Enfim, o jeito ali era aceitar a situação. Joey e Wandinha iam continuar se amando para sempre.

        Vendo a comoção do garoto, Vovó Addams se aproximou dele, e passou o braço em volta de seu ombro.

        - Não fique assim, menino. Um dia você ainda vai encontrar alguém para você.

        - Mas, Vovó, eu não quero “alguém”. Eu quero ela.

        - Por enquanto, você não vai conseguir. Mas lembre-se: nós, Addams, nunca desistimos. Você também não deve desistir da sua irmã. Com o tempo você se acostumará e tudo voltará ao normal.

        - Obrigado, Vovó – ele esperou até que ela fosse embora. Claro, com o tempo tudo se ajeita. Mas ele não tinha tempo, e sim, mas uma ideia.

        Feioso sorriu e entrou no quarto, mudando instantaneamente sua expressão facial.

        - Eu preciso falar com você, mana.

        - Daqui a pouco, eu tô ocupada – ela respondeu, enquanto mirava Joey com seu arco e flecha.

        - Agora – ele a puxou pelo braço, fazendo a flecha acertar a parede, poucos centímetros ao lado do rosto dele.

        - Volta logo, amor – ele disse, ignorando o fato de quase ter morrido. De novo.

        Feioso levou Wandinha até o corredor.

        - O que você quer? A gente tava se divertindo lá!

        - É sobre isso mesmo que eu quero falar – ele começou, sério – Faz duas semanas que vocês estão juntos.

        - E? – ela cruzou os braços.

        - Vocês têm jogado jogos como esses todos os dias desde então, não é? Desde aquele dia, você começou a torturá-lo.

        - Onde você quer chegar?

        - Eu te conheço. Você só vai piorar. Daqui a algumas semanas você vai começar a fazer com ele, pior do que fazia comigo. Ele é bem normal, não é como nós. Eu consigo aguentar isso na boa, mas será que ele consegue?

        Ele fez uma breve pausa. Tempo o suficiente para que ela analisasse a situação e percebesse que o que ele dizia era verdade.

        Wandinha olhou para dentro do quarto por uma pequena fresta na porta, e pôde ver que Joey tinha marcas de machucados sérios nos pulsos e tornozelos, e hematomas por todo o corpo, além de muitos arranhões.

        - Só queria te avisar, porque se você continuar assim, vai acabar matando-o.

        - O quê?! Mas como? Eu fiz alguma coisa errada? Porque se fiz, me diga, que eu mudo! Eu juro!

        - Não, Joseph, não há nada que você possa fazer. Acredite, é pro seu próprio bem. Pro nosso bem.

        Ele estava arrasado. Não podia acreditar no que ouvia. Wandinha estava terminando com ele? Porquê? Algo não estava certo.

        Assim que sentiu a primeira lágrima escorrer por seu rosto, ele a abraçou pela última vez, e seguiu seu caminho para casa em silêncio.

        Assim que teve certeza de que ele estava longe o bastante, ela também desabou no choro, ali mesmo, no meio do quintal.

Traduções do Francês _________­__________________________

“Traidor! Não acredito que em vinte e cinco anos de casados, você não possa fazer essa mísera coisa por mim!