POV Ares

Hera respirou fundo e colocou as mãos na cintura. Eu lancei um curto olhar de ódio para Kelly, que desviou o rosto fingindo não notar. Minha mãe usava uma calça branca com um cinto preto e um suéter azul marinho. Tinha também um colar de pérolas enfeitando o pescoço. Não fazia sentido estar arrumada daquele jeito no meio de um fim de mundo como Edgewater.

Zeus não ficava para trás também. Ele usava uma calça social com uma camisa polo branca. Seu cabelo loiro escuro puxado para trás perfeitamente arrumado.

Hera apontou para mim uma de suas unhas bem feitas e olhou para Zeus mostrando desgosto.

– Ele tem vergonha de nós. – Falou depois dos minutos de silêncio. Zeus cruzou os braços mostrando seriedade para mim. Franzi o cenho sem entender, e minha mãe virou o rosto em minha direção – O nosso filho tem vergonha de nós.

– Do que você está falando? – Perguntou sem entender – O que vocês estão fazendo aqui?

– Viu? Você viu isso? – Perguntou olhando para Zeus – Você viu o desgosto que ele usou nessa pergunta? Ele não nos quer por perto!

– É claro que eu não quero vocês por perto! – Exclamei. Achei que aquilo fosse mais do que óbvio. Hera olhou chocada para mim.

– Como você tem o atrevimento de falar isso para nós?! – Exclamou irritada e incrédula. Ela apontou para Alice, mas manteve os olhos fixos em mim – Ela não tem vergonha da família dela!

– Ela não vai viver muito tempo para sentir orgulho de ninguém. – Comentei rangendo os dentes. Alice tentou se afastar de mim, mas eu a puxei de volta pelo braço – Que história é essa?! O que deu em vocês?!

– Cala essa boca! – Exclamou Hera apontando para mim. Eu engoli em seco e esperei para ouvir mais bronca da minha mãe – Ela chamou você para uma reunião de família! Reunião. De. Família. Todo mundo vai conhecer você, você vai conhecer a família dela, mas e quanto a nós?! Você resolveu, simplesmente, depois de todos esses anos juntos que ninguém precisa nos conhecer?!

– Bem, sim. Partindo do ponto que, bem... Eu não sei. Talvez porque... – Fingi estar pensando e depois exclamei a resposta - Vocês são a família dela!

– Mas eles não nos conhecem! Estou falando da família dela por parte de mãe! – Rebateu ainda com raiva – Você nos excluiu. Eu nunca fui tão insultada por meu próprio filho em todos esses milênios de existência! Bem, talvez pelo seu irmão, mas não por você!

– Como ficaram sabendo disso?! – Reclamei irritado.

– Aí vem a pior parte! – Riu de raiva. Zeus cruzou os braços mostrando que também não estava feliz – Nós soubemos disso através de fofocas pelo Olimpo. Tem noção do quanto eu estou decepcionada com você?! Os outros ficaram sabendo antes de nós sobre essa viagem toda! Ficaram sabendo que fomos deixados de lado pelo nosso próprio filho!

– Fofocas? – Repeti tentando entender. Hera respirou fundo e negou com a cabeça.

– Fale com ele. – Disse com ódio na voz. Zeus tomou a frente.

– Não acha que deveríamos ser apresentados a família da única garota que aguentou você por tanto tempo? – Perguntou fuzilando-me com o olhar – Nós deveríamos ao menos ser mencionados, mas tenho certeza de que você não disse uma palavra sobre nós a esses mortais.

– Novamente, ele sente vergonha de nós! – Exclamou Hera e Zeus assentiu – Eu te carreguei por nove malditos meses! Nós limpamos trocamos suas fraldas, te demos banho, comida, tudo!

Pude notar que Alice prendeu o riso na parte das fraldas. Respondi com uma cotovela que a fez bambear para o lado. Hera, no entanto, me atingiu com um tapa no braço.

– Ei! – Exclamei.

– Ei?! – Repetiu dando-me outro tapa – Não ponha a culpa nela! A culpa é completamente sua! Foi você quem nos deixou de fora, foi você que escondeu a sua família!

– Para que vocês querem conhecer um bando de mortais?! – Reclamei sem acreditar que estava mesmo sendo repreendido por não tê-los avisado – E para que eu ia comentar sobre vocês?! Não tem importância!

– Não tem importância?! – Repetiu chocada e virou-se para Zeus – Você ouviu isso?! Nós não temos importância! – Hera fechou os olhos com força e respirou fundo controlando sua raiva – Fale. Com. Ele.

– Tem importância para nós. – Falou Zeus com irritação – E nós temos importância. – Zeus ajeitou a gola da camisa sem tirar os olhos tempestuosos dos meus – Não vou passar uma tarde inteira aqui dando sermão para você...

– Que bom. – Respondi.

– Mesmo merecendo. – Rosnou para mim, e eu engoli em seco – Vou partir para uma atitude e resolver tudo de vez. Você vai nos apresentar para eles e nós jantaremos juntos para nos conhecer melhor.

– O que?! – Exclamei com raiva.

– Deus do céu, como esse mundo é pequeno. – Comentou Will se aproximando de nós. Zeus e Hera se inclinaram para frente tentando vê-lo melhor – Você conhece pessoas aqui também?

– Ele é tão... – Hera estreitou os olhos, mas depois sorriu ajeitando o cabelo – Simpático!

Minha mãe enlaçou seu braço no de Zeus e caminhou para mais perto de Will. Enquanto eles se aproximavam eu olhei rapidamente para Alice.

– Você armou isso! – Rosnei em um tom bem baixo. Ela negou freneticamente com a cabeça.

– Não. Não, eu não fiz isso! – Respondeu, mas eu não acreditei.

– Mentirosa! – Disse apontando para ela – Você não passa de uma mentirosa, Kelly!

– Não! – Ela balançou as mãos para mim – Você precisa deixar eu explicar.

– Eu não quero mais ouvir a sua voz! – Reclamei virando as costas para a maldita filha de Hermes.

Eu não tinha ideia do que ela tinha feito, mas o mero fato dela ter tramado algo contra mim daquela forma já simulou uma facada no peito. Aquilo fora um ato de traição e eu não conseguia deixar de sentir raiva.

– Qual seria o seu nome? – Quis saber Hera, repentinamente simpática.

– William. – Respondeu o pai de Alice – William Hanks.

– Ah, mas que nome americano! – Sorriu Hera olhando para Zeus – Bem, William. Eu sou Hera e esse é meu marido.

Zeus estendeu a mão e apertou a de Will. Eles as sacudiram por alguns minutos.

– Eliot. – Falou Zeus.

– Prazer. – Sorriu Will, mesmo que um pouco confuso – Vocês são da onde?

– Ah, nós somos de um lugar perto daqui, mas isso não importa, não é mesmo? – Riu Hera tentando fugir da pergunta – Nós somos os pais do...

Ela queria que eu completasse, mas eu não a ajudaria a mentir para ele. Queria aqueles dois longe dali. Entretanto, Alice fez o favor de responder.

– Harry. – Completou. Olhei para ela com ódio, e Alice hesitou em continuar a falar – Eles são os pais de Harry que, por acaso, estão de passagem por aqui.

– Por acaso. – Repetiu Will – Que coincidência, hein? Não acredito.

– Nem eu. – Assenti cruzando os braços.

– Eu sou o pai da Alice. – Falou apontando para Kelly – Nós estamos por aqui de férias e seu filho resolveu nos acompanhar.

– E resolveu não nos avisar isso. – Disse Zeus.

– Não foi a minha intenção incomodar vocês. Achava que ele avisaria. – Respondeu Will coçando a cabeça.

– Não, não avisou. Mas você não nos incomodou, William. – Sorriu Hera – Para ser sincera, Harry nos incomodou. Mas ele tem um gene terrível e levemente inclinado para a má educação. Corrigiremos esse comportamento mais tarde.

Trinquei os dentes. Graças aos meus pais todo o disfarce de namorado perfeito estava indo por água a baixo. Will olhou para mim um tanto duvidoso, mas logo sorriu sem mostrar os dentes para meus pais.

– De qualquer forma, o que nos incomodou foi só não termos a chance de conhecer melhor os pais da Alice. – Disse Zeus colocando casualmente as mãos no bolso da calça. Will olhou para Alice.

– Você poderia ter conversado comigo sobre isso. Nós poderíamos marcar um jantar. – Comentou Will.

– Ah, um jantar seria perfeito! – Exclamou Hera comemorando – Que tal irmos para sua casa? Ou seria rude da minha parte pedir isso?

– Acho melhor nós virmos aqui para comer. Digo, aqui no centro. De noite. – Sugeriu Alice – Seria mais legal, não é Will?

– Bem... Acho que sim. Vou perguntar o que a sua mãe acha, mas a princípio podemos nos ver aqui as oito. Tudo bem? – Perguntou Will encolhendo os ombros.

– Seria maravilhoso. Tenho certeza que Jenny vai aceitar. – Falou Hera sorrindo.

– Conhece minha esposa? – Perguntou Will.

– Ah, Alice nos falou sobre vocês. – Sorriu Zeus cobrindo o que Hera tinha dito – Então creio que temos uma reunião marcada.

Will riu ao ouvir essa frase, e Zeus ergueu uma sobrancelha.

– Temos um jantar. Não chamaria de reunião, porque tem uma inclinação formal demais nessa palavra, não? – Falou. Zeus sorriu.

– Claro. – Ele colocou a mão sobre o ombro de Hera – Nos vemos as oito. Seja pontual, William. Pontualidade é importante para mim.

– Eu vou. – Confirmou Will abrindo o carro e entrando. Alice acenou para Zeus e Hera e entrou no carro. Ela sentou-se na parte de trás, e eu fui para frente.

POV Alice

Ele não disse uma palavra. Nada.

Não para Will, é claro. Com Will, Harry conversou sobre quem ia ganhar o campeonato de futebol americano, seus jogadores favoritos de baseball, e qualquer assunto tipicamente masculino que também servisse para desviar a atenção da aparição dos seus pais.

Mas comigo, Ares não disse nada. Nem mesmo quando tentei entrar no assunto falando sobre meu time favorito de basquete. Nada. Aquilo fez com que minha consciência pesasse. Queria explicar exatamente o que tinha acontecido e pedir para que ele entendesse, mas estava óbvio que ele nem mesmo queria se dar o trabalho de entender.

Por isso, assim que Will estacionou o carro, ele apressou-se em sair, pegar as compras e levar para dentro. Tentei fazer o mesmo com a mesma agilidade, mas não consegui acompanhá-lo.

Quando cheguei na sala com um pacote de ferramentas novas para tio Ed nas mãos, Ares tinha acabado de subir a escada e desaparecer da minha vista. Suspirei pesadamente e Will notou.

– Aconteceu alguma coisa entre vocês?

– Ele... – Hesitei pensando no que responderia – Ele não gosta muito dos pais.

– Por quê? – Will franziu o cenho e se aproximou de mim. Neguei com a cabeça.

– Ah, pai. A... A família dele é um assunto delicado. – Respondi encolhendo os ombros, o que não deixava de ser verdade.

– Bem... Deixa que eu guardo as compras. Tenta conversar com seu namorado. – Falou levando as sacolas e pacotes para a cozinha.

Subi as escadas devagar e atravessei o corredor arrastando os pés. Não queria entrar rápido demais no quarto, pois ele poderia estar no meio de um ataque de raiva. Também não queria entrar devagar demais, pois poderia provocar um ataque de raiva.

Respirei fundo e optei por entrar rápido, do mesmo jeito que a gente faz quando tem que tirar um esparadrapo. Ares estava parado de frente para a janela. Suas mãos apertavam a madeira da janela com tanta força que seus nós dos dedos estavam brancos.

– Ares, eu posso explicar. – Falei de uma vez. Ele apertou com ainda mais força, pude notar. Dei mais um passo em direção ao meio do quarto, mas ainda mantendo uma distância segura dele – Eu tinha...

– Sabe qual é o problema? – Perguntou virando-se de repente. Engoli em seco e neguei com a cabeça.

– Qual é o problema? – Perguntei, pois vi que ele esperava por isso. Queria ouvir a minha voz.

– O problema é que com toda essa historinha de eu te amo e mimimi, eu quase, quase esqueci de uma coisa. – Falou e então avançou em minha direção com passos fortes e rápidos. Fui recuando na mesma velocidade – Eu quase esqueci que te odeio, e que eu tenho um bom motivopara te odiar, Filhinha de Hermes!

Suas mãos alcançaram meus ombros e os forçaram contra a parede atrás de mim. Percebi que tinha recuado tanto que tinha saído do quarto, e que minhas costas estavam grudadas no papel de parede do corredor.

Reprimi um gemido de dor e olhei para Ares. Ele me soltou tão rápido quanto tinha avançado e voltou até a porta do quarto. Antes de batê-la na minha cara, ele gritou:

– Eu não quero você perto de mim! – E eu me encontrei fitando uma porta velha de madeira. Respirei fundo tentando me acalmar.

– O que foi que você fez? – Perguntou Apolo, que aparentemente estava do meu lado observando a cena.

– Besteira. – Respondi em um murmuro. Eu olhei para e percebi que tinha ficado muito tempo sem piscar os olhos – Será que... Eu posso conversar com você?

– Acho que com ele é que você não vai conseguir conversar. – Respondeu erguendo as sobrancelhas rapidamente e depois descendo as escadas. Eu o segui.