Quando percebi já era tarde demais, seus olhos se fecharam depois que proferiu suas últimas palavras que foram: “Que pena que não vamos mais nos casar... Finalmente você conseguiu se livrar de mim.”

Mas eu não queria me livrar dele. Jamais quis.

Nem mesmo quando disse que estava tudo acabado. Ambos sabíamos que não estava e era só uma questão de tempo.

Mas de repente eu me via cercada de policiais e ele estirado naquele chão com um cobertor o cobrindo dos pés a cabeça.

Eu o queria de volta, mas como iria trazê-lo de volta? Não era como se ele tivesse viajado para outro continente. Ele tinha ido para um lugar onde eu não poderia trazê-lo de volta, nunca mais.

E isso me doía tanto. Era como se uma faca estivesse rasgando o meu peito com a intenção de atingir meu coração.

De repente um filme passou na minha cabeça, do dia que minha vida começaria a mudar até esse dia de hoje.

Eu estava na produtora que eu e minha amiga de infância, Lisa, montamos juntas.

Eu queria um documentário diferente, um projeto diferente que ninguém jamais havia pensado em fazer.

“O que houve, Beatriz?” Lisa me perguntou.

“Eu estou saco cheio de ficar fazendo esses documentários de festinhas e eventos.” Eu respondi.

“Mas nós estamos fazendo algo diferente.” Lisa disse “O documentário sobre o Michael.”

“Um ex- menino de rua que achou sua mamãezinha. É legal, Lisa, mas não é o que eu procuro.” Eu disse.

“E o que você tanto procura assim?” Lisa me perguntou.

“Diversão.” Eu disse “To cansada sobre documentários sobre o estupro, meninos de rua também. Eu quero algo diferente, Lisa.”

“Bom, eu adoraria ficar para te ajudar, mas agora tenho um compromisso.” Lisa disse.

“Com o Miguel?” Eu a perguntei.

“Sim.” Lisa disse “Me pegou em flagrante.”

“Quando você vai me levar para conhecer seu namorado?”

“Que tal hoje?” Lisa me perguntou “Ta livre no jantar?”

“Claro!” Respondi “Só tenho que avisar em casa que vou jantar fora.”

“A dona Valéria.” Lisa disse com desdém.

“Ah, Lisa. Não faz assim.” Eu disse “Eu sei que você e sua mãe tiveram umas desavenças aí com a minha mãe por causa da fábrica, mas combinamos de não deixar isso interferir na nossa amizade, lembra?”

“Você ainda vai conseguir ver a cobra que sua mãe é.” Lisa disse.

Eu resolvi não discutir mais com Lisa, mas a verdade é que eu sabia perfeitamente o monstro que às vezes minha mãe pode ser.

Mas ainda assim dona Valéria era minha mãe.

Mais tarde, na casa de Miguel, ele preparava o jantar que serviria para mim e Lisa. Seu irmão mais velho se preparava para sair.

“Ei, Eduardo.” Miguel disse a Eduardo que se preparava para abrir a porta “Aonde o senhor pensa que vai?”

“No ferro velho.” Ele disse.

“Ai, Eduardo. Eu já disse que não gosto de ver você andando com esse pessoal do ferro velho, só trás confusão para você.” Miguel disse “E o senhor não se esqueça que está respondendo um processo em liberdade. Querendo ou não você matou um homem.”

“Eu sei, cara!” Eduardo disse “Mas eu juro que vou tomar cuidado.”

“Fica hoje em casa, Edu.” Miguel disse.

“É, uma amiga da Lisa também vem jantar com a gente.” Helena, a irmã caçula de 15 anos deles, disse.

“Agora mesmo que eu saio.” Ele disse “Outra patricinha aqui dentro de casa eu não agüento.”

“Eduardo.” Miguel o chamou.

“O que é?”

“Juízo.” Miguel disse.

“Pode deixar.” Eduardo disse abrindo a porta e dando de cara comigo e Lisa que nos preparávamos para bater na porta.

Eu e Eduardo ficamos nos encarando, e de repente Lisa disse entrando “Vocês vão ficar aí?”

“Por mim está ótimo.” Eduardo disse sorrindo enquanto me olhava de cima a baixo.

Eu apenas soltei uma pequena risada e entrei tentando me esquivar de Eduardo.

“Então essa é a famosa Beatriz?” Helena perguntou.

“É sim.” Lisa disse “Beatriz essa é a irmã do Miguel, Helena.”

“Prazer, Helena.” Eu disse a cumprimentando.

Helena é uma das meninas mais doces e meigas que já conheci na vida, mas ela havia passado por um trauma quase que irreparável recentemente, mas eu só viria, a saber, disso depois.

“Esse é o Miguel.” Lisa disse abraçando o namorado.

“Como vai Beatriz?” Ele disse sorrindo para mim e me cumprimentando também.

“Muito bem e você?” Eu disse.

“Indo.” Ele disse rindo.

“Não vai me apresentar não, Lisa?” Eduardo a perguntou.

“Beatriz esse é o Eduardo.” Ela nos apresentou sem o mesmo entusiasmo de antes.

Lisa e Eduardo nunca se deram tão bem.

“Prazer.” Ele disse segurando na minha mão e me olhando de cima a baixo.

“Eduardo você não ia sair?” Helena o perguntou.

“A comida ta cheirando tão bem que acho que vou ficar e filar o rango daqui mesmo.” Ele respondeu sem tirar os olhos de mim.

“Sei.” Helena disse.

“Melhor assim.” Miguel disse “Bom, então eu vou por a mesa.”

“E eu te ajudo.” Lisa disse.

“Você também quer a minha ajuda?” Eu perguntei a Miguel.

“Não que isso!” Miguel disse “Você é visita.”

“Verdade, Beatriz.” Lisa disse “Deixa que dessa vez a gente arruma tudo.”

“Eu ajudo vocês.” Helena disse.

E Eduardo continuava parado me olhando.

“E você não vai ajudar a sua família a por a mesa?” Eu o perguntei.

“Não, eu fico com a parte de te fazer companhia.” Ele disse.

“Entendo.” Eu disse.

Durante todo o jantar enquanto eu falava do trabalho na produtora, Eduardo não dizia nada. Ele só comia e me olhava, comia e me olhava.

Na época eu pensei ‘que folgado’, mas com o tempo pude perceber que ele também tinha seu lado sério.

Mas sabe também uma coisa que eu não quis admitir pra mim mesma, que eu já havia gostado dele desde aquele primeiro momento na porta.

Antes de ir embora, ele foi me cumprimentar com um beijo bem gostoso na bochecha.

Depois me despedi de Helena, Miguel e Lisa que dormiria lá essa noite.

Saí da casa de Miguel e fui direto para o meu carro, mas de repente pude ouvir alguém me chamando e quando me viro... Era ele.

“Você?” Eu o perguntei “Não acabamos de nos despedir?”

“Eu me despedi de você, mas você não se despediu de mim.” Ele disse com aquele sorriso sexy e maldoso que eu sempre amei.

“Como assim?” Eu o perguntei.

“Eu também quero um beijo na bochecha igual aquele que eu te dei.” Ele disse virando o rosto e se agachando um pouco para que eu pudesse beijá-lo.

Um detalhe, Eduardo sempre foi incrivelmente alto, mas também não exageradamente. Ficava muito bem nele sua altura.

“Está bem, então.” Eu disse cedendo.

Eu fui beijar a bochecha dele, mas quando me dei conta ele havia virado o rosto e eu estava beijando seus lábios enquanto ele já segurava na minha cintura.

Eu parei de beijá-lo e o perguntei se estava louco “Você está louco? Alguém podia ter visto.”

“E daí?” Ele disse “Eu não tenho mais namorada.”

“E seu eu tivesse?” Eu o perguntei.

“Isso quer dizer que não tem um.”

“Mas e seu eu tivesse?”

“Eu daria uma surra nele a ponto dele largar você.” Ele disse.

Eu comecei a rir.

“É sério.” Ele disse.

“Ta bom. Você já ganhou o seu beijo e coisa e tal...” Eu disse “Eu posso embora agora?”

“Só se me prometer que vai me encontrar amanhã às 21h00min nesse exato lugar que nós estamos.”

“Está bem.” Eu respondi entrando no carro “Até amanhã.”

Liguei o carro e arranquei.

Enquanto ainda me via Eduardo disse “Até amanhã, gata.”

Quando cheguei em casa as luzes da sala já estavam apagadas, mas de repente foram acesas por minha mãe.

“Mãe?” Eu a perguntei “Me vigiando?”

“Vigiando não!” Ela disse “Preocupada.”

“Sei.” Eu disse.

“Como uma mãe não vai se preocupar com a filha que nem sequer avisa que não vai jantar em casa?” Ela me perguntou.

“Eu não tenho mais cinco aninhos, dona Valéria.” Eu disse “Sou independente e maior de idade para a sua informação.”

“E para a sua informação, minha filha, você só será independente quando não viver mais sobre esse teto.” Valéria disse.

“É isso o que a senhora mais quer, não é?” Eu a perguntei “Me ver pelas costas pra poder bajular ainda mais o seu filhinho querido, não é mesmo?”

“Isso não é verdade Beatriz!” Ela disse me seguindo enquanto eu me dirigia para o meu quarto “E você sabe disso, minha filha.”

“Boa noite, mãe.” Eu disse fechando a porta do meu quarto na cara dela.

Tudo que eu não precisava era discutir com a Valéria. E eu estava louca pelo próximo dia, o dia em que conheci o mundo dele e comecei a fazer parte dele também.