Ela já devia estar acostumada a acordar no meio da noite com gritos lhe assombrando os pensamentos. Já devia estar acostumada com a sensação de que algo saira errado. Já devia estar acostumada com a saudade incomum que lhe habitava o peito. Já devia estar acostumada com o fato de que havia uma a menos. Mas não estava.

 Nunca iria se acostumar realmente com tudo tão fora dos eixos, tão fora dos costumes. O fato é que ambas estavam sozinhas, uma sozinha na vida e outra na morte. Justo? Nem um pouco. Verdadeiro? Até demais. E a loura poderia dizer que sentia-se solitária.

 Apertou o manto de seda contra a pele nua dos ombros e deixou um gemido de angústia escapar dos lábios pálidos. A dor nunca passaria? Já se passaram anos que ela cansara de viver e ainda continuava, esperançosa por algo que desconhecia. Estaria muito bem, obrigada, caso não a tivesse visto naquele estado, porque saberia que sua irmã não estava mais lá, mas ao menos poderia manter a imagem dela viva, mesmo que insana, quando pensasse nela.

 Mas a caçula viu. Viu os olhos sem vida, viu o corpo abandonado. E isto a perseguia por onde quer que ela fosse. O desespero que a dominava quando fechava os olhos e não via nada além de Bella morta era tão forte que chegava a ser palpável. Ela podia senti-lo escorrendo por entre os dedos enquanto toda e qualquer chance de dormir bem aquela noite se dissipava.

 Narcisa sacudiu a cabeça e levantou-se, saiu do quarto e desceu as escadas silenciosamente, com medo de acordar alguém. Seu filho estava ali, deitado no sofá e aparentemente com frio. Ela se permitiu abrir um sorriso fraco e o cobriu com um cobertor leve que estava numa outra poltrona, afinal, precisava cuidar bem daquilo que lhe restara. Caminhou até a cozinha e tomou um copo d'água, estremecendo com o toque gélido do líquido em seus lábios; estava completamente sem sono e solitária.

 Então, sua mente a levou até algum canto do passado. Um passado bonito quando elas eram crianças bobas e inocentes, brincando com as bonecas de porcelana que Andie ganhara. Certamente a outra irmã detestaria ver as duas mexendo em suas coisas, mas elas não ligaram para isso no momento. O sol agradável contra suas peles pálidas, o conforto que uma trazia à outra e as risadas infantis era tudo o que precisavam para serem felizes. Sim, felicidade era a palavra certa. Foi a época na qual Narcisa mais sentiu-se feliz.

 Antes que pudesse perceber, seus pés a trouxeram até o porão e a sensação nostálgica a atingiu tão forte que ela desabou. As mãos trêmulas e já meio enrugadas vasculhavam desesperadamente as fotos, as recordações, as cartas, as bonecas, as lâminas e a felicidade que um dia ela conheceu. Apertou tudo no próprio corpo, como se isso pudesse levá-la novamente à época perfeita de sua vida. A época que ela não precisava se importar com a segurança da irmã pois sempre sabia onde esta estava, a época que ela não lutava contra tudo em que acreditava por causa da mais velha, a época em que ser como sua irmã estava no topo de suas prioridades.

(I long to be like you, lie cold in the ground like you.)

  Ela lutou arduamente contra toda a vontade de ir até o local de recordação da mais velha e se jogar ali, para que seu corpo e alma se conectem novamente com a da outra. Sentia que estava perdida em algum lugar, uma alma navegando pela escuridão e, por mais que soubesse que sua irmã nunca admitiria, estava tão triste e melancólica quanto ela. Isto, é claro, se pudesse admitir alguma coisa. Sabia que, se ela pudesse, estaria tão sozinha quanto a própria Narcisa. E como uma boa irmã mais nova, Cissy diria que estava ali para sempre. Porque elas eram tudo uma da outra, significavam exatamente o mundo perfeito uma para a outra.

   (You're not alone, don't matter what they told you, you're not alone.

     I'll be there beside you forever more.)

  Mas ela nunca mais teria essa chance. Nunca mais diria uma única palavra para Bellatrix e nunca mais ouviria a voz aveludada desta. Nunca mais veria os olhos calorosos lhe fitando com certo interesse. Nunca mais sentiria o cheiro doce da pele da mais velha quando elas se abraçavam antes de irem dormir.

 Tudo o que Cissy queria era a outra de volta e como sabia que nunca mais a teria, tudo o que ela passou a querer era, ao menos, estar junto da outra. Mesmo sem poder sequer respirar. Mesmo a sete palmos abaixo da terra.

  (I long to be like you, sis. Lie cold in the ground like you did.

  There's room inside for two)

  Havia espaço para dois corpos, duas almas, duas vidas conectadas. E Narcisa iria continuar buscando isso para finalmente ter paz, sentir-se feliz novamente. Precisava estar junto da pessoa que mais amou e lutou por. Precisava estar junto de Bellatrix.

 E então, quando estivesse, não iria precisar de mais nada.

(I'm coming for you.)

 Narcisa estaria completa.