Conversando Com Os Anjos escrita por glassmotion


Capítulo 11
Capítulo 11




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Capítulo 11

You’re taking me over,

Over and over.

I’m falling over,

Over and over.

Drown in me, one more time

Hide inside me tonight.

Do what you want to do,

Let’s pretend, happy end.

Let me know, let it show

Ending with letting go.

Ending with letting go,

Let’s pretend, happy end.”

[You look so fine - Garbage]

~~

            Uma mulher sentou no canto do primeiro banco, preenchendo o espaço antes vazio. “Oh, ainda bem,” disse uma outra que já estava ali, os cabelos vermelho-fogo, olhando para a recém chegada. “É horrível ter os primeiros bancos vazios, e Amanda não conseguiu mudar o horário da manicure. Esse evento não podia vir em pior hora, não acha?” Ela perguntou com um sorriso colagenado.

            A recém-chegada encarou a outra com um olhar nada feliz. “De fato,” foi tudo o que ela disse, a voz seca e o olhar bravo.

            A igreja não estava tão cheia como a capela no dia do funeral de Frank, mas ainda assim tinha um bocado de gente. Podia-se ver alguns alunos da escola vestidos em moletons caseiros, rostos sonolentos. Obviamente foram arrastados pelas mães para fora da cama, cedo demais para uma manhã de sábado. Não se incomodavam tanto com o falso luto, e tinham expressões simplesmente impacientes e entediadas. As mulheres falavam de amenidades e os homens falavam de negócios e esportes, quando o padre entrou e se fez silêncio.

            “Em nome do Pai, do Filho, e do Espírito Santo,” ele disse ao fazer o sinal da cruz, e as pessoas entoaram um ‘Amém’. O padre estava prestes a começar seu discurso, mas foi interrompido por um barulho vindo da porta.

            Toc, toc, toc, o gesso de Gerard batia contra o chão. Todos se viraram para ver, como se aquilo fosse um casamento e a noiva estivesse entrando. Imediatamente ouviu-se o burburinho de vozes ultrajadas, como se ele fosse o Tinhoso em pessoa entrando na casa de Deus. Bert vinha ao lado dele, segurando a mão esquerda do amigo para que ele se apoiasse, já que não usava mais as muletas. Os Way, sentados num canto distante, sorriram em aprovação.

            Gerard avançou e avançou até chegar ao altar, no qual havia uma foto de Frank sobre um suporte de tela. Os dois rapazes olharam para a foto por um momento, e então um para o outro, e Bert meneou a cabeça antes de ir até a foto. Era uma impressão grande, e mostrava o rosto de Frank inclinado para o lado, sorrindo para a câmera, uma boina na cabeça. Bert pegou a foto do suporte e a fez duplicar - o papel estava dobrado. Dobrado para que só metade da foto ficasse à mostra, já que na outra metade estava o rosto de Gerard, encostado no ombro de Frank, sorrindo docemente. Robert recolocou a foto no suporte e virou-se para as pessoas. “Que serviço porco,” ele disse com escárnio. “Nem pra cortar a foto.”

            Por um momento, Gerard observou a foto com saudade. Desviou olhar para Frank, que estava sentado sobre o encosto de um dos bancos, bem atrás onde não havia ninguém.

            “O que você está fazendo aqui?” Veio uma voz prepotente de algum lugar. Gerard não sabia exatamente qual das peruas falsas havia falado aquilo, mas não realmente importava. Ele colocou as mãos nos bolsos e esperou um momento - Bert foi se sentar com Quinn, que observava tudo com olhos apreensivos.

            “O que eu estou fazendo aqui?” Gerard entoou, vagando o olhar pelos bancos cheios. “Eu estou em luto. O que vocês estão fazendo aqui? Vocês não se sentem mal. Vocês não conheciam Frank e muito menos gostavam dele. Seus serviços de falsidade e atuação estão dispensados.”

            “Como você ousa?” Disse a ruiva do primeiro banco. “Seu delinqüente, você não tem nada a fazer aqui!”

            “Assassino,” disse alguém escondido na multidão.

            Gerard travou o maxilar por alguns segundos. Respirou fundo, fique firme. “Quem não tem nada a fazer aqui são vocês.” Tirou uma mão do bolso, apontando um dedo para eles. “Vocês, poços de falsidade e veneno. Eu o amava. Ele era importante pra mim, e eu sinto a falta dele como vocês nunca vão sentir, vocês sabem disso e não adianta tentar me derrubar, porque vocês não vão conseguir. A única pessoa que sente a falta dele tão quanto eu é a mãe dele. Ninguém nunca se deu ao trabalho de ajudá-lo, não é? De tentar achá-la? Bem, eu achei.” Ele pausou por um momento, e amenizou a voz ao se dirigir a uma pessoa específica. “Linda, por favor.”

            Linda se levantou de onde estava - o primeiro banco, ao lado da ruiva, que a encarou com pavor. Linda foi até onde Gerard estava e se colocou ao lado ele. Ela estava vestida de preto, o cabelo preso num coque realçando seu rosto jovem. Assim como Frank, ela tinha olhos bondosos, mas que conseguiam ser mortais quando queriam.

            “Vocês deviam ter vergonha de si mesmos,” ela disse com firmeza, encarando de volta todas as pessoas que olhavam-na com espanto - era tão óbvio o parentesco entre os dois, os traços parecidos, ninguém iria contestar a maternidade dela. “Fora da missa do meu filho! Fora! Fora, suas cobras, fora!” Os gritos dela ecoaram na igreja, abafados pelo barulho das pessoas saindo com pressa.

            Dentro da igreja, ficaram somente os Way, os Iero, Bert e o resto do pequeno círculo de amigos de Frank - Quinn, Adam, Alicia, Gabe, Jepha.

            Linda deu meia volta e pegou a foto do filho. Sorriu, embora uma lágrima escorresse pela bochecha corada. Tomou Gerard pela mão e foi com ele de volta até o banco, onde se sentaram - Frank veio e sentou ao lado da mãe. “Por favor,” ela disse ao padre. “Pode continuar agora.”

***

            Linda estava conversando com Donna na cozinha. Elas estavam sentadas à mesa, tomando chá e conversando sobre tudo o que poderia se imaginar.

            Já estava tarde. Havia sido um dia muito longo. Após a missa, levaram Linda ao orfanato, à delegacia para cuidar de papéis, ao cartório e ao consultório do advogado dos Way. Ela queria fazer tudo ao seu alcance para que, nos documentos de Frank, o nome fosse Iero e não Smith, e que o nome dela estivesse ali ao invés de ‘filiação desconhecida’. O mínimo de dignidade que poderia oferecer à memória do filho.

            Durante o almoço, num restaurante, ela pediu licença para ir ao banheiro. Donna foi atrás dela e a encontrou chorando contra a parede, lamentando ter confiado no pai e não ter ido atrás de Frank. Donna tentou confortá-la, dizer que ela nunca poderia ter imaginado que seu próprio pai iria contar-lhe uma mentira tão grande. Elas passaram quase meia hora lá dentro e, quando voltaram, Gerard estava quase fundido à cadeira, taciturno e tristonho, consciente do que elas estavam fazendo lá dentro. A culpa que ele sentia emanava de seus poros, sendo quase palpável, mesmo que ele às vezes sorrisse e dissesse que estava ótimo.

            Mais tarde, foram ao hospital. O médico tirou os pontos de Gerard - ele quase desmaiou de agonia e precisou de Bert, que o abraçou por trás, tapou os olhos dele com uma mão e cantou para acalmá-lo. Frank não sorria. Tiraram o gesso que ia até a coxa e trocaram por um que ia só até o joelho e deram uma bronca em Gerard porque ele não estava usando a pomada que prescreveram para o rosto, que diminuía cicatrizes. Gerard deu de ombros. Não existia pomada para cicatrizes interiores.

             Após mais algumas paradas para resolver assuntos legais, finalmente foram para casa. Donna montou a cama de armar para Linda na sala de estudos dos meninos. Elas fizeram o jantar juntas, Mikey e Donald quase indo à loucura - duas mulheres de descendência italiana cozinhando juntas era bom demais para ser verdade, mesmo considerando as circunstâncias. Após um zilhão de calorias e muita massa, Bert subiu com Gerard, Donald foi mexer com os papéis, Mikey caiu no sofá com uma pilha de DVD’s, e Donna ficou na cozinha com Linda, onde ficaram tomando chá.

            “É estranho,” Linda confessou em determinado momento. “Tantas pessoas me contando sobre o meu filho. Vocês o conheciam, e eu não.”

            Donna concordou com a cabeça, imaginando a dor que aquela mulher tinha sofrido. Somente uma mãe dedicada pode entender a outra.

            Em determinado momento, Bert apareceu à porta, parecendo apreensivo. “O que foi, querido?” perguntou Donna. “Quer que eu pegue o colchão extra pra você?”

            Robert balançou a cabeça. “Não, eu não vou dormir aqui. Eu preciso conversar com a senhora,” ele declarou, fechando a porta da cozinha.

            As duas mães trocaram um olhar preocupado antes de fitarem Bert, que se sentou na cadeira do lado oposto da mesa. “O que é?”

            Bert suspirou, chateado. “É sobre Gerard,” ele disse com pesar. “Ele não está nada bem.”

**

            Frank estava sentado na cama de Mikey, as costas contra a parede. Observava Gerard em silêncio.

            Gerard estava sentado na própria cama, somente de boxers (e não mais se importando em expor seu corpo), banho recém-tomado. O corpo dele emanava um calor que Frank podia sentir. Tinha em mãos o uniforme velho de Frank, o qual cheirava incessantemente, tentando absorver o máximo possível do fraco odor remanescente no tecido. Ele parecia esgotado, tão triste, puramente sem esperanças - estranhamente, Frank achava que ele nunca foi tão bonito como naquele momento.

            Eventualmente, Gerard levantou o olhar para o outro. “O quê?” questionou, começando a ficar incomodado com o olhar firme de Frank, que não respondeu nada. “Agora você não vai mais falar comigo?”

            “Eu estou pensando,” Frank respondeu.

            “Pensando no quê?” Ajeitou as costas contra os travesseiros, levando a camisa de volta ao rosto.

            “Em como seria te beijar agora.”

            O olhar de Gerard congelou, e ele não olhou para Frank - não conseguiria. “Não fala nisso, Frankie, por favor.”

            “Você perguntou.”

            “Não é novidade que eu sou estúpido,” retrucou Gerard, tentando espantar de sua mente a idéia de deitar sobre Frank e lamber-lhe os lábios vermelhos, correr os dedos pelos cabelos macios, encostar o nariz contra a bochecha redonda. Quanto mais tentava não pensar, mais difícil era tirar a vontade da cabeça, e a cena continuava a dominá-lo ao ponto de quase tirar a sanidade restante que ele possuía. Travou o queixo tão fortemente que seus dentes doeram.

            Frank pensou em silêncio por mais alguns segundos. “Eu não tenho certeza...” ele sussurrou para si mesmo, atraindo o olhar de Gerard. As íris verdes pareciam sofrer internamente, em desespero, e Frank balançou um pé nervosamente. Incerteza, ansiedade, não conseguia mais.

            “Frankie?” a voz baixinha, o uniforme contra o peito. “Do que você está falando?”

            Frank levou uma mão ao rosto e apertou as têmporas, tentando saber se era errado, o que iria acontecer, lutando contra a vontade avassaladora que ele sabia não mais poder conter. “Ah, que se dane,” ele grunhiu e se levantou.

            Gerard olhou para Frank com olhos muito abertos, a cabeça inclinada para cima enquanto Frank estava em pé. Ele viu Frank se aproximar rapidamente e pousar um joelho no colchão de Gerard, ao lado da coxa dele.

            E dessa vez, o colchão afundou.

            Gerard arfou subitamente, e não mais conseguiu respirar quando Frank lançou a outra perna para o outro lado do colchão, e em um segundo Frank estava no colo de Gerard. Pesado. Sobre as coxas dele. E Frank não estava mais vestido, estava simplesmente ali, no colo de Gerard, que o encarou boquiaberto e imóvel por um segundo.

            “Por favor, me toque, Gee,” Frank sussurrou, inclinando-se um pouco pra frente. “Ponha suas mãos em mim, por favor.”

            Gerard não sabia se estava sonhando ou louco ou morto, mas o que quer que fosse, ele não ligava. Levantou uma mão trêmula, devagar, e avançou com cautela até pousá-la no peito de Frank.

            “Oh Deus,” ele arfou, voltando a respirar. Levantou a outra mão e a colocou ao lado da primeira, Frank se inclinando para o toque, querendo senti-lo, olhinhos fechados. “Oh Deus, Frankie.”

            Gerard subiu as mãos pelos ombros dele até envolvê-lo e puxá-lo para si, abraçando Frank fortemente - sentiu as mãozinhas dele descansando em sua cintura. E Gerard não podia acreditar, e segurou a nuca dele com uma mão, e deslizou a outra pela coluna dele, e enterrou o rosto no pescocinho cheiroso e inspirou fundo, sentindo os olhos arderem. Ele tinha o mesmo cheiro puro de antes.

            As mãos de Frank subiram até o pescoço de Gerard, e Gerard deixou as dele deslizarem pela curva macia da cintura de Frank, e voltou a tocar os braços dele, e Frank se afastou um pouco para que Gerard pudesse beijar suas mãos e os dedinhos inteiros e as palmas quentes - porque Frank estava morno, pesado, macio nas mãos de Gerard.

            “Eu quero-” Frank começou, segurando o rosto de Gerard com leveza, inclinando-o para cima para achar o ângulo certo antes de colar a boca à dele, salgada pelas lágrimas que escorriam confusamente por toda parte.

            E puderam sentir o gosto um do outro mais uma vez, e Gerard tocava Frank por toda a parte, e Frank quase ronronava em satisfação, e eles eram pele e saliva e suor e amor transbordando da desordem desesperada e dolorosamente intensa. E Gerard se escondeu em Frank, desejando nunca mais sair dali, viver para sempre naquele segredo ilusório e nunca mais voltar para o mundo real. O mundo onde Frank não existia.

            Eles se perderam um no outro, suaram um contra o outro e sussurraram coisas incoerentes no escuro. Gerard teve novamente a sensação que teve quando conheceu Frank, como se estivesse vivendo em um sonho. Segurou o corpinho miúdo nos braços e jurou amá-lo para sempre, por favor, Frankie, eu lhe imploro, nunca me deixe. Frank correu a ponta dos dedos pela pele macia do peito de Gerard, suado e quente, e pressionou o rosto contra o pescoço dele.

            Por mais que Gerard não quisesse dormir, seu corpo eventualmente sucumbiu à exaustão e aos remédios. Ele estava quase inconsciente quando abriu os olhos mais uma vez e apertou Frank sobre si, sentindo cada polegada da pele dele contra a sua. “...tanto,” ele sussurrou, os lábios pressionados contra a testa molhada de Frank. “Eu te amo tanto, Frankie.” A última coisa que se lembrava era de Frank colando os lábios aos dele mais uma vez, e então Gerard dormiu.  


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