Duo Reality escrita por Warfighter


Capítulo 5
Capítulo 4- O Refúgio


Notas iniciais do capítulo

E é nesse capítulo que as coisas vão se suavizando. Não há tanta descrição do governo e mais narração. Aproveitem!



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Capítulo 4

O Refúgio


Olhei bem para a figura na minha frente. Ela era alta mas não mais alta que eu. Os cabelos vinham até os ombros em um tom de roxo profundo, e eu não sabia muito bem a cor de seus olhos. Eram negros? Castanhos?Azuis? Não fazia ideia. Ela usava um short, uma meia rasgada por baixo e coturnos. A blusa era de uma banda que eu gostava muito.

–Não vai responder não? - disse ela, já um pouco impaciente.

–Gostei da camisa – disse eu. Que coisa idiota de se dizer! Mas pareceu que ela ficara desarmada. Me olhou com um sorriso esboçado:

–Sou Millicent González. Mas pode me chamar de Millie.

–Daniel – disse eu apático.

–Então Daniel... o que você e seu amigo estão fazendo aqui? - me perguntou ela, agora bem mais calma.

Foi só aí que eu me lembrei da presença de Robert. Ele olhava fixamente para Millie. Se estava a admirando ou se estava assustado com a presença de uma garota em um jogo como o Duo Reality, eu não sei. Normalmente meninas gostam de coisas mais reais, como compras nas lojas do governo. Sim, as lojas também são deles. Eles têm que aprovar suas roupas e coisas assim. Somos proibidos de andar com acessórios muito chamativos ou que nos classifiquem em um certo grupo.

Ah.

–Está aqui por causa de sua roupa não é?- perguntei a Millie.

–Apesar de você não ter respondido minha pergunta de novo, sim, eu estou aqui por causa das minhas roupas – disse ela, agora com um pouco de mau humor. Eu nem iria perguntar sobre o cabelo. A mãe dela escolheu essa cor, como a minha escolhera castanho, como a de Robert escolhera loiro e como a mãe dela escolhera preto. Nesse mundo em que vivemos, os bebês são, literalmente, uma encomenda. Gene recessivo e dominante? Isso não existe mais há décadas.

–Então por que não voltou para casa e trocou de roupas?- perguntei.

–Não gosto desse sistema. Acho que nós deveríamos ter nossas próprias opiniões.

–Mas nós temos.- falei. E depois me senti incrivelmente estúpido.

–Deveríamos expô-las.– retrucou Millicent.

–Ah. - respondi debilmente.

Millie saiu andando em direção ao fundo da caverna. Robert e eu ficamos ambos com cara de interrogação.

–Vocês vêm, ou não?- falou ela.

Nós dois nos entreolhamos e resolvemos ir com ela, afinal, o que tínhamos a perder? “Muitas coisas.” pensei na hora, mas depois o pensamento se esvaiu.

Conforme íamos andando, a caverna ia se estreitando e ficando com um cheiro cada vez mais marcante. Era difícil especificar o que era, mas variava entre excremento de morcego e carne assada.

Carne assada?

Continuamos a andar e as paredes se estreitavam ainda mais.

Millicent parou em frente a uma fogueira, e ah, sim, ali estava a carne assada em um pequeno recipiente. Provavelmente antes de fugir, ela levara consigo tabletes de comida instantânea.

Havia um garotinho deitado próximo ao fogo, e ele parecia ainda menor perto da labaredas.

–Pablo. Encontrei a fonte do barulho- sussurrou Millie a ele.

Ele se levantou calmamente. Na verdade, não era tão pequeno quanto eu pensara. Devia ter uns doze anos, e seu cabelo era de um vermelho tão vivo que se confundia com o fogo.

–Olá. - disse Pablo sem nenhum sentimento.

–Olá – retribuí do mesmo modo. E ele, sem cerimônia alguma, voltou a dormir.

–Encontrei-o aqui. - me disse Millicent.

–Por que ele está fugindo? - perguntei.

–Não sei muito bem. - falou ela com uma voz um pouco triste e cansada. - mas não quis pressioná-lo, talvez eu descubra depois, em outra hora, mas eu tenho que deixá-lo descansar. - terminou ela.

Millicent estava de costas para mim, mas tinha certeza de que seus olhos que olhavam fixamente para o fogo, estavam marejados em lágrimas.

–Tudo bem? - perguntei, um pouco hesitante.

–Está ótimo. - respondeu Millie.

Resolvi mudar de assunto:

–Há quanto tempo estão aqui?

–Desde hoje cedo. Se bem que parece muito mais para nós. Somos da divisão do centro, então, o horário está bem diferente por aqui. Falando nisso, de qual divisão vocês são?

–Do sul – disse eu.

–Norte. - disse Robert bem atrás de mim. Era estranha a capacidade dele de se passar despercebido. Também era estranho como ele havia ficado com 1000000000 de XP. Mas desde que meu pai morrera, aprendi a ficar calado. Não sabia se podia confiar em Robert o suficiente para contar a história da minha família. E Pablo: aquele garoto trazia algo consigo. Estranhamente, Millie era a única que me fazia acreditar que eu estava em casa, ela tinha muitas coisas em comum comigo.

–Ótimo. Temos conhecimento das três divisões do lado ocidental, caso precisemos de algo. A base militar mais próxima é a alguns quilômetros de distância. O governo não pode nos achar, nem nos rastrear, a não ser que tiremos nossos capacetes. Vocês já sabem que nosso corpo não está em casa não é?

O quê?– Robert e eu falamos em uníssono.

–Quem vocês são? Isso não é um mero avatar. Não é um videogame comum. Pode ser, se você quiser, mas não é.- ela deu uma longa pausa- Duo Reality te teletransporta para um mundo virtual.

Fiquei pasmo. Por isso não podíamos ter mais vidas! Agora tudo se encaixava: a dificuldade para desmontar o console, a perseguição de Robert... Nem tudo. Ela. Podia tê-la esquecido momentaneamente com toda aquela adrenalina, mas não agora. Lembrava de seu rosto com os olhos em que a vi pela primeira vez. Mas não fora a primeira vez, tinha certeza. Mas de onde? Pensaria nisso depois.

Me servi de um pouco da carne que havia no recipiente.

–Veio bem preparada não é? - comentei.

–Peguei do estoque da minha mãe. Ela é nutricionista servidora.- me respondeu distraída. Então se enrolou em um saco de dormir – pegue um pra você também. Boa noite.

A mãe dela era nutricionista servidora... A pessoa que avalia as necessidades energéticas dos militares e fabrica seus tabletes de comida... Nunca imaginaria que a profissão de um membro da família de Millicent seria esta. No mínimo, músicos excêntricos, para escolherem roxo para uma cor de cabelo.

Mas isso não era da minha conta. O sono também começara a me incomodar, então, peguei um saco de dormir e me encostei na parede. Todos já haviam dormido, mas eu não podia. Ela. Ela. Meus olhos foram se fechando devagar, e de repente, eu não conseguia pensar em mais nada.







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