Meu Quase Melhor Amigo escrita por JéssicaSuhett


Capítulo 1
O1 x O1




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Quando pequena, tive um alguém especial para chamar de melhor amigo. E durante anos, fomos somente eu e ele; meu pai.

Quando mamãe morreu, e deixou-me sentindo sozinha e perdida, papai me apoiou e me disse que sempre estaríamos juntos. Veja bem, papai é escritor, ele viaja aos lugares para sempre ter uma nova inspiração, e mesmo que distantes, sempre estávamos unidos em nossos corações. E era por esse motivo que eu tinha uma babá, Nanny era algum poucos anos mais jovem que papai, e depois que mamãe partiu, ela foi à única presença feminina em casa. Ela era uma boa amiga.

Bem, papai também costumava ser um bom amigo, até aquele dia.

Nunca fui do tipo sentimental. Odiava abraços e beijos, eu gostava de me manter distante, em segurança. Estava acostumada a apenas a amizade de papai, e de certa forma era o bastante para mim, mas talvez não fosse para ele. Talvez ele sentia-se solitário, eu não o podia culpar, eram coisas demais para quem perdeu a esposa e tinha uma filha para cuidar. Agora entendo isso, mas quando se é criança, as coisas não são tão fáceis de compreender.

Então, o que ele achou que seria a solução, tornou-se um problema.

Naquela manhã, papai retornou de sua viagem sorridente, e de alguma forma estranha e feliz, cantarolou meu nome, enquanto abria os braços para um abraço. Era meu nono aniversário, e eu estava feliz que meu melhor amigo e pai estivesse voltado para mim. Entretanto, ele não havia trago somente presente, ele me trouxera uma madrasta e uma nova irmã.

Ele achou que eu deveria manter uma amizade com uma criança da minha idade. Então casou-se com a mãe de Georgina, uma jovem viúva dependente de seu falecido marido, não era amor, mas ambos acreditavam que era o melhor a ser feito. Só não esperavam a minha reação, que devo acrescentar, não foi nada boa. Eu não queria uma nova mãe, e muito menos uma irmã. Eu não queria dividir e perder mais nada. Eu apenas queria sua amizade e sua presença ao meu lado.

Meu choro aquela manhã, foi entendido completamente errado. Não eram lágrimas de felicidade, como minha madrasta supunha, mas sim de tristeza, pois foi empurrado à mim a escolha de reconstruir uma nova família.

Naquela noite, Nanny ficou ao meu lado, contando-me histórias. Então,  de súbito lembrei-me de cinderela.

─ Isso soa como a Cinderela. ─ Comentei depois de longos minutos calada.

─ Meu anjo, dê uma chance ao seu pai e a sua nova madrasta. Talvez ela seja boa para você, querida... Seu pai só queria colocar alegria nesse coração. ─ Nanny, dizia enquanto penteava meu cabelo, trançando-os logo em seguida. ─ Sei que deve estar magoada, afinal, ele pegou nós duas de surpresa, mas seu pai sabe o que faz.

─ Eu tenho medo. Ele é meu melhor amigo. E se ele deixar de me amar? ─ Minha voz era um miado baixo.

─ Oh criança, ele nunca vai deixar de lhe amar. Você é a princesa dele. ─ Ela beijou minha testa como fazia todas as noites. ─ Agora durma. Amanhã novas aventuras lhe aguardam.

─ Você estará aqui amanhã? ─ Meus olhos piscavam, e tudo que consegui observar foi seu pequeno e genuíno sorriso.

─ Como todos os dias. ─ Sua resposta era sempre a mesma, todos os dias.

Naquela manhã, porém, Nanny me aguardará acordar, apenas para dizer adeus. Ela estava partindo. Não lhe necessitavam mais, agora que papai havia casado novamente. Seriamos eu, papai, e elas. As intrusas.

Nanny partiu as 10:00hrs da manhã, eu só voltei a vê-la, dois anos depois, quando ela levou-me um presente de aniversário. Ela me contou que aquela seria a última vez que nos veríamos, pois seu marido fora designado a trabalhar em outro país. Eu ao menos sabia que Nanny havia casado, e então ela partiria com a única lembrança que houve em minha infância.

Muitas coisas mudaram, eu não ficava mais no quarto da frente, eu passei a ficar no quarto ao lado das escadas; Georgina precisava de mais espaço, e o quarto de trás era abafado demais para a sua asma. Naquele ano, passei a estudar em uma das melhores escolas da cidade, juntamente com minha meia – irmã. St. Marta High School. Entretanto, enquanto Georgina se transformava na garota mais popular do colégio, eu segui o caminho totalmente oposto, tornando-me uma invisível.

Em casa, as coisas começaram a ficar diferentes, minha madrasta me ignorava a maior parte do tempo, e quando abria a boca para falar sobre mim, era reclamações do quanto desajeitada eu podia ser minha falta de atrativos, e o quanto ela queria que eu fosse parecida com sua querida filha. Papai estava tão atarefado com a publicação do seu novo livro, que não pode me dar atenção.

E então percebi que não havia mais ninguém por mim. Eu havia perdido o meu melhor amigo, e talvez nunca mais houvesse aquela ligação entre nós. Éramos apenas John e Lolla, pai e filha, não havia mais a amizade.

Quando completei quatorze anos, papai não pode estar presente, ele estava em mais uma de suas viagens. Eu estava acostumada a viver boa parte do tempo apenas com elas. Porém, aquele dia era especial para mim, e por mais estranho que possa parecer, cogitei passar um tempo com elas. Resolvi dar uma chance para conhecê-las além do superficial. Como não havia feito há cinco anos antes.

Porém, elas estavam de saída. As observei da escada, arrumando as bolsas. Georgina fazia parte das líderes de torcida da escola, e ela iria torcer na casa inimiga. Meredith estava feliz que sua menina estava seguindo os seus passos.

─ Estão de saída? ─ Perguntei em um fio de voz. Meredith me encarou, suas sobrancelhas arqueadas em deboche.

─ Não que seja de sua conta, mas sim, Georgina tem um grande jogo hoje. ─ Ela me olhou de cima a baixo. ─ A comida está no forno, caso sinta fome, apenas esquente. Jantarei fora com Georgina.

─ Eu poderia ir junto? ─ Pedi, logo acrescentando: ─ É meu aniversário, não quero ficar sozinha.

─ É aniversário dela. ─ Meredith olhou a filha. ─ Ela quer ir a um jogo seu. Talvez seja pela comida. ─ As duas gargalharam. Naquele momento entendi que elas não se importavam comigo, elas tinham conseguido um pai e um marido. Eu era apenas uma coisa a ignorar, eu fazia parte do pacote de John, um pacote que elas não podiam expulsar ou jogar fora. Entretanto, não deveriam se preocupar.

─ Você fica em casa, não gostaria de ser vista em sua companhia, minha imagem ficaria péssima. ─ Georgina pronunciou completamente ácida. Eu já não me importava em ir. Apenas virei às costas, subindo para o meu quarto, esperando o som da porta da frente ser fechada, e só então me permiti chorar.

Eu estava definitivamente sozinha.

As coisas não mudaram muito com o passar dos anos. Na verdade, elas ficaram bem piores; e não tem nada ruim o suficiente que não possa piorar. O high school, mostrou-me isso da pior maneira possível.

**

Quando se tem 16 anos, tudo que os adultos esperam dos adolescentes, são motivos para gritar e por de castigo, acompanhados de uma grande porcentagem de hormônios, rebeldia e desobediência. Bem, eu venho me mantendo bastante longe desse segmento, tenho praticado aulas de xadrez, feito aula extra de cálculo avançado, e frequentando até mesmo as aulas de teatro, mesmo trabalhando na parte cenográfica. Às vezes, até consigo uns minutos para assistir alguma aula de encenação, mesmo que à distância.

O fato é que não é uma tarefa muito fácil passar despercebida pelos alunos do high school, quando não há as provocações e humilhações das lideres de torcida, há os valentões — e esses são os piores. Típicos bad boys, eles andam em grandes grupos, não tem escrúpulos, muito menos misericórdia, eles são brutais. Semestre passado, eles rodearam um aluno do curso de xadrez, o garoto está fazendo tratamento até hoje. Pobre Josh Mcfields.

O high school é uma selva, onde a pirâmide alimentar começa com os sem grupo, evoluindo para os Snakes. Os Snakes são os quase Deuses, todas as garotas veneram e todos os garotos invejam. Eu ainda não consegui compreender como alguém pode realmente gostar deles. Veja bem, eles são um grupo de idiotas correndo atrás de uma bola. Mas mesmo assim eles estão no topo da cadeia alimentar.

Como todo football americano, não poderia esquecer-me da segunda escala da pirâmide, as Nakes. Elas são como heroínas, todos os anos as mesmas ganham o prêmio anual das líderes de torcida. Elas deveriam ganhar um troféu por isso, ops, elas já ganham! Como toda a população do St. Marta as vê: Garotas ricas, bonitas, espertas e talentosas.

Como eu realmente as vejo: Garotas dependentes de seus pais, vadias, mesquinhas e desprovidas de inteligência.

Os valentões estão na terceira escala, juntamente com os descolados em suas motos e seus cabelos de gel. Eles raramente aparecem na escola. O modo deles é completamente controverso, eles não estão realmente se importando para nada, porém nunca se metem em confusão de fato.

Logo após, há os nerds... Os nerds do jornal, xadrez, coral, da banda da escola, vocês entenderam.

E bem, por último, eu. Lola Collins.

Como adolescente, e vivendo nesse cenário escolar deplorável, olhares hostis não deveriam aterrorizar, entretanto por mais que convivesse com eles, não conseguia aceitá-los.  Foi então que encontrei o lugar perfeito, o paraíso em meio ao caos que estava se tornando St. Marta: a biblioteca. O que era apenas um refúgio para meus medos e anseios, tornou-se a maior parte da minha vida escolar nesse território, o conheço como a palma da mão. E depois de presenciar uma cena desagradável, pude confirmar que até esse paraíso já foi contaminado com a imoralidade. Mas bem, contanto que me mantenha no meu lugar de conforto, estou segura das humilhações das Nakes, da brutalidade dos valentões e até mesmo de algumas outras pessoas.

Quando não há companhia, a não ser a dos livros, a curiosidade aumenta. Foi então que descobri a sessão de ficção da biblioteca. Eles se tornaram meus melhores amigos, a cada personagem ou história nova, me perdia entre as folhas amareladas e o cheirinho de poeira, e a cada fim de um livro, era como se meu coração estivesse partido. Eu aprendi a amá-los, cada um com sua diferença. Eu aprendi sobre pessoas, sobre coisas, e sobre mim mesma lendo-os.

Livros são bons amigos.

E todas as vezes que visitei esse lugar, não teve uma vez sequer que não senti vontade de simplesmente ficar. Apenas isso, sentar e continuar a ler até todos os livros da sessão de ficção acabar, e quem sabe poder devorar os da sessão de mistérios.

A verdade é que conviver com os livros é muito melhor do que com os seres humanos, principalmente os adolescentes. Eles podem ser cruéis quando desejam; Muito cruéis de fato. livros são como bálsamo; dão-lhe alegria e te fazem viajar sem sair do lugar. Faz-nos acreditar que sempre terá algo melhor no amanhã e que não devemos perder a fé. Incentiva-nos a acreditar em algo que já perdemos a esperança.

Meu pai é um ótimo autor, escreveu vários best-sellers usando um pseudônimo. Acredito que isso lhe dar mais liberdade para sua criatividade. Aprendi a amar os livros com meu pai, mas aprendi a apreciá-los por mim mesma.

Em dias de chuva, passo o meu tempo lendo-os apenas por prazer, enquanto todos os adolescentes estão com seus respectivos namorados, ou em clubes, bebendo e pagando vexame. Busco um novo mundo nos livros.

E como sempre, meu horário de almoço não era o suficiente para expressar o meu amor por aquele local, a biblioteca. E eu teria que me conformar e voltar a viver a realidade. Aguentar os olhares hostis e sorrisos debochados. Mas isso é apenas o high school. Provavelmente as líderes de torcida não frequentaram uma faculdade por engravidar de algum jogador de futebol, que talvez vire um taxista ou mecânico.

Enquanto estarei tendo os meus melhores dias, fazendo algo produtivo, sendo a melhor em uma faculdade renomada, e quem sabe estando em vários tablóides como a melhor advogada de todos os tempos.

Diferente do que todos acham, eles são os perdedores.

Como a vida não é feita apenas de coisas boas, e em algum momento todas as pessoas tiveram que enfrentar o ensino médio. E apenas a vontade de ser alguém muito melhor do que qualquer um deles irá conseguir. Ao toque do sinal para a volta à sala de aula, reuni a bagunça que fiz e encaminhei-me até o corredor abarrotado de alunos. Respirando fundo, andei calmamente pelo corredor, passando despercebida. Tudo que menos queria era encontrar alguma Nake para ser humilhada novamente.

Porém alguém não deveria estar realmente satisfeito com minhas atitudes, e resolveu me punir. Parada em frente à sala de Cálculo I encontrava-se a pior delas. Cherry Bitch Lollipop. Eu simplesmente a odiava, de uma maneira maligna ela conseguia ser pior do que todas as outras juntas. Francesa legítima e portadora de um humor ácido, ela conquistou as atenções dos alunos e caiu nas boas graças dos professores. Ela namorou o capitão dos Snakes em seu primeiro ano no St. Marta. O final deles foi o pior possível, o garoto tinha problemas com drogas e foi preso, ela não aceitou muito bem quando boatos de que estaria grávida surgiram pelo corredor. Quem não ficou muito feliz foi minha meia – irmã, elas estava quase pronta para receber o pompom de líder, porém perdeu em questão de minutos para a francesinha. Georgina nunca chorou tanto como naquela noite.

Esperei enquanto as meninas simplesmente surtavam à minha frente, nada em hipótese alguma me faria passar por elas, o acontecimento quase esquecido de outra semana, me serviu como precaução para nunca, jamais me meter no caminho de alguma naja. Estava tão concentrada em seus movimentos que levei um susto ao escutar as notícias de boas vindas, que ecoava pelas milhares de micro caixas de som espalhadas por toda a escola. Nada diferente dos outros anos. A mesma voz tediosa anunciava o baile mais esperado, por muitos, depois das férias. Home Coming!

Aí está uma coisa que nunca me importei, era apenas um baile idiota para eleger uma rainha que mal sabe soletrar a palavra. Meredith perdia horas organizando os vestidos de Georgina, isso, vestidos, pois um não era o suficiente. Georgina iria “brilhar” esse ano. Revirei os olhos, e então depois de vários minutos esperando apenas que elas sumissem, meu atendido foi atendido.

Admito, não ter com quem falar é realmente um saco, todos me vêem como uma fonte de informações ambulante. Em dia de prova eles — os mesmos que me ignoram a maior parte do tempo — são como meus amigos, conversam e até são legais, apesar de me sentir chateada e muitas vezes irritada. Eu simplesmente espero ansiosamente para que algum professor marque um teste, apenas para que todos dependam de mim e eu me torne essencial na vida de alguém. Por apenas um dia. Esse é meu prazo, um dia.

Acho que todas as pessoas influentes que fizeram um bem a sociedade, também foi excluído por ela, por isso tiveram que se agarrar a algo, para ter um motivo sólido para se manter, algo a dar a quem sempre lhe virou as costas. É meio estranho e egocêntrico, mas sinto a necessidade de crer em mim, por que é isso que ainda me mantém centrada. É apenas o high school, ninguém leva amigos daqui para a vida toda.


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