Rosas escrita por Larissa M


Capítulo 30
Capítulo 29 - Perdão


Notas iniciais do capítulo

Hey, de volta com mais um capítulo, e, também, o último! Calma, sem desolação, ainda tem o epílogo, que eu vou postar sem demora. Tecnicamente, este é o ultimo capitulo T_T
Aproveitem!



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Capítulo 29

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Perdão

As estrelas, embora nem sempre visíveis, são astros constantes no céu. Têm o belo poder de iluminar o negror possante de uma noite de lua nova, assim como também carregam consigo o brilho que ilumina os corações mais angustiados que palpitam na Terra abaixo. A contemplação da natureza e suas maravilhas é uma remediação para os piores problemas, uma quietude e calma que qualquer mente tumultuosa procura.

Isobel Lopes usava-se desses artifícios da natureza para acalmar-se, observando solenemente o rio que cruzava Valliria, passando logo abaixo da ponte do Parque das Rosas. Esperava por Ralph.

Mal notava nada a não ser o fluxo incessante da água abaixo de si, a correnteza que nascia de lugares por ela desconhecidos e corria por toda sua cidade. Ele a ajudava a refletir, a pensar em tudo o que acontecera e fizera nos últimos meses.

A separação dela e de Ricardo só fora satisfatória ao coronel, que, talvez assim como o jovem La Fontaine previra, nunca se acostumaria a ter ele como genro. Fora Isobel quem lamentara mais. Incapaz de se perdoar enchia-se de culpa, assim como a Reymond, quem nunca deixara de sentir certo rancor.

Era difícil de encontrar Ricardo nas ruas de Valliria, pois este passava a maior parte de seu tempo confinado na oficina, ou preocupado com as vendas. Agora mais do que nunca, que seu pai passava por problemas de saúde, ele se ocupava no seu ofício de marceneiro, tentando arcar com as despesas. A antiga noiva de Ricardo frequentemente se perguntava o que haveria acontecido se eles dois tivessem fugido de Valliria. Certamente não seria um plano embasado na lógica, e sim na espontaneidade, que não era característica de nenhum dos dois.

Logo apareceu uma Sra. La Fontaine, casada com Ricardo nem mais do que um ano depois de seu rompimento com Isobel. A jovem senhorita Lopes não deixou de sentir muito aquela união, a qual a fazia ainda mais duvidar das antigas promessas de Ricardo, e que não trouxe nada mais do que sofrimento a ela. A conformidade não era algo presente em suas reflexões frequentes; estava revoltada com sua situação, e um sentimento ruim dava espaço a outro, que por sua vez levava a outro... Num ciclo que só podia ser cortado se ela mudasse seu jeito de pensar a partir de onde o mal tivera início.

Era muito cedo para que ela conseguisse alcançar o perdão. Sua mente ágil não conseguiu domar seus sentimentos, pois, quando os dois não trabalham em harmonia, um há de atrapalhar o outro.

Seu único consolo naqueles tempos era Ralph Hayes. Primeiro, a admiração por voltar do exército com méritos se fizera presente; segundo, a amizade em constante crescimento dos dois; terceiro, os galanteios e elogios dele para ela, muito apreciados pela vaidade ferida da moça. Nada mais desejável para aqueles que sofreram um desapontamento equivalente ao que Isobel sofrera, do que atenções em demasia. Era exatamente isto o que ela ganhava dele.

Os dois foram se tornando inevitavelmente mais próximos, ambos tendo algo o que tirar daquela amizade que mais começava a tomar outras formas. As intenções de Ralph foram se tornando mais claras a medida que o tempo passava, e Isobel, sempre atenta aos detalhes daquilo o qual a cercava, não tardou a notar que as atenções em demasia tinham motivos mais complexos do que o simples fato de Ralph ser galante por característica própria.

Reymond observava tudo com um misto de satisfação e culpa. Não pudera deixar de pensar em que fora a causa maior pela qual Isobel havia rompido seu relacionamento com Ricardo, mas também não podia deixar de ficar alegre pelo irmão, e até mesmo por ela. Ainda mantinha a mesma opinião sobre o antigo noivo de Isobel, ao contrário dela própria.

Em meados do ano de 1930, Isobel se viu aceitando o pedido de casamento de Ralph Hayes, e formalizando o pedido perante toda a cidadezinha. Era tudo o que seu pai queria, a vida que ela antigamente sonhava, a estabilidade de um compromisso, e, sobretudo, era um jovem que encantaria qualquer uma. Julgou-se apaixonada por tempo o suficiente para que tudo se firmasse.

Logo os sorrisos que ela deixava escapar se tornaram mais frequentes, e sua felicidade mais tangível aos olhos de Reymond e do irmão. Ainda se ressentia por tudo o que acontecera, e era mais feliz quando observada por outros do que de fato se sentia. Recusava-se a pensar em Ricardo q negligenciava qualquer coisa a ele relacionada. Assim permaneceu por bastante tempo.

- Estou muito feliz por você, irmão. – Reymond confessou assim que Ralph viera lhe contar as boas novas de seu noivado.

- Duvido que não haja dedo seu nisso. Vai me dizer que não fez com que ela me notasse antes mesmo antes que eu chegasse aqui em Valliria?

Reymond deu um sorriso fraco, dizendo:

- Não, está enganado, não fiz nada para que ela o notasse, embora já soubesse que você estava apaixonado desde antes que partiu... Terá que me perdoar nessa parte.

Ralph não se mostrou magoado; nem estava. Confiava na integridade do irmão, e estava feliz demais para se importar com algo tão simples como aquilo. Logo voltava seus pensamentos para o futuro que lhe esperava, para as alegrias que ansiava viver.

Dezembro de 1930:

Os bons tempos chegaram à mesma rapidez com que deixaram o casal recém-casado. Isobel tinha consciência de que seu marido não sabia de nada a respeito do passado próximo de sua esposa, e tudo o que envolvia Ricardo La Fontaine. Reymond tivera decoro o suficiente para manter tudo em segredo, pois sabia ser assim que sua cunhada preferia que a situação fosse levada. No entanto, nada poderia ficar escondido por tanto tempo, e, assim como o relacionamento de Ricardo e Isobel fora descoberto por Reymond há dois anos, ele também foi descoberto por Ralph, apenas de modo diferenciado.

Isobel nunca soube ao certo como é que seu marido tomou conhecimento de seu antigo noivo às escuras, nem nunca tivera coragem de perguntar-lhe. A verdade era que o coronel Lopes, numa de suas muitas conversas com o tenente Hayes, acabou por mencionar a “insensatez adolescente” de Isobel, e seu interlocutor, curioso e sem compreender o que o outro dizia, incitou-o a falar mais a respeito, o que não teve um fim agradável: a conversa terminou com um coronel de o rosto muito corado, porém de íntimo consolado pelas escolhas mais recentes de sua filha, e com um tenente ainda mais ruborizado de indignação pela omissão de tudo por parte de sua esposa.

Como os dois já haviam adquirido a mesma casa em que Isobel moraria pelo resto de sua vida, assim que o tenente Hayes voltou de sua visita do sogro não demorou a encontra-la no quarto que dividiam.

- Isobel. Preciso falar com você.

A conversa que teve sequência a essas sombrias palavras proferidas por alguém de semblante ainda mais sombrio é facilmente imaginada, assim como as discussões e argumentações a favor e contra a causa de Isobel. Como sempre, a teimosia e inflexibilidade dela foi imperante, e todo o amor e indolência de Ralph – apenas quebrados momentaneamente pela surpresa – aceitaram-na de volta com as seguintes palavras:

- Isobel, eu só quero que saiba que não precisa manter segredo de nada o que venha a afligi-la. Mesmo que isso me encha de insatisfação, eu prefiro saber a verdade e me conformar com ela do que ser mantido no escuro com mentiras suas.

- Não era só por receio que você se encolerizasse. – ela desabafou, encorajada pelas palavras suaves de Ralph – Eu me arrependo do que fiz. Tenho vergonha de certas ações, e meu rompimento com Ricardo...

Ralph estudou sua esposa com cuidado, com receio crescente de onde ela poderia chegar. Como ela não continuou, ele disse apenas:

- Você me ama, não é mesmo?

- Sim, eu o amo.

Isobel afirmou, porém, ao repetir a mesma frase para si, não estava certa de sua confirmação. Permaneceu ao lado de Ralph naquela noite, martirizando-se em silêncio.

Alguns dias após a descoberta do noivado de Isobel e Ricardo, Ralph Hayes procurava por seu irmão, onde saberia que ele estaria: no estúdio de fotografia.

- Bom dia, irmão! – o mais velho cumprimentou, e o outro respondeu no mesmo tom alegre.

Eles passaram certo tempo trocando novidades e ideias, já que o estúdio estava vazio, e não haviam fotos a serem reveladas. Num determinado ponto da conversa, Ralph se aventurou a dizer:

- Você acredita, Reymond, que minha esposa já foi noiva daquele marceneiro La Fontaine? Ricardo... creio que este é o nome dele. Homem casado, e acredito que ganhará seu primeiro filho no próximo ano!

Reymond manteve silêncio, com o semblante fechado. Era incapaz de mentir para seu irmão. Depois de um tempo refletindo, admitiu:

- Eu sabia, Ralph. Eu vi os dois juntos antes que você voltasse a Valliria. – perante o silêncio de seu irmão mais novo, Reymond continuou, na esperança de que pudesse se justificar – Eu não quis magoá-lo, irmão, por isso mantive segredo. Ademais, havia prometido ao casal que não diria uma palavra. Não queria que você desistisse de Isobel, como talvez fizesse se soubesse o que eu sabia. Sei que é perseverante, mas tem muitos princípios, e se deixaria abalar por uma decepção como esta.

- Então você preferiu me proteger? Mas como tinha certeza de que os dois romperiam? – Ralph perguntou. – Isobel contou-me parte da história, mas não deu detalhes. Eu não insisti.

Reymond deu um grande suspiro.

- Eu tinha fé que sua esposa perceberia a má índole de Ricardo. Até cheguei a conversar com ela, e de certa forma me arrependo... Talvez, Ralph, eu a tenha condicionado a desistir do relacionamento. Ou, talvez, eu tenha feito a coisa certa ao avisá-la.

Ralph não conseguia ficar parado, e andava indefinidamente pelo local, aguardando as explicações de Reymond. Seu irmão falou logo depois, encorajado pelo silêncio atento do outro:

- Sempre considerei Ricardo muito ambicioso, isso todos podem ver com a delicadeza e importância que trate sua loja. Quando soube que se casaria com Isobel, não pude evitar maiores suspeitas de que ele teria segundas intenções no casamento. Compreende-me, Ralph?

- Achava que ele queria mais do o amor dela?

Reymond assentiu.

- Eu tenho minhas dúvidas ainda, mas estava quase certo na época. – mais um suspiro interrompeu sua fala – Tenho que admitir que de certa forma também me deixei levar pela esperança de que ela esquecesse Ricardo e viesse a ficar com você...

- Então fez tudo por consideração aos meus sentimentos! – Ralph exclamou, ainda em seu andar inconsistente pela sala.

Reymond meneou a cabeça de modo incerto, ainda absorto em suas reflexões. Nunca tivera uma conversa inteiramente franca com Isobel, a não ser quando ela lhe pedira para guardar segredo, reforçando a antiga promessa. Conseguia ler nas atitudes e expressões dela que a esposa de Ralph ainda não conseguira esquecer-se completamente de tudo, mas ele não suspeitava que ela ainda guardasse ressentimentos dele. Julgava tudo ser parte da reserva ainda maior que passara a ser característica constante do comportamento de Isobel, depois de romper com Ricardo, e achou essa uma justificativa perfeitamente plausível para tal.

Ralph pousou a mão no ombro de seu irmão, após ambos terem passado por poucos minutos de silêncio reflexivo.

- Reymond, esqueça. Não sei por que fui trazer este assunto à tona. Já me resolvi com minha esposa, e não quero ter nada mais a ver com esse triste assunto. Acredito que vocês dois já tenham se resolvido... Deixemos o passado para trás.

Com um sorriso fraco, Reymond confirmou o que seu irmão dizia, de modo que o satisfizesse o bastante para de fato deixar o assunto de lado, e continuar sua visita com um assunto muito mais aprazível para ambos.

Reymond não tinha conhecimento dos sentimentos de sua cunhada, e pensara ter feito o correto, só enxergando anos depois o quanto a magoara. Ela, por sua vez, nunca deixara de amar Ricardo inteiramente, ficando com Ralph por sentir verdadeira afeição, porém, sem amor, e culpando Reymond e a si mesma por não ter seguido adiante com o noivado.

O tempo cuidou para que a amargura e a falta do perdão e autoperdão se tornassem visíveis em suas ações, e se refletissem até o ponto em que Reymond pudesse notá-lo e anotá-lo, cheio de pesar e culpa ele próprio.

Susanna chegou ao fim da leitura. Ainda com o cenho franzido em pura reflexão, ela fechou o diário de seu pai, e guardou-o na caixa junto com o de 1928. Ainda custaria muito para que ela pudesse digerir toda a informação, mas de uma coisa sabia: não poderia culpar Isobel como antes fazia. Já vira pelo o que passara, por todas as suas decepções e desavenças, sem contar no que Susanna não lera, e não tinha interesse em fazê-lo.

Vinte anos deram conta de abafar todas as verdades e justificativas que Susanna acabara de ler, mas ela sabia, assim como sua tia, que, por mais que aquelas informações fossem enterradas, algum dia elas iriam vir à superfície. Fora o que acabara de acontecer, de um modo desagradável tanto para a própria Isobel, assim como o esperado, tanto para Susanna. No entanto, a moça manteria segredo na medida em que sua tia quisesse.

Imediatamente Susanna soube que deveria falar com sua tia. Não sabia onde estava, mas saiu em sua procura tão logo fechou a caixa de papelão e a acolheu em seus braços, levando-a consigo.

- Isobel? Tia? – Susanna chamou ao sair do quarto, mas uma vez entrando e saindo de diversos cômodos da casa. Achou-a no quarto que servia de uma pequena biblioteca.

Ela estava de costas para a porta, sentada ao banco da janela. Não se virou quando Susanna entrou no cômodo, mas de algum modo a sobrinha sabia que ela já notara sua presença.

- Suponho que sua opinião de mim tenha se mantido a mesma, levando em conta meus erros presentes e passados. Lembre-se, por favor, de que nunca li os diários de seu pai, não sei o que dizem de mim, mas fui respeitosa o suficiente para deixar essas memórias dele intactas após sua morte. – ela falou devagar.

Susanna apoiou a pesada caixa na escrivaninha, mas ficou parada ao lado do móvel.

- Não vou me deixar levar pela parcialidade de meu pai. Se há algo que aprendi nessa leitura é que todos têm suas falhas, e, por mais que eu o ame, não aprovo inteiramente o que fez. Não posso afirmar com certeza o caráter de Ricardo La Fontaine, muito menos que meu pai fez bem ao dizer o que lhe disse, e nem preciso. Entendo o quanto deve ter ficado ressentida com ele. – ela fez uma pausa. – Eu tenho sorte por ter Christopher, por tê-lo achado, e pelas circunstâncias terem propiciado nossa união. Sei que assim também foi com meu pai e minha mãe, e lamento muito que o mesmo não tenha ocorrido com você, tia. Se você presume que eu a culpe depois de ter lido o que eu li, está enganada. Eu lhe perdoo. – ela fez outra pausa, esperando qualquer reação, mas não a teve – Aqui estão os diários. – completou com mais suavidade.

- São seus, por direito. – Isobel respondeu num tom de voz quase inaudível.

- Não os quero. Eram propriedade de meu pai, e contam uma história que dizem mais respeito a vocês dois do que a mim. Se me couber dar um destino a eles, os queimarei. Então prefiro deixá-los com você para que o faça você mesma, se quiser.

Isobel lentamente concordou com a cabeça, e permaneceu em silêncio. Susanna não achou mais nada o que dizer, e foi seguindo para a porta, até parar pouco antes de fechá-la, lembrando-se de algo.

- Quanto a Lucy... Que complicado destino... – Susanna se segurou para não soltar uma risada mórbida que não tinha lugar ali – Por favor, ela ama tanto Henry quanto eu amo Christopher, e a senhora conhece muito bem esse poder e seus limites. Vá ao casamento. Farei o melhor possível para manter Ricardo La Fontaine e esposa longe de onde possa ver, mas prometo que não direi uma palavra a ninguém quanto as suas razões.

Isobel manteve silêncio. Na escuridão quase noturna que a tempestade se formando do lado de fora trazia, era difícil distinguir quaisquer expressões. Por fim, Susanna ouviu, tanto aliviada quanto satisfeita:

- Muito obrigada. É bom saber que depois de tantos anos eu encontro algum suporte. Sabe, sempre me consideraram a vilã de toda a história.

Vendo que a conversa por ali havia terminado, Susanna se retirou do quarto. Poderia deixar uma rosa para sua tia na manhã seguinte, sem que ela visse, mas óbvio o suficiente para saber quem era sua remetente.

Os dois casamentos se realizaram em datas próximas, porém, afastadas o suficiente para que uma prima pudesse comparecer ao casamento da outra. Isobel atendera a ambas as cerimônias, e em nenhum momento sequer tivera a inconveniência de esbarrar com Ricardo, graças aos esforços de sua sobrinha. Todos notavam o comportamento mais ameno de dela, porém, nunca deixara sua reserva para trás.

A mania de presentear rosas não abandonara Susanna, e o fazia com frequência. Assim também era com sua mania de visitar o Parque das Rosas. Conseguira apagar os maus sentimentos que a morte de seu pai deixara para trás, e pensava nele sempre com afeição moderada, sem que a saudade a angustiasse extremamente. O Parque só trazia boas lembranças agora.

No dia em questão, Susanna ia acompanhada de seu marido no Parque das Rosas, relembrando muito do que se passara e ansiando o que estava por vir.

- Não posso acreditar que você ainda irá manter segredo sobre Isobel. – Christopher dizia a ela, enquanto os dois caminhavam lado a lado. – Susanna, você tem que entender... Entrou em sua casa furiosa, chateada, e com todas as aparências de que iria brigar com sua tia; saiu de lá serena, diria até chorosa se houvesse lágrimas em seus olhos, e nunca mais disposta a perdoar todas as afrontas que Isobel lhe fez.

Era a segunda vez que Christopher retornava ao assunto do dia em que Susanna lera os diários de seu pai, e mesmo dia o qual se recusara a dizer uma palavra sequer. Ele desde então não dissera nada, mas não podia evitar aquela repentina curiosidade, provocada pelas lembranças do casamento.

- Estou sendo séria, Christopher. O que eu li no diário de meu pai foram verdades o suficiente para justificar todos os modos de minha tia. Ela só tentou esconder algo do qual não se orgulhava, e entendo perfeitamente o porquê.

Christopher olhou para ela desolado; odiava ser mantido no escuro. Todavia, após uma reflexão, concluiu que, se sua noiva insistia tanto em não dizer nada, ela tinha suas razões, e ele deveria ter total confiança nelas.

- Está certo, não a importunarei mais. No entanto não mencione mais esse segredo, deixarei que você se resolva com Isobel.

- Estamos resolvidas, acredite.

De fato, Christopher notara as mudanças na tia de Susanna. Não poderia dizer que estava mais alegre, mas notara um pouquinho mais de boa disposição nela, o que, levado em conta seu comportamento passado, era uma diferença.

Os dois continuaram a caminhada em silêncio por mais algum tempo. A ponte sobre o rio poderia ser o lugar favorito dos dois, mas não era aonde queriam chegar, ao invés disso, caminhavam pela orla do Parque, com perfeita vista de todas as construções do outro lado da rua, em direção ao antigo cinema de Valliria, que acabara de passar por reformas.

Isso não pôde evitar que Susanna se recordasse de Ralph Hayes e Isobel Lopes, que há tantos anos possivelmente haviam percorrido o mesmo caminho. Reymond havia mencionado mais de uma vez como seu irmão adorava levar a noiva para o Parque, e, depois, ao cinema. Ralph era um nome constante nos diários de seu irmão mais velho, consequências de um amor fraterno incomparável.

- Você está sorrindo. – Christopher ressaltou, ao olhá-la. – Posso ser engraçado, Susanna, mas não me recordo de ter feito nenhuma piada.

Ela sorriu ainda mais, respondendo simplesmente:

- Olhe para frente, engraçadinho, acho que o cinema é depois da próxima curva.

Susanna estava certa em sua afirmação: lá estava o novo cinema de Valliria, restaurado a não mais que uma semana. A moça notou que, ao seu lado, ficava um antigo casarão, com grandes portões de ferro, e carvalhos frondosos ladeando a entrada. Era certamente algo que destoava do resto das construções ao redor do Parque, e muitíssimo de seu cinema vizinho. Os letreiros luminosos e piscas-piscas não teriam lugar naquela mansão.

- Aquela não é a antiga hotelaria Houston? – Susanna perguntou, mais uma vez com memórias do diário.

- Sim, é ela mesma. Como está acabada! Poderia muito bem ganhar uma reforma assim como seu vizinho. As últimas notícias que tive é que a estavam vendendo.

- Vendendo? Oh, suponho que seja aquele novo hotel no centro da cidade. Deve ter roubado todos os clientes.

- Eu escolheria esse hotel. Com uma vista dessas, não sairia da janela de meu quarto para nada. – Christopher falou, sorrindo.

Susanna fez um movimento em direção ao cinema, dando as reflexões sobre o casarão por acabadas, mas Christopher a conteve. Ainda olhava para o antigo hotel, apagado por tudo ao seu redor.

- Tive uma ideia, querida. – ele disse. – Chegue mais perto, veja se você consegue pensar no mesmo que eu.

Susanna obedeceu, embora franzisse o cenho para as atitudes incoerentes de seu esposo. Mais uma vez fitou o hotel, notando ainda mais nos detalhes, e vendo o quanto estava abatido de tão abandonado.

- Não o estou compreendendo.

- Estamos procurando um lugar para morar, correto? Um lugar perto do Parque das Rosas, que seja cômodo o bastante para nós dois...

- Está sugerindo que compremos o hotel?! – ela perguntou, surpresa.

- Você esquece, minha querida, que eu estava mesmo querendo abrir um ateliê por aqui, quem sabe um lugar onde possamos fornecer conhecimentos artísticos para jovens... Desde fotografia, até pintura. Sei que talvez transformar um prédio de hotel em uma instituição com espaço o suficiente para ensinar não é o trabalho mais fácil, mas poderia dar certo. O que acha?

Susanna tirou os olhos de Christopher e passou a focar no casarão outra vez. Reformas seriam necessárias. Dinheiro teria de ser empregado na mão de obra, sem contar no dinheiro gasto com a aquisição de gente disposta a ensinar. No entanto, ela conseguia visualizar a sugestão de Christopher perfeitamente.

- Faríamos dali nossa morada, e, ao mesmo tempo, um instituto de artes?

- Se você quiser nomeá-lo assim, é claro. – ele confirmou. – Os negócios de George estão indo bem, e ainda há o dinheiro acumulado das minhas exposições em São Paulo, sem contar o que eu poderia ganhar na venda de meus quadros... – ele ia enumerando os fatos e Susanna ia calculando os gastos. Surpreendeu-se apenas com um item de sua lista:

- Christopher, pretende vender suas obras? – ela perguntou, num lamento.

- Não posso guardá-las para sempre. – ele suspirou. – Exceto uma, é claro. “A Rosa Solitária” pode ficar na nossa sala de estar, se não fizer objeções. – ele apontou para a mansão, como se com esse gesto estivesse chegando até o cômodo que seria a sala.

- Dentre seus quadros, esse sempre foi um favorito.

Ele sorriu, beijando-a.


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Notas finais do capítulo

Reviews? Gostaram? Eu espero que sim, pois tudo se resolveu agora! Não há mais mistérios nem nada, não há mais perturbações. No entanto, vocês terão o epílogo, pois eu odeio despedidas apressadas...