Pomum escrita por Marina Andrade


Capítulo 3
Capítulo 3 - Chegada




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-Acho que vai gostar, Deebrock. – Otto comentou enquanto voltava da cozinha com alguns sacos de papel branco. Estávamos todos sentados nos sofás do que parecia ser uma sala de jogos, situada no primeiro andar para dentro do navio. Pequenas mesas de quatro ou cinco cadeiras, paredes decoradas com espelhos e um estranho baralho de cartas espalhado sobre a mesa de centro dos sofás me fizeram deduzir que aquilo se tratava de uma sala de jogos. O único lugar semelhante a este que eu já tinha visto era o salão de jogos do Titanic.

-Bolinhos de carne?! – Os olhos de William brilharam quando ele abriu o pacote que Otto entregara. Ele se levantou e abraçou Otto como uma criança que acaba de receber um presente de natal.

-Sirvam-se. – Otto colocou o restante dos pacotes sobre a mesa de centro. – Não é grande coisa, mas foi o que consegui comprar.

Peguei um dos pacotes e vi um slogan em vermelho: “Panificio Adamatti”. Supus que Otto tinha comprado numa das padarias perto do porto, em Roma.

-Então, qual é o nosso curso? – Rose perguntou a Otto.

-Seguiremos com o plano. Vou deixar vocês no porto em Midway, exceto por você – ele olhou para Li – que segue comigo até Atlântida, para relatar ao Conselho sobre a operação e pegar as informações sobre a viagem de boas vindas do nosso querido terráqueo. – Ele sorriu para mim como se eu fosse seu neto.

-E quando é que eu vou poder voltar pra casa? – Li perguntou suspirando.

-Acredito que hoje à noite. No máximo, amanhã de manhã. – Otto respondeu.

-Ok, agora, para o bem do meu traseiro espremido nessa calça jeans, eu vou colocar roupas normais. – Will se levantou espreguiçando. – O Conselho nos mandou roupas, não mandou?

-Bem lembrado. – Otto saiu para a sala ao lado e um instante depois voltou com uma enorme mala cor de pergaminho. – Está tudo aqui. Sirvam-se.

Rose e William avançaram na mala primeiro, Will desesperado, Rose numa ansiedade mais discreta.

-Eu até gosto das roupas humanas. – Morgan comentou enquanto Li separava calmamente suas roupas. Rose tinha saído com um vestido longo nas mãos e sapatilhas, e Will com peças grandes demais para que eu pudesse identificá-las. – É uma pena não termos tênis em Pomum. – Ela comentou olhando pesarosa para seu All Star.

-Não sou muito fã dos tênis, mas vou sentir falta dos pijamas. Muita falta. – Li comentou enquanto pegava suas roupas. Morgan foi logo depois dele. Pegou algumas roupas e as estendeu para mim.

-Tome. Estas são pra você.

Peguei as roupas. Uma calça marrom escura feita de um material semelhante a algodão e uma blusa branca de linho com uma amarra na frente.

-Espero que goste de botas. – Ela me entregou um par de botas pretas, meias brancas e um cinto de couro.

-Eu te mostro onde é o banheiro. – Li me chamou.

14:10 hrs.

-Um cavalo-marinho.

-Não.

-Um tubarão-martelo?

-Também não.

-Um peixinho dourado.

-Definitivamente não. – Morgan me respondeu rindo.

Estávamos conversando no salão de jogos do navio. Otto tinha subido até o convés para se certificar da nossa localização, Li e Will jogavam cartas numa das mesas do salão e Rose estava sentada em outra mesa, escrevendo alguma coisa em um pergaminho com uma pena azulada. Já estávamos todos vestidos e de acordo com Otto bem próximos do porto de Midway, cidade onde desembarcaríamos. Morgan tinha me dito que a separação das dimensões se deu no ano 1200 d.C., o que justificava as roupas terem um aspecto medieval. Rose e Morgan estavam com vestidos longos, porém de mangas curtas e sem espartilho, o que indicava certo avanço em relação aos costumes da Idade Média.

Will vestia uma camisa branca parecida com a que eu usava, porém de mangas curtas e com um colete de couro por cima. Se somasse um elmo com chifres e uma clava dava para colocá-lo de figurante no filme Asterix e Obelix. Li estava mais formal, vestido com uma camisa mais justa e com colarinho pólo, além de um sobretudo comprido e abotoado sobre a camisa. Também tinha ajeitado os cabelos, que antes formavam um ninho sobre sua cabeça. Imaginei que estivesse vestido assim porque tinha uma audiência no Conselho.

-Ah, desisto. – Me rendi. – Não sei qual é o totem do Otto.

-Uma baleia azul. – Morgan respondeu.

Olhei pra ela esperando que ela dissesse “brincadeira”.

-Falo sério. – Ela me olhou levantando as sobrancelhas.

-Eu nunca iria imaginar. – Disse com certo espanto. – Deixe eu entender uma coisa: se Otto é um metamorfo, ele não devia trabalhar para o Conselho como espião ou coisa do gênero?

-Na verdade, nem todos os funcionários do Conselho usam as habilidades de sua raça pra trabalhar. Otto sempre foi capitão do Vetor – ela explicou correndo os olhos pelas paredes do navio – muito antes de servir ao Conselho. Este era um dos principais navios mercantes de Pomum.

-E transportava o quê?

-A bebida mais consumida entre piratas. Rum.

-Quanto mais fico aqui, mais me sinto dentro do filme Piratas do Caribe. – Comentei, olhando para minhas botas pretas.

-Espere até conhecer Port Royal. – Ela comentou com um sorriso de canto. – É o covil dos piratas.

-O nome me é familiar. – Comentei, as aulas de história do primeiro ano me vindo à memória.

-Port Royal já foi uma cidade da Jamaica, o porto seguro dos piratas. De todos os seres mágicos, os piratas foram os únicos a resistirem à separação das dimensões. Muitos decidiram ficar na Terra quando a separação foi feita.

-Mas e o Conselho? Permitiu?

-Para sorte do Conselho os piratas estavam a fim de negociar, e trocaram a liberdade pela promessa de jamais fazer uso de seus dons mágicos na presença de humanos – ela olhou para um porta-retrato que estava na parede ao nosso lado. Nele eu reconheci Otto. – e também tiveram que se mudar. Mais da metade ficou em Port Royal e o restante em Tortuga, com piratas humanos. As duas cidades foram vigiadas pelo Conselho por quase 700 anos, até que os piratas passaram a ser caçados e mortos. De alguma forma, desconhecida até hoje pelo Conselho, os piratas de Port Royal conseguiram transferir uma cópia da cidade para Pomum, em 1692.

-Cópia? – Imaginei um satélite capaz de tirar Xerox.

-É. Sem falhas. Assim que a transição da cópia foi feita, um terremoto destruiu a cidade, vindo ninguém sabe de onde.

-E todos se mudaram para Pomum?

-Todos não, sem sombra de dúvida descendentes dos piratas da Idade Média ainda estão na Terra.

 -Rastreadores os detectam? – Adivinhei.

-Na verdade não. Piratas e os membros do Conselho são como água e vinagre. A maioria deles anda com amuletos e objetos de bronze, como o seu colar, para evitar que o Conselho os rastreie.

-Só não entendi uma coisa. – Comentei. – Por que um ser mágico não gostaria de se mudar pra cá?

-Piratas são ladrões. – Ela respondeu simplesmente. – E é muito mais fácil roubar de humanos, acredite.

-Então, quem tá afim de descer? – Otto apareceu na porta do salão com um sorriso no rosto. – Chegamos.

Assim que ele terminou de falar senti o navio desacelerar rapidamente e parar de forma suave. William saiu da sala e subiu as escadas correndo até o convés. Li foi atrás dele, suas botas fazendo barulho no piso de madeira da escada.

-Você tem elixir, Wall? – Otto perguntou discretamente para Morgan.

-Não, mas não se preocupe. Já passaram das três horas. Dá para aguentar. – Ela vestiu uma túnica verde esmeralda, pouco mais escura que seu vestido. Colocou o capuz e luvas pretas enquanto subia para o convés, me chamando para acompanhá-la com um gesto de mão.

Senti meu rosto paralisar, meus olhos vidrados naquela imagem. O porto de Midway era o primeiro pedaço de terra firme que eu via em Pomum, e foi tão surpreendente que fiquei sem palavras.

De onde tínhamos ancorado eu podia ver um pedaço da cidade. As casas eram medievais, mas as pessoas me causaram o mesmo efeito que o grupo de Morgan e Otto. Todas pareciam emanar uma energia mística que me impedia de parar de observá-las. As mulheres usavam vestidos, porém de todos os tamanhos e detalhes (decotes) que eu podia imaginar. Os homens se vestiam como eu e William estávamos. Apesar de medieval, o visual da cidade parecia uma mistura do cenário de Rei Arthur e do Beco Diagonal de Harry Potter. As duas esquinas que eu podia ver eram ocupadas por uma loja de poções cosméticas e outra de arcos e flechas.

-Até mais Li. – Rose deu um tapinha no ombro de Li e desceu a rampa que Otto tinha aberto para fora do navio.

-Te espero em casa. – Will acenou para Li descendo logo atrás com uma bolsa atravessada em seu ombro. Notei que Morgan e Rose também tinham uma desta, e pela forma quadrada que a de Morgan fazia, imaginei que ela tivesse esvaziado a mochila e passado as coisas para a bolsa de pano, já que o quadrado deveria ser o livro guardião.

-Mande um bife pro Navis por mim. – Li respondeu.

-Até amanhã Li. – Morgan deu um abraço em Li e desceu do navio. – Até mais Otto.

-Navis é um cachorro, eu espero. – Comentei com Morgan enquanto andávamos pela rua principal da cidade. Ela riu.

-Navis é um lobo. – Ela respondeu, olhando pra mim por debaixo do capuz. – Mas não se preocupe, ele é domesticado.

-Ah, tá. – Respondi simplesmente. – Faço ideia.

Andamos pela cidade por cerca de quinze minutos, até chegarmos numa estância de animais.

-Vamos de rena? – Perguntei à Morgan, empolgado com a ideia de conhecer os animais mais eficientes que Porsches.

-Bem que eu queria. – Ela suspirou. – Mas aqui só alugam cavalos.

Rose tinha entrado na estância e conversava com um homem moreno, alto, de cabeça raspada. Ele tocou uma espécie de apito comprido e quatro cavalos trotaram até ele.

-William! – Ele exclamou ao ver Will na entrada da estalagem.

-Travis! – Will o abraçou e só então percebi a semelhança.

-Bárbaro? – Perguntei à Morgan.

-É. – Ela acenou com a cabeça e foi em direção a ele.

-Morgan? Quanto tempo. – Ele se abaixou para abraçá-la, já que a diferença de altura era um tanto quanto evidente. – O que foi que houve com vocês, hein? Se enfiaram no Velho Continente outra vez?

-Nos colocaram em missões de patrulha, sabe como é. – Will respondeu.

-E você? – Ele estendeu a mão pra me cumprimentar.

Olhei para Morgan em dúvida se dizia meu nome ou não. Ela acenou positivamente com a cabeça.

-Ethan Brown. – Apertei sua mão com firmeza. Minha mãe sempre me ensinou que um aperto de mão firme passa uma boa impressão.

-Ele é nosso estagiário. – Morgan respondeu antes que ele perguntasse. – Vai nos acompanhar numa temporada de caça.

-Então vão passar mais uma temporada fora? – Ele olhou discretamente para Rose, que não pareceu perceber. – Que pena. Quando voltarem me avisem.

-Sem dúvida. – Will o abraçou de novo e subiu num dos cavalos. – Acredito que a gente volta antes do ano novo.

-Bom saber. Até mais! – O bárbaro acenou enquanto voltava para a estalagem para atender outros clientes. Rose subiu num dos cavalos.

-Eu já vou. – Acenou para nós sorrindo. – Até mais!

-Tchau, Rose! – Morgan acenou de volta.

-Até mais M. Mande lembranças ao James. – Will se despediu. – Tchau, Ethan.

-Tchau.

-Sabe cavalgar? – Morgan me perguntou enquanto subia num cavalo preto.

-Acho que sei. – Subi na cela do cavalo que restou com certa dificuldade. – Mas não faço isso desde os dez anos. – Guiei o cavalo para frente e ele começou a andar devagar.

-Então? – Ela me olhou em dúvida se prosseguíamos ou não.

-Tudo ok.

16:10 hrs.

Estávamos seguindo por uma trilha larga dentro da floresta há mais de meia hora. Os cavalos corriam o suficiente para me deixar tonto nos primeiros cinco minutos. Morgan estava na frente, guiando o caminho, e eu não conseguia ver sua expressão por detrás do capuz. A trilha estava movimentada no início, a todo o momento passavam pessoas cavalgando e ocasionalmente, carruagens. A floresta era composta por árvores altas, que pareciam pinheiros, só que de galhos mais avermelhados e folhas amarelo-ouro. Depois que entramos numa trilha mais estreita e sem placas, não vi mais movimento.

-Tudo ok aí? – Morgan desacelerou o cavalo para ficar ao meu lado. Desacelerei o meu também, aliviado.

-Discordo de você. Eu ainda prefiro um Porsche. – Comentei. Ela riu. – Posso te perguntar uma coisa?

-O quê?

-Em plena tarde ensolarada, porque você está usando um manto com capuz?

-É complicado. – Ela deu uma pausa antes de continuar. – Qual você imagina que seja minha raça? – Ela me olhou com um olhar curioso.

-Ao que tudo indica, maga. Você não tem orelhas pontudas, nem músculos como os de um touro, não é baixinha o suficiente pra ser um gnomo, e seu visual não combina muito com o que você me disse de espiritualistas.

-Bom, mais ou menos. – Ela abaixou o tom de voz. – Sou mestiça. Meio maga meio vampira.

-Mesmo? – Não consegui conter um sorriso de empolgação. – Sempre quis conhecer um vampiro. 

Ela me olhou com uma sobrancelha levantada, como se duvidasse.

-Desde criança. – Reforcei.

-Bom, prometo te apresentar um vampiro de verdade assim que tivermos chance. Mas se eu fosse uma completa vampira você não estaria suportando o cheiro de carne queimada. – Ela sorriu. – Vampiros não conseguem ficar sob luz solar, mesmo que indireta. A menor claridade já os faz queimar. E também não são capazes de enxergar na luz. Como sou mestiça, consigo ficar na claridade, desde que não bata sol em mim. Porém...

-Porém...?

-Ainda assim incomoda. – Ela ajeitou a luva de couro que usava. – Mais uma razão para termos corrido tanto.

-Tem outras razões? – Perguntei sentindo meu estômago revirar.

-Duas. Não vejo a hora de chegar em casa e quanto mais tempo passarmos em território desprotegido maior o risco.

-Terceira: se eu continuar sacudindo neste cavalo por muito tempo, vou vomitar.

-Aguenta aí, já estamos chegando.

16:21 hrs

James estava sentado no parapeito da janela de seu quarto, com as mãos frias e inquietas. De acordo com a data marcada, Morgan deveria ter voltado durante a madrugada, mas como ele já previa atrasos, não tinha criado uma expectativa tão grande. Mas por maior que fosse o atraso, não passaria de um dia, e o fim da tarde trouxe uma ansiedade inesperada. Foram três meses, afinal.

Escutou um barulho ao longe. No início, pensou que fossem apenas caçadores voltando para casa, mas depois de um tempo pode ver dois cavalos se aproximando pela estrada de terra. Saltou da janela e desceu as escadas escorregando pelo corrimão. Abriu a porta da frente e não pode deixar de sorrir ao ver o rosto familiar sob o capuz.

-James! – Ela saltou do cavalo e correu para abraçá-lo, deixando o capuz cair pra trás.

-Oi! – James disse, sem saber o que falar.

Ethan desceu do cavalo e observou a cena.

-Senti sua falta. – Morgan o soltou.

-Bem vinda de volta. – Ele sorriu, e se sentiu da mesma forma que quando tinha voltado para Pomum depois de três meses trabalhando no conserto de um portal na Terra.

-Oi. Sou o Ethan. – Ethan se aproximou e apertou a mão de James.

-Prazer em conhecê-lo. – James o cumprimentou e sorriu. – Então foi você que fez com que Morgan passasse seis meses fora de casa? – Ele riu enquanto entravam em casa.

-Acho que sim.

Ao entrar na casa, James observou cada detalhe, como se absorvesse a atmosfera do local. A porta dava para um pequeno hall, com quadros e tapeçarias orientais. As portas duplas davam para uma grande sala de estar decorada no mesmo estilo, com sofás, quadros e duas estantes de livros abarrotadas. Apesar de parecer atulhada, as duas janelas de madeira tornavam o local claro e ventilado.

Assim que entrou na casa, Morgan tirou o manto e se jogou no sofá mais próximo.

-Ah, casa. Finalmente.

James se aproximou dela e sentou aos seus pés no sofá, retirando duas botas. Os dois tinham grande intimidade, pensou James, o que contrariava o que Will tinha dito sobre serem só amigos.

-Fique à vontade, Ethan. – James apontou o sofá. - O banheiro é lá em cima, se precisar.

-Por enquanto não, obrigado. – Ethan se jogou num sofá de dois lugares, tomando a liberdade de deitar assim como Morgan tinha feito. Estava acabado, apesar de não ter feito qualquer esforço nas últimas vinte e quatro horas.

-Como foram de viagem? – James perguntou ansioso. Morgan se sentou, ainda com os pés apoiados em seu colo.

-Você não faz ideia! Os dois portais de Nova York estavam bloqueados ontem à noite. Tivemos que passar pelo Mediterrâneo.

-Mediterrâneo?!

-É. – Ethan suspirou.

-De Nova York a Roma. Doze horas. – Morgan mostrou os números com os dedos. James riu.

-Ela não vomitou, não é? – Perguntou a Ethan.

-Não, mas de lá pra cá foram um cinco comprimidos de remédio pra enjoo.

-Soube de alguma coisa sobre o portal? – Morgan perguntou a James.

-Recebi uma notificação há duas semanas, dizendo que Ekra estava conferindo os portais que dão para a América do Norte, e em algumas semanas mandaria amostras para os alquimistas do Conselho. Até agora não recebi nada.

-Morgan, por curiosidade, qual é a sua especialização? – Ethan perguntou, se sentando no sofá.

-Sou especialista em batalhas de campo. Combate.

-Veja só, eu sou o sexo frágil da casa. – James brincou. – Ela é mandada em expedições na Terra e eu fico aqui examinado escamas de dragão no laboratório do Conselho.

-Falando em dragão, você viu o Fosy?

-Ele tem saído muito ultimamente. Acho que arrumou uma namorada.

-Vocês têm um dragão?! – Ethan olhava espantado.

-Mais ou menos. – Morgan respondeu. – Temos uma “versão de bolso”. – Ela fez sinal de aspas com as mãos. - Existem muitos gêneros de dragões. Temos um dragão doméstico.

-Quinze centímetros e duzentas gramas. – James completou. – Mas isso porque ainda é adolescente. Achamos que vai chegar a vinte centímetros.

-Ele é um dos grandes. – Morgan se levantou e foi em direção à cozinha.

-E aquele ali é meu gato. – James apontou para um gato branco que descia as escadas preguiçosamente. – Merle. – Ele e a Morgan não se dão muito bem. – Sussurrou.

-James, me ajuda com o jantar? – Morgan apareceu na sala.

-Pensei em comprar alguma coisa no Java’s.

-Boa ideia. Eu vou. Faz tempo que o Buck não dá uma volta. – Ela pegou o sobretudo e as luvas e saiu pelo corredor.

-Buck?

-Também temos cavalos.

Nesse momento escutavam um cavalo relinchar e olhando pela janela Ethan pode ver Morgan passar correndo pela lateral da casa.

-Ela sempre anda a cavalo nessa velocidade?

-De dia sim. – James respondeu sorrindo. – Vem. Vou te mostrar seu quarto.

22:30 hrs

-Então vamos a doze vilarejos? – Ethan perguntou enquanto terminava sua taça de vinho. Já tinha bebido vinho antes, mas nunca mais que uma taça no natal. Sentia as bochechas quentes e uma leve sonolência que não lhe era familiar.

-Sim. O Conselho possui aliança com doze grandes vilarejos. Os líderes dos vilarejos juntamente com os líderes do Conselho formam a Irmandade. – James explicou, tirando os sapatos e deitando no carpete da sala, ao lado do gato.

-E pra que serve?

-Pra falar a verdade, a Irmandade atua mais de forma teórica. – Morgan explicou.

-Como assim?

-Ela quer dizer elegantemente que não serve pra nada. – James explicou.

-É. – Morgan suspirou e se afundou mais no sofá em que estava. – Mais ou menos isso aí. Há séculos atrás, pouco depois da separação das dimensões, houve a Grande Reunião, em que líderes das antigas aldeias e os magos que fizeram a transferência de Pomum construíram uma aliança, que entraria em ação em caso de guerra. E daí surgiu a Irmandade. – Ela se sentou e ajeitou os cabelos. – Mas até agora, não houve invasão humana significante pra que a Irmandade tivesse que agir.

A campainha tocou, interrompendo a conversa.

-Eu atendo. – James levantou e foi até a porta.

-Olás a todos! – Li entrou na sala e se acomodou numa poltrona. Ainda usava as roupas que tinha colocado para ir ao Conselho.

-Novidades? – Morgan perguntou.

-Sim. Partimos depois de amanhã. Temos duas cópias da rota, infelizmente uma delas está numa cápsula de precisão. Mas trouxe a outra, caso queiram dar uma olhada. – Ele passou um pergaminho a James, que se sentou ao lado de Morgan para analisarem.

-O que seria uma cápsula de precisão? – Ethan perguntou discretamente a Li.

-Isso. – Ele tirou um objeto semelhante a uma bolinha de gude do bolso interno do casaco. Dentro dela uma fumaça azulada se mexia lentamente, contornando o vidro. – A segunda cópia foi colocada aqui dentro, mas o invólucro só abre quando for preciso. Por isso “cápsula de precisão”. Se a outra cópia for destruída, esta se abrirá.

-E se a cópia sumir?

-Então algum membro do Conselho virá abrir nossas cabeças.

-Sem dúvida. – Morgan tirou os olhos do mapa por um instante. – Notou algo de estranho? – Perguntou a Li.

-Notei que marcaram o caminho mais longo. – Ele respondeu.

-Não é só isso. Temos três travessias marítimas e vamos ter que atravessar a montanha Dima por cima dela!

-Ah, que ótimo. – James suspirou.

-Por quê? É muito grande? – Ethan perguntou.

-Não. Mas têm minotauros morando nela. – Explicou. – O que vamos ter pra viagem?

-Cada um pode levar um livro-guardião. Teremos também um baú de armas, dinheiro para as despesas e uma bolsa de alimentos desidratados.

-Oba. Comida em pó. – James disse sem animação.

 -Ah! E um livro com listas de tavernas com hospedaria. – Li completou.

-Nenhum kit médico? – Morgan perguntou.

-Nos deram um pergaminho de autorização para buscar um kit básico numa loja de enfermaria. Mas não se preocupe, o dinheiro das despesas inclui medicamentos básicos.

-Inclui o suficiente pra comprar novas cabeças depois de passar pelos minotauros? – James brincou.

-Bom, de qualquer forma, fiquei responsável pela cápsula, e o mapa original vai ficar sob responsabilidade do Ewan. William vai carregar a comida, Caitlin ficou encarregada do kit de primeiros socorros, Declan das armas, Rose de administrar o dinheiro e você, James, das poções. Estarão no laboratório de New Hanstick, e deixaram um saldo para você escolher umas extras.

-Ok. Memorizou as criaturas terríveis? – James perguntou à Morgan, que ainda observava o mapa.

-Boa parte delas. Faço uma lista pra você pegar antídotos. – Ela respondeu.

-Só uma pergunta. – Ethan disse, largando a taça de vinho que bebia numa mesinha de centro. – Não deram nenhuma responsabilidade pra Morgan? Por quê?

-Porque a minha responsabilidade é a maior de todas. – Morgan respondeu. – Descobrir sua raça e te proteger para que não seja morto.

-A tá. – Ethan tentou não arregalar demais os olhos, para não parecer alarmado.

-Bom, pegaremos a saída que dá para as Montanhas Geladas depois de amanhã. Encontro vocês no lugar de sempre? – Li perguntou, pegando o mapa com Morgan e o guardando no bolso.

-Ok. Às sete em ponto. – James respondeu, acompanhando Li até a porta.

-Então, é isso aí. – Morgan se levantou. – Hora de dormir. Amanhã o dia vai ser longo.

-Morgan. Há quanto tempo...? – James perguntou quando voltou para a sala.

-Uma semana, eu acho. – Ela respondeu séria.

-Tem que ser agora. – Ele pareceu alarmado. – Tem reservas, não tem?

-Tenho. Vou resolver isso já. – Ela subiu as escadas até seu quarto.

Ethan olhava de James para as escadas quando percebeu que não tinha entendido nada. Seria o vinho?

-Não sei se ela te contou, mas de qualquer forma você precisa saber que-

-Ela é mestiça. Ela me contou. – Ethan deduziu. – Tive que perguntar o porquê do capuz e das luvas.

-Ah, sim. Que bom. – James suspirou aliviado. – Ela foi beber sangue.

-Fresco? – Ethan não conteve a pergunta que surgiu em sua cabeça.

-Não, claro que não. Sangue é comercializado nessa dimensão. Algumas pessoas vendem. Existem bancos de sangue, especializados na coleta. É um mercado limpo, não se preocupe. – Ele levantou as mãos, num gesto apaziguador. – Não faz mal a ninguém, as pessoas ganham muito dinheiro e os vampiros não precisam conseguir à força, se é que me entende.

-E todo mundo compra sangue?

-Não. – James respondeu tomando o último gole de vinho. – Mas os vampiros que você vai querer conhecer, sim. – Ele recolheu as taças e caminhou até a cozinha.

-Garotos, até amanhã. – Morgan apareceu no topo da escada com uma garrafa na mão. – Boa noite. – Ela sorriu para Ethan e voltou para o andar de cima, tomando mais um gole da garrafa.

-Boa noite. – Ethan respondeu, e se pegou imaginando com que frequência um vampiro tinha que beber sangue. E o que aconteceria se ele não tivesse uma garrafa disponível numa viagem de três semanas.


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