Commentarius Angeli - Um Testemunho escrita por Francisco Lima


Capítulo 7
Capítulo 7 - Um dia de Paz


Notas iniciais do capítulo

Embora as coisas pareçam mais calmas agora, alguns encontros podem ser anuncio de novos perigos e grandes provações.



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Capítulo VII – Um dia de Paz


28 de Agosto de 2011 são 19h36min.

Eu tive um cão quando era pequeno, quando crianças nós sempre pensamos que nossos cachorros serão tão inteligentes quanto os que vemos nos cinemas, aqueles animais que trazem o jornal, os chinelos, enterram ossos, e no caso de alguns filmes até sabem usar o telefone ou tocam piano. Bom quanto aos dois últimos itens eu não tinha muita esperança mesmo, mas nós não tínhamos assinatura de nenhum jornal, e se o meu cachorro pegasse algum chinelo, ninguém o usaria novamente. Porem os nossos ainda dão a pata, rolam, fingem-se de mortos, e se truques inocentes como esses nos surpreendem, o que dizer das habilidades demonstradas por um cão guia? Estes animais auxiliam a mobilidade de deficientes visuais, desviando de obstáculos, encontrando banheiros, elevadores, entradas e saídas, e quando animal e dono estão em boa sintonia, sua comunicação parece telepática, e sua paciência e determinação permitem que ele e seu dono se movam com uma destreza verdadeiramente cinematográfica.

Eu acordei tarde este domingo, o que era obvio que aconteceria tirando pela hora em que fui dormir. Depois do café das onze da manha Allan me ligou, disse que queria dar uma volta com o Lex, e queria que eu fosse junto. É claro que eu aceitei o convite animado, Lex é o Golden Retriever de Allan, seu cão guia.

Pouco depois de receber a ligação de Allan eu fui a sua casa, confesso que eu também estava ansioso para acompanha-lo em seu passeio com Lex, Allan ganhou o animal do irmão do patrão de seu pai. O Sr. Marcos um empresário do ramo da construção civil assim como seu irmão, e amante de competições de adestramento de cães, dono de quatro cachorros de raças distintas dentre as quais esta Max, um Border Collie vencedor de três concursos de adestramento de cães de pastoreio, foi a pessoa que presenteou Allan com Lex.

Pelo que Allan me disse o Sr. Marcos morou por quase dois anos em Michigan nos EUA. “O Estado dos Grandes Lagos” como ele costumava falar pelo que Allan e seu pai diziam. Parece que durante o tempo em que viveu lá, ele adotou um novo interesse por outro tipo de adestramento, o de cães guia para cegos, quando voltou ao Brasil decidiu abrir uma ONG que realizaria este tipo de adestramento. Hoje o treinamento não é totalmente realizado no Brasil, mas ao conhecer o filho de um dos empregados mais irreverentes de seu irmão, o Sr. Marcos fez questão de garantir que Allan receberia seus olhos de quatro patas.

– Olá dona Carolina! – Eu cumprimentei a mãe de Allan quando ela abriu a porta depois de ouvir a campainha.

– Oi Wagner, entre o Allan esta se aprontando! – Ela me disse permitindo minha passagem. Eu esperei por um ou dois minutos sentado no sofá da sala.

– Já estamos prontos, o que acha? – Perguntou Allan surgindo na sala de sua casa com Lex usando uma guia de couro marrom.

– Você parece um cego de seriados televisivos com este cão e os óculos escuros! – Eu respondi provocando alguns risos. Lex era um belo Golden Retriever com pelos longos de coloração clara, creme com uma coleira azul com uma medalha de identificação onde estava gravado o nome Lex. Por trás estavam gravados o nome de Allan e seus números de contato.

– Nossa ele é muito legal! – Eu elogiei.

– Obrigado! – Allan agradeceu – Nós já estamos indo mãe, até mais tarde.

– Até mais meninos, cuidado! – A mãe de Allan sugeriu quando saímos.

Enquanto estávamos andando, Lex guiou Allan perfeitamente, desviando de obstáculos, buracos, pessoas distraídas que surgiam no caminho, ele o guiava de forma tão impressionante que chegava a parecer que Allan realmente podia enxergar estando em sua companhia.

– Eu gostei do nome dele! – Eu Disse.

– Foi uma sugestão minha quando o Sr. Marcos me ofereceu ele, mas eu não acreditei que ele se lembraria disso! – Allan me explicou – o nome quer dizer “a lei” em latim, na época eu era um vestibulando já decidido a prestar o curso de direito. Demorou um tempo, mas ele esta aqui afinal. – Ele concluiu.

– É verdade, faz tempo que você me disse que ia ganha-lo, por que demorou tanto? – Eu perguntei.

– É o tempo do treinamento – Ele explicou – Depois que o filhote é escolhido ele vive com outra família por sete meses, para que se acostume a conviver com muitas pessoas diferentes, além de outros animais e lugares barulhentos. Depois disso ele é adestrado para realizar percursos na rua, com obstáculos e travessias. Com 12 meses se inicia o treinamento de condução inteligente.

– O que é isso? – Perguntei.

– Bom, ele deve desobedecer a uma ordem dada por mim ao observar perigo. – Ele respondeu.

– Eu nem consigo perceber quando você da uma ordem para ele. – Eu disse admirado.

– Eu também me impressiono com isso, é fruto da adaptação que nos fizemos juntos, duraram uns vinte dias e criou uma sincronia fantástica entre nós, acabamos de terminar esse treinamento, foram quase dois anos desde que ele foi escolhido para ser um cão guia. – Ele concluiu.

– E a sua bengala? Você não vai mais usar? – Eu perguntei, mais em função de suas funções adicionais que me haviam sido reveladas nos últimos dias.

– Eu vou continuar carregando ela, e não acho que vou levar o Lex em um passeio como aquele de Jabaquara que fizemos com a Thais.

Estávamos atravessando a rua na faixa com o sinal aberto para os pedestres quando Lex impediu a passagem de Allan e eu parei com eles, um motoqueiro passou por nos após ter atravessado no farou fechado. Nem mesmo eu o tinha visto, fomos salvos pelo cão.

– Nossa, esta aprovada no quesito condução inteligente. – Eu falei para Allan antes de continuarmos a atravessar a rua.

– É uma pena que cães guias sejam tão raros por aqui. – Allan declarou.

– É mesmo, é muito difícil velos por ai! – Eu concordei.

– Isso é porque são muito poucos os cegos que os possuem – Allan esclareceu – No Brasil existem aproximadamente 6,5 milhões de deficientes visuais, você faz ideia de quantas pessoas esse numero representa?

–É um numero muito grande! – Eu respondi.

– Sim, mas o numero só da à ideia de ser grande, mas não esclarece o quanto, veja por esse lado, a segunda cidade mais populosa de nosso país é a cidade do Rio de Janeiro, e ela possui 6,3 milhões de habitantes, menos do que o numero de deficientes visuais do nosso pais – Allan fez uma pausa para respirar e então retomou seu raciocínio – Esta certo que nem todos somos absolutamente cegos, mas eu gostaria que as pessoas soubessem o que é andar com a visibilidade ao menos reduzida para compreenderem que uma ajuda como a de Lex é muito bem vinda, até mais do que isso, é necessária.

Allan sempre foi brincalhão, mas aquelas palavras que acabara de dizer, com certeza estavam entre as mais serias que eu já o tinha ouvido falar.

– Bom, acho que vamos comemorar o dia do cão guia este ano afinal! – Eu declarei.

– Vai ficar para o ano que vem! – Ele disse – A data do dia internacional do Cão Guia é comemorada em 29 de abril. – Ele concluiu e então começamos a rir.

Chegamos ao parque ecológico de nossa cidade e demos uma volta com o cachorro, impressionante como ele é calmo, eu sequer o ouvi latir por toda a tarde. Ate uma coisa inesperada surgiu diante de nós.

– Não pode ser, esse não pode ser o mesmo cachorro, nossa mas é idêntico, o que este cachorro estaria fazendo aqui, tão longe? – Eu me perguntei em voz alta.

– De que cachorro esta falando? – Allan me perguntou sem compreender.

– É um pastor belga, esta bem na nossa frente, eu vi um idêntico antes de te encontrar com a Thais em Jabaquara, pra dizer a verdade até parece ser o mesmo cachorro. – Eu respondi.

– Não acho que seja o mesmo, como ele teria vindo de tão longe? – Allan me questionou.

A pergunta de Allan me fez desviar o olhar por um instante, e quando me voltei novamente para a direção onde o cão negro se encontrava ele já havia desaparecido.

– Eu não sei! – Eu respondi.

– Eu sei que você esta achando tudo isso muito estranho, mas esse cachorro, não deve ser algo para se preocupar! – Ele concluiu.

– Falando nisso, a quanto tempo você conhece a Thais? – Perguntei mudando de assunto.

– Há um ano e meio mais o menos!

– E há quanto tempo você esta envolvido com isso? – Perguntei dando continuidade ao assunto.

– Há uns dez meses! – Ele me respondeu – Para mim foi tão surpreendente quanto para você, ainda é pra dizer a verdade.

– Aquela tarde em que eu vi o anjo lançando um raio contra uma Ave dos condenados...

– Era eu! – Ele me respondeu antes mesmo que eu terminasse a minha pergunta.

– Eu desconfiei depois que vi você jogar a sua lança na ave que estava atacando Pascal – Eu falei dando continuidade à questão – Mas quando o vi no céu, você parecia diferente de uma pessoa.

– E era diferente, era um anjo! – Ele me respondeu com ar de ironia em suas palavras e então rimos juntos mais uma vez.

– Não foi o que eu quis dizer! – Eu tentei me explicar.

– Eu sei, estou brincando com você, olhe eu estava com as minhas asas abertas, não teria como você me reconhecer. – Ele me explicou.

– O que isso de asas abertas quer dizer? – Aquilo havia despertado o meu interesse.

– A Thais vai saber lhe explicar melhor do que eu! – Ele me respondeu.

– Esta bem! – Eu aceitei, e então me surgiu uma nova questão na mente.

– Ei Allan, seu nome de Anjo é Lucas certo? – Eu perguntei, com um ar evidente de que estava prestes a levantar uma questão importante.

– Sim, por quê? – Ele me perguntou querendo saber o que eu tinha em mente.

– Quer dizer que você é um anjo, e o seu nome de anjo não termina com “el” ? – Eu perguntei já não conseguindo conter o riso.

– Você esta decepcionado? Imagina como eu fiquei! Quase tive que voltar pra terapia. – Ele respondeu e então caímos na gargalhada.

Enquanto estávamos rindo, mais uma vez eu avistei aquele fantasmagórico cão negro, o que me fez interromper o ataque de risos, e movido pelos meus instintos, senti minha mão agarrar minha bombinha de asma no bolso da minha calça. Os aparecimentos e desaparecimentos repentinos daquele pastor belga já prendia tanto a minha atenção, que eu levei alguns segundos para notar que desta vez ele estava vindo em minha direção, acompanhado de uma figura que com certeza se destacava em meio a multidão.

O cão vinha acompanhado de uma garota de cabelos negros, lisos, tão compridos, que terminavam abaixo dos joelhos. Seus cabelos estavam amarrados, quando ela chegou mais perto de nós pude ver que ela os amarrava com varias fitas pouco abaixo da cintura, suas pontas eram tingidas de azul, uns trinta centímetros eu acredito, mas se o comprimento de seu cabelo já era capaz de chamar muito atenção, um detalhe em seus olhos ainda era capaz de despertar ainda mais curiosidade. Seus olhos tinham cada um uma cor. Um de seus olhos era um castanho escuro, quase negro, enquanto o outro era um tom escuro e vivo de azul, não pra ser mais exato seu outro olho era violeta. Um tom de íris raro que acreditasse ser uma variante do azul, causada pela permeação da cor de vasos sanguíneos causada pela pouca pigmentação nos olhos.

A garota calçava botas de couro, calça jeans preta, e uma camisa xadrez vermelha, ela usava munhequeiras pretas com três fivelas cada, um apito de alta frequência prateado, destes usados no adestramento de cães, pendurado por uma corrente em seu pescoço, e uma mochila de couro vermelha.

– Oi rapazes, que cachorro lindo o de vocês! – Ela elogiou o Lex, abaixando-se para acaricia-lo.

– Obrigado! – Allan agradeceu.

– Esse cachorro é seu? – Eu perguntei.

– Sim! – Ela respondeu – Mas ela é uma cachorra, seu nome é Aiga.

Depois que ela falou, notei a coleira vermelha com uma medalha de identificação assim como a do Lex.

– Aiga, é um nome legal, bem diferente! – Elogiou Allan.

– Obrigada, Lex também é um nome muito bonito! – Ela retribuiu o elogio.

– E qual o seu nome? – Ele perguntou.

– Dorothy! – Ela respondeu – E o de vocês?

– Eu sou Allan! – Ele respondeu.

– E eu sou Wagner! – Eu respondi.

– Eu confundi sua cachorra com um cachorro desta mesma raça e cor que vi em Jabaquara, na noite em que aquele avião fez um pouso forçado. – Eu comentei.

– Bom, talvez até tenha sido ela! – Dorothy me respondeu olhando em meus olhos – nos fomos visitar uma amiga minha em São Paulo naquele dia e passamos a noite por lá, não é mesmo Aiga? – Ela chamou a cachorra e a acariciou gentilmente. A cachorra demonstrou gostar dos carinhos feitos por sua dona esticando o pescoço para que ela continuasse a acaricia-la.

Dorothy e Allan conversaram por mais alguns minutos sobre seus cães até que finalmente nos despedimos e voltamos para casa.

Bom diário, este domingo foi bem agradável. Só agora me dei conta de que esta foi a primeira vez que não escrevi nada que pareça loucura, ou fruto da imaginação de um cineasta desde que comecei a escrevê-lo. Porem estou quase certo de que verei novamente aquela garota, e que ela tem segredos tão estranhos quanto os meus.




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