"Abra os olhos, Annie" eu repetia para mim mesma. Mal conseguia ficar de olhos abertos. Já havia perdido a conta de quantos cara com segundo nome "Willian" eu tinha visto. Já não estava mais conseguindo sequer distinguir o vermelho e o azul. Pensei em tomar mais uma xícara de café, mas sentia que aquilo não iria me fazer muito bem.

Apoiada com os cotovelos na mesa, continuei vendo os papéis. Tinha que ler umas quarenta vezes a mesma linha para entender o que estava escrito. Não sei de onde veio todo aquele sono. 

- Annie, não acha que é melhor você ir dormir? - Percy perguntou.

Pisquei algumas vezes e me virei para ele. Seus olhos estavam cansados, mas não estavam tanto quanto os meus. Os esfreguei e me espreguicei. Infelizmente, toda aquela preguiça e canseira não queriam me deixar de maneira nenhuma. O único problema, era que eu não queria deixar todo aquele trabalho pela metade. 

- Estou bem, Percy. Só preciso de mais café. - digo me levantando.

Percy arqueou a sobrancelha e tirou a xícara de minhas mãos. Acho que ele, tanto quanto eu, já havia percebido que eu tinha tomado café demais. 

- Não, a senhorita precisa dormir. Vem, te levo para a casa. - ele disse procurando as chaves do carro.

Olhei para Zeus, como se estivesse pedindo permissão. Ele esfregou os olhos uma última vez e também se levantou. Acho que todos nós estávamos cansados. Todos mereciam uma bela noite de sono.

- Acho que é melhor írmos dormir. Mas antes - Zeus disse abrindo a gaveta de sua mesa - aquele tal Willian, o que vocês foram visitar, deixou isso para mim mais cedo. - então ele me entregou uma foto.

Nela, estavam ele e Thalia. A foto pareceu ser tirada na mesma época em que a foto que eu achara. Will e Thalia pareciam felizes. Senti muito por eles não terem dado certo. Will usava uma camisa xadrez e Thalia uma camiseta preta com o nome de alguma banda de rock. Estavam lado a lado, sorrindo. Por mania, virei a foto e encontrei algo escrito. "Me declarei para Thalia neste dia, depois que tiramos esta foto. Este foi o pior dia de toda minha vida. Não devia ter dito nada". A letra era muito bonita. Era bem redonda e desenhada. É difícil se encontrar homens com letras bonitas hoje em dia. A única coisa que me intrigou foi o fato de que aquela letra não me era estranha.

Por estar grogue de sono e completamente entupida de cafeína, deixei para lá. Guardamos a foto junto com as outras evidências e fomos até o carro de Percy. Bom, não era exatamente o carro dele, era apenas temporário. Nos despedimos de Zeus o lhe desejamos uma boa noite. Ele fez o mesmo e entrou em sua casa. 

Entrei na Ferrari e coloquei o cinto. Mas assim que me sentei no banco, notei que havia algo caído no chão. Me abaixei, enquanto escutava a porta ao meu lado ser fechada, e peguei algo que parecia ser um brinco. Um brinco grande e espalhafatoso. Cheio de pedras coloridas. Era uma enorme argola, que, por acaso, eu tinha a absoluta certeza de que não pertencia a Percy.

Examinei a peça por mais alguns minutos e me virei para ele:

- Desde quando decidiu sair do armário?

No começo, Percy pareceu ficar confuso. Mas então lhe mostrei o brinco e ele corou bruscamente. Trinquei os dentes assim que pensei no que poderia ter acontecido.

- Isso... Hã... Deve ser da Rache... - ele disse com a maior calma possível.

Arqueei a sobrancelha e tentei me manter calma assim que ele pronunciou seu nome.

- Rachel? - perguntei enquanto ele ligava o carro.

- Sim, nos encontramos por acaso hoje e eu lhe dei uma carona. Algum problema? - Percy perguntou irônicamente.

"Sim, há muitos problemas. Primeiro: estou completamente apaixonada por você, seu idiota. Segundo: eu te beijo e você foge, agora nenhum de nós tem coragem de comentar sobre o que aconteceu. E terceiro: não gostei nenhum pouco disso, na verdade odiei. Então quer dizer que você ainda continua se encontrando com aquela riuva falsa? Pelo visto sim. Já disse que você, Percy Jackson, é o maior Cabeça de Alga que já conheci? Como não consegui enxergar o que está na sua frente? Idiota!" pensei, mas respondi apenas:

- Não, nenhum. - e me virei para frente. 

Fiz questão de deixar o brinco de Rachel embaixo de meu banco, assim não precisaria ficar olhando para ele. Cruzei os braços e fiquei olhando para a janela. Pensei por um momento o quanto eu estava sendo infantil. Na verdade, infantil não era a palavra certa, mas sim ciumenta. Nunca fui ciumenta, muito menos possessiva. Mas quando se tratava de Percy, a situação mudava completamente. 

Lembro muito bem que, quando estávamos no segundo ano do ensino médio, uma vez precisei faltar e Percy fez dupla com outro cara, o qual não lembro o nome. Assim que ele me contou que, como tínhamos um número ímpar de alunos, eu teria que ficar sozinha, senti vontade de matá-lo. Mas me limitei a lhe dizer um "Que bom". 

E esta não fora a primeira vez que isso aconteceu. Na verdade não foram uma nem duas, foram muitas. Estava começando a achar que, desde aquela época, eu já gostava de Percy de um modo diferente. Só não prestava muita atenção aos sinais. 

Mas agora eu sabia. Ou melhor, eu sentia. Sentia que era mesmo Percy. Como Piper mesma havia me dito: Só sabemos que estamos realmente amando alguém quando a felicidade dessa pessoa passa a vir primeiro do que a nossa. Por mais difícil que fosse ver Percy com outra pessoa, se ele estivesse feliz, eu também estaria. 

Olhei pelo canto do olho e o vi conscentrado na estrada. Aquela minha ceninha de ciúmes me pareceu extremamente ridícula, ainda mais agora que parei para refletir. Mas era inevitável. Assim como ele não gostou de saber que beijei Will, não gostei de encontrar aquele brinco aqui. Brincos não caem assim, sozinhos. 

Respirei fundo e me acomodei no banco. Aquele silêncio estava começando a me deixar irritada. Queria me manter séria, mas eu realmente não conseguia. Ficar brava com Percy era uma missão impossível para mim. 

Quando já não estava aguentando, me levantei e disse para meu amigo:

- O que acha de tomármos um milk-shake? Por minha conta. 

Percy me encarou pelo canto do olho e pareceu pensar. Ele não recusava um milk-shake, e eu sabia disso. 

- Do grande? - ele perguntou, me arrancando um sorriso.

- Do grande. - confirmei.

Percy riu e mudou sua rota. Estava indo para nossa lanchonete preferida. Lanchonete de Íris. Era sempre assim. Uma hora, estava os dois de cara feia, e na outra, já estávamos rindo e comendo besteiras. E não existe ninguém que resista a comidas deliciosamente gordurosas. Não demorou muito, chegamos na lanchonete. Peguei um dinheiro de um bolso mais escondido de minha calça e entreguei para Percy. Ele ficou surpreso e não quis aceitar.

- Percy, pegue este dinheiro agora! - digo enquanto ele saia do carro e corria para a lanchonete.

Cavalheirismo nunca foi seu forte.

O que me restava fazer era esperar ele voltar. Todo aquele meu sono que eu sentira na casa de Zeus parecia ter ido embora. Fiquei apenas fitanco o teto daquele carro maravilhoso. 

Meu estômago revirou um pouco. Algo me dizia que estávamos mais perto do assassino do que nunca. Mas ainda parecia ter algo faltando. Como se eu tivesse deixado algo escapar. Pensei em quem poderia ser o suspeito. Por enquanto, tínhamos apenas Will e, mesmo com minha pouco experiencia, posso afirmar que ele ainda não saiu da lista de suspeitos. Havia estudado vários casos de namorados psicopatas. E pelo que notei, Will gosta muito de caça. Provavelmente, tem um gatilho rápido.

De qualquer forma, eu não queria que fosse ele. Will já sofreram demais, não queria um destino como esse para ele. Infelizmente, não sou eu quem decido quem vai para o lado bom e quem vai pelo caminho errado.

Avistei então, Percy saindo da lanchonete com dois milk-shakes na mãos. Sempre pedíamos do grande, nunca menor. Éramos dois sedentários que, provavelmente, deveriam estar o colesterol nas alturas. Ele correu até o carro e abri a porta para que ele entrasse. Peguei o copo cor-de-rosa, com milk-shake de morango. Percy sempre pedia de chocolate.

- Depois te pago. - digo bebendo um gole.

Estava delicioso, como sempre.

- Nem se preocupe. Na próxima, você paga para nós dois. - ele disse também bebendo o dele.

Continuamos o caminho. Desta vez, achei melhor ir direto para casa. Com sono ou não, eu precisava dormir. Para nossa sorte, amanhã seria sábado, e Zeus disse que em sábados, poderíamos chegar depois do almoço. Eu realmente queria adiantar aquela pesquisa, mas estava mais necessitada de sono, no momento. 

Percy me deixou em casa e me peguei pensando se meu admirador iria se manifestar hoje. Abri a porta com um certo intusiasmo, mas não havia bilhete algum ali.

"Vai ver ele estava sem inspiração" pensei. Estava ficando cada dia mais dependente daqueles bilhetes. Seja lá quem os estava mandando, conseguiu mesmo mexer comigo. Mas, infelizmente, eu sentia que esse meu sentimento por meu admirador, não era mais do que um encanto. Não era como o que eu sentia por Percy. Era algo diferente. Mas eu queria descobrir quem era esse meu admirador. Ficaria muito agradecida se ele se manifestasse. 

O sono começou a voltar. Caminhei até meu quarto e acabei dormindo apenas com roupas íntimas. A preguiça de vestir o pijama foi maior. Eu estava cansada, mas de alguma forma não conseguia pegar num sono. Virava de um lado para outro, tentando encontrar uma posição confortável. Não sei se foi o milk-shake ou o fato de eu estar depente daqueles bilhetes toscos, mas algo não me deixava dormir. 

"Aqueles bilhetes não eram toscos, eram lindos" me corrigi. 

Assim que parei de pensar, consegui dormir. Não sonhei com absolutamente nada. 

Acordei com a luz do sol batendo em meu rosto. Abri os olhos devagar e vi que o dia já estava completamente claro. Olhei no relógio e já passara das dez. Fiquei feliz. Tinha um bom tempo que eu não dormira tão bem. Me espreguicei na cama e levantei, sentindo o vento frio da manhã bater em meu corpo. Tomei um banho rápido e coloquei uma roupa. A mesma de sempre: calça jeans, tênis, e hoje decidi colocar uma camisa branca de mangas três quartos. Penteei o cabelo, fazendo um rabo e desci para comer alguma coisa.

Estava com fome, então peguei uma fatia de pão e caprichei no requeijão. Peguei um copo de leite e comi o pão com gosto. Meu estômago agradeceu. Olhei no relógio e vi que mal passara das dez e meia. Hoje eu havia me arrumado rápido. Percy passaria em casa às uma, e isso me daria tempo suficiente para arrumar minha casa.

Morar sozinha tem lá suas vantagens, mas com o tempo a casa começa a ficar completamente bagunçada. Agora eu entendo toda a preocupação que minha mãe tinha com relação a isso. Ver minha casa completamente revirada estava começando a me dar nos nervos. 

Comecei pela lousa. Felizmente, como quase não paro em casa, não havia tanta coisa acumulada assim. Terminei de lavar a louça rapidamente. 

Quando estava indo para o cesto de roupas sujas, para separá-las, escutei a campainha tocar. "Salva pelo gongo" pensei, eu odiava lavar roupa. 

Corri para a porta e estranhei alguém vir até minha casa nesse horário. Poderia ser Percy. Poderia ser Luke. Poderia ser até Will, não duvidaria disso. Mas assim que abri a porta, dei de cara com a última pessoa que eu queria ver. Ela me encarava indiferente, com o nariz arrebitado. Apesar de ser cedo, sua maquiagem estava perfeita, sem nenhum borrado. 

- Rachel?