Perdi a noção do tempo enquanto estava nos braços de Percy. Ficamos abraçados por um bom tempo. Eu não sabia ao certo que iria querer ir ao enterro, mas sabia que era o certo. O corpo já estava em estado inicial de decomposição, então não poderia esperar mais. Pensei em levar algumas fotos que eu tinha ao lado de Thalia. Seria uma luta para encontrá-las, mas eu sentia que seria a coisa certa a se fazer. Seria o mínimo que eu poderia fazer por ela.

Levantei minha cabeça e encarei Percy por um minuto. Eu havia tido uma ideia, não era uma coisa normal que eu pediria para ele, mas me sentiria melhor assim. 

- Percy, dorme comigo, só por hoje? - perguntei. Senti que meu rosto enrubreceu.

Ele me olhava confuso. Estava com as bochechas vermelhas, o que o deixava muito fofo, apesar do momento ser delicado.

- Claro, Sabidinha. Sei que por causa de tudo, você está... bem... frágil, assim eu diria. - Percy disse tirando uma mecha de cabelo do meu rosto.

Eu não queria dormir sozinha. E tinha a plena certeza de que não iria conseguir dormir por um minuto sequer. Seria bom ter alguém para me fazer companhia. E para me proteger caso Luke resolva me fazer uma visita surpresa.

Sorri para Percy e me levantei do banco. Ainda não tinha falado com Zeus. Queria dizer a ele palavras que o confortassem, mas vindo de mim, não tinha muita certeza que daria certo. Tirei aquela roupa horrível que temos que usar toda vez que entramos naquela sala e a deixei em um canto. Não demorou muito, Quíron saiu e nos entregou um papel. Era a certidão de óbito. Nela estava escrito a data da morte e a causa. Tinha entendido o recado, tínhamos que entregar aquele papel para Zeus.

Nos despedimos de Quíron e fomos até o carro. Percy me olhava de um jeito estranho. Parecia curioso, e surpreso ao mesmo tempo. Pensei que ele iria ligar o carro logo de cara, mas ao invés disse, pegou o celular e começou a digitar uma mensagem. Assim que terminou, guardou o aparelho de volta no bolso e só então ligou o carro. Me perguntei para quem fora aquela mensagem que ele mandara.

- Está com fome? Podemos pedir pizza. - eu disse enquanto observava as figuras que se moviam pela janela.

Percy assentiu e continuou dirigindo. Ele parecia ansioso, ficava se mexendo o tempo todo. Arrumava o cinto de segurança de 5 em 5 minutos. Quase adivinhei o motivo daquela agitação toda.

- Percy, está tudo bem? 

Ele pareceu ser pego de surpresa. Levou um leve susto mas se recuperou no mesmo minuto.

- Sim, Annie... Só estou com fome... eu acho.

Arqueei a sobrancelha. 

- Percy, você está assim só porque eu te convidei para dormir comigo hoje?

Ele então ficou mais vermelho do que um pimentão. Para sua sorte, tínhamos chegado em minha casa. Percy parou o carro e colocou as duas mãos no volante. Ele estava realmente nervoso.

- Olha, Annie... Eu sou homem, e você sabe como a imaginação mascula é... fértil! 

Assim que Percy disse isso, senti meu rosto corar bruscamente.

- Percy, anda tendo fantasias sexuais comigo? - digo um tanto rude.

Ele me encarou nervoso. Estava com a respiração muito alterada, isso era fácil de se notar.

- Não, é só que... Vocês, mulheres, sempre gostam de dormir com pijamas curtos... Ainda mais nessa época, que não está tão frio assim. Então eu fiquei meio nervoso por pensar... bem, você sabe...

Meu estômago revirou. Meu pijama nem era tão provocante assim! Mas, claro, homens... Entendi o lado de Percy, ele só não queria acidentes. Foi bom ele ter avisado, assim eu dormiria de calça e camiseta. Me senti um tanto sem graça. Mal sabia o que dizer.

- Hã... Claro, eu te entendo. Prometo que não irei dormir de shorts como eu sempre durmo. Hoje eu durmo de calça. - eu disse tentando acalmá-lo.

Percy suspirou aliviado. Me senti aliviada também. Não queria que ele me agarrase a noite com aqueles braços durinhos. Ou então que me mostrasse aquele... Ah Deus, o que estou pensando? Foco, Annabeth! pensei comigo mesma. Meu coração deu um pulo só de pensar em Percy só de cueca.

Para evitar mais pensamentos indevidos, sai do carro e senti o vento fresco da noite bater em meu rosto. Percy apareceu logo atrás de mim. Ambos estávamos envergonhados um com o outro. Abri a porta de casa e fiquei um tanto decepcionada ao ver que não havia nenhum bilhete no chão. "Vai ver ele não estava inspirado" pensei. Tranquei a porta e fui para a sala com Percy.

Ligamos para uma pizzaria e pedimos uma pizza de Mussarela, minha preferida. Depois, viramos uma antiga caixa cheia de fotos velhas. Eu havia pedido para Percy me ajudar a encontrar algumas fotos com Thalia, para levar até o enterro amanhã. Ele concordou. Ficamos horas vendo fotos. Eram tantas lembranças... Eu era uma criança muito linda, não querendo me gabar. Tinha fotos desde meu primeiro aninho, até minha formatura na faculdade. Eu havia trazido a caixa da casa de minha mãe assim que me mudei para esta casa.

Percy se divertiu rindo de mim. Tudo por causa de algumas fotos onde eu estava banguela. Eu amei tanto arrancar meu primeiro dente, que queria tirar todos os outros que começavam a amolecer. Mas ficou feliz ao ver que eu havia guardado nossa foto na formatura do 3º ano. Dançamos juntos. Felizes, como sempre fomos. 

Passamos boa parte da noite assim, rindo e comendo pizza. Reservei duas fotos: uma de Thalia e eu no Central Park brincando com bolhas de sabão, e outra minha e de Percy no começo da faculdade. Estávamos abraçados, e rindo como dois bobos. Eu quase havia me esquecido daquela foto, mas vê-la me trouxe boas lembranças. 

Ao terminármos, guardamos as fotos e fui para meu quarto pegar um cobertor e um travesseiro para Percy. Ele iria dormir no sofá, como sempre fazia antigamente. Aproveitei para por meu pijama. Peguei o pequeno conjunto amarelo que eu geralmente usava. "Sim, aquilo seria provocante para qualquer homem" pensei comigo mesma. O joguei em um canto e vesti uma calça de moletom e uma camiseta velha de mangas longas. Estava parecendo uma mendiga. Voltei e levei também a maior blusa que encontrei. Quem sabe assim, Percy não passaria frio a noite.

Ao me ver, Percy arregalou os olhos. Acho que devia estar pensando "Quem é você, mendiga, e o que fez com Annabeth?". Entreguei a ele as coisas e o ajudei a forrar o sofá. 

- Acho que isso não vai servir em mim. - ele disse apontando para minha blusa de moletom.

- É a maior que eu tenho.

Ele então torceu o nariz e me surpreendeu. Tirou a camiseta ali mesmo, na minha frente! Percy nunca foi moreno. Pelo contrário, era branco assim como eu. Mas de onde aquele tanquinho havia aparecido? Meu rosto corou novamente. Tentei disfarçar olhando para a TV, mas foi inútil. Percy então vestiu minha blusa e ficou com parte dos braços de fora. Ela parecia ser uns dois números menores para ele, mas para mim ficava gigante.

- Eu disse. - Percy falou apontando o quanto a blusa havia ficado pequena.

- Mas não tenho nenhuma maior. Fazer o que se você é gordo? - digo rindo.

Percy jogou o travesseiro na minha cara, mas eu não revidei. Custei a acreditar que estava com sono. Fui para meu quarto e me enrolei em meu cobertor. Estava agradavelmente quente ali embaixo. Não demorou até que eu pegasse num sono. Pensei que demoraria horas para poder fechar os olhos, mas dormi como uma pedra até as 7h da manhã. 

Acordei pensando que tudo o que eu havia presenciado não havia passado de um sonho. Desejei que tudo aquilo fosse mesmo um sonho. Mas me dei conta que não era assim que vi Percy perambulando por minha casa. Ainda era cedo, mas ele provavelmente não havia dormido muito. Me levantei e apenas penteei meu cabelos. Fui para o banheiro, fiz minha higiêne matinal e voltei para a sala. Por incrível que pareça, Percy já estava vestido e havia me preparado um enorme café da manhã.

- Nossa, deste jeito vou começar a insistir para que você durma aqui mais vezes. - eu disse, só percebendo depois o quanto deixei Percy constrangido com aquele comentário. Deve ser difícil ser homem nessas partes.

Segundo Zeus, o enterro estava para começar as 9h, mas pensamos que seria bom chegármos mais cedo. Afinal, Zeus era um homem importante, e muitas pessoas iriam até lá para lhe dar seus sentimentos pela perda da filha. Troquei de roupa rapidamente. Coloquei uma calça escura, uma sapatilha preta e uma blusinha de manga longa também preta. Percy já estava com uma camiseta preta, então nem sequer se preocupou em trocá-la.

Fomos em silêncio até o cemitério. Levei comigo, a foto com Thalia. Eu não sabia ao certo o que fazer com ela, mas a estava levando mesmo assim. Meu peito estava pesado. Eu me sentia uma completa estranha. Estava indo no enterro da minha antiga melhor amiga, poderia ser mais estranho?

Percy parou o carro e nós descemos. Tinha muita gente, apesar de ainda ser cedo. Avistei Zeus e Hera desolados. Hera principalmente. Não conseguia nem sequer imaginar a dor que ela estava sentindo naquele momento. Caminhamos lado a lado até que Zeus nos avistou. Ele deixou Hera com uma mulher, deduzi que fosse sua irmã, pois ambas tinham o mesmo formato de rosto. Ele estava com olheiras profundas, provavelmente não dormira esta noite. Sorri de maneira forçada, mas Zeus não se mexeu.

- Queria agradecer a vocês, e lhes informar que o trabalho ainda não acabou. Vou prender o sujeito que matou minha filha, nem que seja a última coisa que eu faça. 

Aquele pequeno comentário fez com que meus olhos se enxessem de lágrimas novamente. Assenti para Zeus apenas, não consegui dizer nada. Iríamos encontrar quem havia feito isso, aquilo era uma promessa. 

Zeus se virou e voltou para junto de sua esposa. 

O enterro se seguiu de maneira triste. Reconheci vários ex-colegas de escola. Nico Di Angelo, o principal deles. Chorou muito. Todos sempre soubémos que ele era completamente apaixonado por Thalia, mas ela só o via como amigo. Senti pena dele. Como seria perder alguém assim? Num momento vocês estão juntos, conversando. E no outro, está no enterro desta. 

Já havia passado das 9h, quando finalmente começaram a mover o caixão, já lacrado para a cova. Sai de perto de Percy por um minuto. Ao redor daquele imenso buraco no chão, haviam muitas pessoas chorando. Eu era uma delas. Vi o belo caixão castanho-avermelhado encontrar o chão duro no fundo. Peguei minha foto e olhei para ela. Naquela época, Thalia e eu mal sabíamos o que estava para acontecer. Talvez nenhuma de nós quiséssemos este destino, mas estava feito. Não tinha como voltar atrás.

"Aguente firme" disse para mim mesma enquanto algumas lágrimas caíam. 

Assim que começaram a jogar toda aquela terra em cima de seu caixão, simplesmente abri minha mão e deixei que a foto pairasse por aquele pequeno espaço até tocar o caixão. Eu sentiria saudades dela. Mas também sentia que parte de Thalia sempre estaria comigo. Suas lembranças, sua risada, os momentos que passamos juntas, nunca me esqueceria de nada. 

- Adeus, Thalia. - digo.

E assim me virei e voltei para Percy. Apenas escutando enquanto terminavam de enterrar minha melhor amiga.