Miopia (Ou Um Estado de Espírito) escrita por Frau Schnellfeuer


Capítulo 24
A Muralha da Fortaleza


Notas iniciais do capítulo

Essa vai pra minha cidade.



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A Muralha da Fortaleza (Ou "Romantismo Chauvinista Insuportável")

Eu moro numa cidade pobre. Admito, ela é pobre. De infra-estrutura, de cultura, de poder. E ao invés de tirar-lhe a beleza, é exatamente isso que a torna rica (sem trocadilhos) aos meus olhos.

Não falo das supostas maravilhas que o governo insiste em tentar mostrar pros “hôme de fora”, mas da parte mais sórdida e mais verdadeira da minha cidade; dessa é a que eu mais gosto.

Não que eu aprecie a sujeira (somos a terceira capital mais suja do país) ou admire a pobreza; é que há nessa miséria não assumida, nessa luta constante, nesse caos instalado que atiça, efervesce minha imaginação, faz minha criatividade fermentar mais rápido.

As mulheres tão ridiculamente vaidosas, os homens terrivelmente machistas, as crianças endurecidas e adultilizadas... E há também o esforço, o melancólico esforço de tentar achar graça e alegria no meio da imundície e violência diárias.  Sim, meu povo gosta de rir, e de fazer rir.  Ganhamos fama nacional com isso e dadas as circunstâncias em que o famoso humor cearense nasce, ainda não consegui me decidir se a capacidade de rir da nossa lamentável situação é um dom a ser louvado ou uma alienação a ser sanada.

Não há beleza que os “hôme de fora”  possam vir querer garimpar daqui, exceto algumas velhas praias poluídas e umas mulheres baratas. O turismo na minha cidade é sim, predominantemente sexual e acredito que essa é uma das poucas coisas que temos de nos envergonhar.

O que lamento é que por aqui não há passado. A vida é dura demais nessa fortaleza de pedra, e a muralha de prédios cresce ao longo da orla dia-a-dia, protegendo a capital do salgado vento que vem dos verdes mares de minha terra. Os monumentos aqui não são antigos, são velhos  e o que é velho não é preservado, é demolido para dar lugar ao mais novo, mais funcional, de maior lucro.

Por falta de História, não há beleza aqui além da controversa cacofonia que impera na capital. O nosso centro é um zoneamento velho e empoeirado de galerias entupidas de camelôs e gente (meu segundo lar). Mas é de alguma estranha forma, adorável ver as mulheres de vozes estridentes e anasaladas – esse é o nosso sotaque – comprando roupas extravagantes de tecido vagabundo. A inventividade e vaidade que faltam em mim estão nelas, e elas me encantam por isso.

Por falta de História, não há beleza para olhos ou para ouvidos, e isso endurece meu povo, embrutece seus sentidos, nos torna nada mais que animais humanos que gostam de rir e dançar.

Eu amo essa cidade.

Eu amo sentar naquele espigão, à noite, cercada de mar – meu maior e mais profundo medo , logo atrás do fim do mundo – só pra ver aquela muralha de prédios no seu melhor ângulo, como se estivesse cravejada de diamantes azuis, amarelos, brancos, vermelhos.

Eu amo o tumulto dos centros comerciais, o tráfego por vezes engarrafado, as avenidas, os semáforos moribundos,  as placas deterioradas e perceber que meu lugar preferido em todo mundo está crescendo.

Eu amo olhar pro céu da janela do meu ônibus lotado de todo dia e ver a teia emaranhada e escura de fios elétricos, congestionando o céu de um azul perenemente aberto.

Eu amo essa cidade, cantada por Fagner, por Raquel de Queiroz, por José de Alencar...

Eu amo essa cidade com suas dores, e seus prantos, e seus risos, e suas belezas, e suas pessoas, e sua História... Cada pedaço sujo, cada pedaço baixo, cada pedaço violento...

Eu amo cada pedaço deste lugar chamado Varjota, Cidade 2000, Parque do Cocó, Praia do Futuro, Beira-mar, Praia de Iracema, Benfica, Centro...

Fortaleza-CE, minha terra com orgulho.

 (Sim, não precisa dizer: eu sou uma chauvinista dramática do caralho.)


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Notas finais do capítulo

Cidade 2000 é o nome do bairro onde eu moro (nomezinho enfadonho)... Os outros nomes são meu lugares preferidos na terra. *_*
ósculos da Frau.



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