Alma Gêmea escrita por Joy


Capítulo 3
Capítulo 2




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Mariah morava em um pequeno chalé avarandado, numa cidadezinha no fim do mundo chamada Loistche, a alguns quilômetros de Magdeburg. Um desses lugares frequentados por gente velha em suas férias extremamente chatas, para quais as mães mandam suas filhas, a fim de mantê-las longe da influencia da cidade.

Ela vivia com o namorado, Klaus, e sua gata, Tallulah.

Mariah e Klaus tinham um sebo na cidade. Os dois eram poetas e liam sua obras em festivais de poesia ou nas salas escuras e vazias dos bares da cidade. Mamãe, Jesse e eu fomos a um fomos a um desses recitais no verão passado, num “espaço alternativo” no sul da Alemanha. Os poemas da Mariah eram bem engraçados, mas ela os lia com uma voz tão baixa e com tantos tiques que parecia que estava pedindo desculpa pelo que estava fazendo.

Os poemas de Klaus eram tão ruins que davam dor de cabeça. Não passavam de um palavreado bombástico e interminável, cheio de tolices sobre corpos nus, odores humanos e sobre o poder da luxuria. As mulheres da idade da mamãe pareciam adora-los, encantadas com a aparência de roqueiro de Klaus e com sua possível capacidade de “entender as mulheres”.

Coloquei minha bagagem no vestíbulo e entrei no chalé.

Tive a impressão de estar andando em uma dessas lojas onde se vende tudo que é tipo de bugiganga. Não havia um centímetro de espaço livre. Pisquei várias vezes para enxergar melhor.

–Klaus não está, viajou para comprar livros- disse Mariah animadamente. Ela usava anéis em todos os dedos e centenas de pulseiras cintilavam em seus braços, brigando por minha atenção.

–Tudo bem com você?-perguntou enquanto eu continuava no centro da sala, piscando feito uma retardada.

Antes que pudesse responder ela se foi em direção à cozinha e começou a procurar xicaras, enquanto dizia:

– Não sei quanto a você, mas estou louca por um café.

Resmunguei e me joguei no sofá empoeirado, disposta a ver tevê. Mas dei de cara com os olhos de uma grande gata preta sentada no espaço onde deveria estar a televisão. Piscamos uma para a outra, e ela saltou da mesinha, caiu com um baque surdo no meu colo e começou a ronronar.

Mariah voltou com duas grandes xicaras de café e começou a rir:

–Tallulah gostou de você para ronronar assim. Minha gata não se deixa impressionar facilmente: só vai aonde quer e só faz o que lhe agrada. Muitas vezes vai comigo a livraria.

Tomei um gole de café e fui direto ao ponto:

–Quanto tempo vou ficar aqui?

Mariah suspirou antes de responder:

– O tempo das férias... para começar. Também é preciso resolver o problema da nova escola. Podemos tentar a escola comunitária de Loistche, se você quiser recomeçar sua vida aqui.

Ela se sentou ao meu lado e fez alguns afagos em Tallulah. Depois de um longo silêncio, continuou:

–Veja bem Marina, você já é bastante crescida para saber que não posso obrigá-la a nada. Não posso obrigá-la a contar o que aconteceu na escola, nem força-la a ficar aqui. Não mando em você, nem quero mandar. Pode ir embora quando quiser. Só peço que me comunique antes de qualquer decisão.

E de repente todo o discurso que eu havia planejado no carro sobre: “Você não pode me obrigar a ficar aqui. Vou fugir. Você não pode me obrigar a fazer nada!” , havia ido por água abaixo. Assim que ela disse isso, eu não planejava mais abrir a boca, exatamente como vinha fazendo com mamãe. Ficaria calada até que Jesse, como uma fada madrinha, viesse me libertar com a verdade.

O discurso de Mariah me deixou sem fala. Tomei meu café e permiti-me sentir um pouco melhor. Já que eu podia escolher entre ficar ou não, o lugar já não parecia uma prisão.

–Posso usar o telefone?- perguntei, já que mamãe me confiscou o celular.

Mariah ficou um tempão agitando as pulseira antes de dizer:

–Na verdade, o telefone está cortado.

Por alguns segundos achei aquilo ótimo. Significava um tempo longe da voz irritante da mamãe. Depois, aquilo me chateou. Sem tevê, sem telefone e sem amigos. Nada de diversão e uma eternidade para meditar. É! Talvez algum tempo num acampamento militar fosse melhor que isso.


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