Durante os dias que se seguiram ao encontro no quarto, eram raros os dias em que Minhyun e Ren não se encontravam. Esses encontros nem sempre corriam como o esperado, às vezes nem eram mesmo encontros porque os dois apenas se cruzavam na cozinha ou em qualquer outra parte da casa. Minhyun sorria e notava-se de longe que ficava contente com a presença do outro, mas como nada é como nós queremos, nem sempre a sua alegria era correspondida.

Houve dias em que se cruzaram e Ren sorriu, houve dias em que Minhyun nem foi digno de um olhar. Houve dias em que Minhyun foi convidado a almoçar com Ren, houve dias em que Ren nem sequer saiu do seu quarto para almoçar. Houve dias em que Ren foi simpático, houve dias em que Minhyun teve de se contentar com respostas curtas e grossas.

Era conforme Ren queria. Tudo dependia unica e exclusivamente do seu humor e disposição e Minhyun, com toda a sua calma e paciência, estava sempre disposto a aceitar a bipolaridade do loiro.

Faltavam apenas dois dias para o começo das aulas. Minhyun estava ansioso, já não via a hora de estar dentro de uma sala de aula novamente, de conhecer pessoas novas e fazer novos amigos. Já Ren só tinha vontade de trancar-se no quarto, partir a chave em pedacinhos e misturar na geléia para que os duendes comessem e assim ele não ter que sair do seu mundo.

– Você acha que eles morreriam se eu fizesse isso, Minnie? – Ren perguntou à porquinha-da-Índia enquanto trocava o laço que a enfeitava. – E se eles morressem...? Isso faria de mim um assassino de duendes? Ah! Tá vendo que eu tinha razão? O rosa bebê te deixa mais magra... Mas o rosa choque te faz parecer mais nova... Mas qual é o que tu preferes, huh? Aish, tu nunca me respondes! Eu tenho sempre que pensar pelos dois, sempre! – Ren suspirou, contrariado. Tinha razão, Minnie nunca respondia. Nem nunca iria responder.

Ele realmente não queria voltar para a escola. Bem... Queria voltar a ter coisas para fazer, queria voltar a ter ocupações, nem que fosse com toneladas de trabalhos de casa. Ren só precisava de uma distração. Por mais que adorasse o seu querido quarto, já começava a ficar cansado de olhar sempre para as mesmas paredes, de ler os mesmos livros. Além disso, Minnie precisava de laços novos para usar, Ren também já estava cansado de vê-la sempre com tons de rosa.

Mas ele não se atreveria a pôr um dedo fora de casa, não até que as aulas começassem, ou melhor, até que o pesadelo recomeçasse.

De certeza absoluta que haveriam dezenas de garotos novatos a pedirem seu número de telefone ou a deixarem bilhetes idiotas no seu cacifo com os seus próprios números. Depois, esses mesmos garotos acabariam por conhecer outros garotos que já estudavam ali há mais tempo e que conheciam Ren, nem que fosse só de vista ou pelo nome. Um mês, um mês e meio no máximo, e todos aqueles que um dia haviam lhe mandado cantadas ridículas, haveriam de lhe mandar bolinhas de papel durante as aulas, o olhariam com desprezo nos corredores e alguns mais audaciosos até tentariam lhe fazer algum mal... E tudo isso se repetiria, dia após dia.

E também tinha as garotas e com elas era tudo ao extremo: Ou o adoravam como se fosse alguma espécie de ídolo, ou o odiavam como se fosse o pior inimigo. Algumas até tentavam alguma aproximação, mas Ren nunca facilitava.

Mas nem as piores garotas nem os piores garotos do colégio poderiam ser comparados com Jonghyun e Aron. JR tinha nascido num berço de ouro, conseguia tudo o que queria de uma maneira extremamente fácil e era metido a “bad boy” e “pegador”, talvez fosse por isso que apesar de pertencerem à mesma família, não se davam bem. Já Aron era um bolsista vindo da América que por sorte, ou não, caiu nas graças do primeiro. Eram dois idiotas... Idiotas e repugnantes.

Mas ainda faltavam dois dias e o garoto não queria pensar sobre isso, não queria deixar que o medo tomasse conta de si. Além disso, Minhyun estudaria com ele e muito provavelmente ficariam na mesma turma, Ren precisaria passar uma boa imagem ao seu hóspede quando estivessem dentro do colégio e isso não seria nada fácil, seria quase uma missão impossível.

Minnie já não queria mais lhe fazer companhia, queria ficar na sua rodinha, e bem precisava.

– Fazes muito bem, muito bem... – Disse o loiro ao ver a sua porquinha correndo no brinquedo. – Comeste muitas torradas e agora estás acima do peso! Tenho a certeza de que se ficares um pouquinho mais magra ele não vai conseguir resistir. – Ren riu baixinho, mal via a hora de ter vários “Minniezinhos” e “Minniezinhas” a correrem pelo seu quarto.

Ela estava entretida e ele não tinha nada para fazer. Não queria sair do quarto, não queria falar com Joohyun, muito menos com Minhyun. Sabia que não era justo estar mudando constantemente de humor quando estava com ele, mas era algo que não conseguia evitar sempre que percebia que estavam começando a se aproximar demais. Mas gostar de Minhyun era algo inevitável. Por mais que Ren o tratasse mal hoje, Minhyun era demasiado doce e paciente para que o loiro conseguisse tratá-lo da mesma maneira amanhã. E por mais que se recusasse a admitir tal coisa, Minhyun o fazia bem, bem até demais.

Uma semana. Apenas uma semana tinha sido suficiente para que a presença dele se tornasse indispensável. “Ele é tão diferente dos outros...”, pensava Ren, “Tão diferente de Dongho.” Desde que se tinham conhecido, Minhyun nunca o tinha questionado sobre as suas roupas ou sobre sua sexualidade, nunca tinha lhe mandado olhares ou feito perguntas indiscretas. Ele era calmo, tinha uma paciência infindável, era bonito e conseguia ser tão bobo quanto o próprio Ren. “A quem você está querendo enganar, Minki? Dongho também era assim... Por favor, Ren, por favor... Não faça com que a história se repita”, mas apesar do medo, ele sabia que a história não iria se repetir, não dessa vez.

Ele não queria mais pensar em nada, estava cansado de sofrer com a força do próprio pensamento. Que fossem todos para o inferno! Minhyun, Dongho e todos os habitantes daquela cidade. Menos os duendes e a Minnie, claro.

Resolveu deitar-se. Pegou nos seus headphones e no primeiro livro que viu na estante e deitou-se na cama de barriga para baixo. A música no volume máximo impossibilitava-o de acompanhar a história, mas era a única forma que tinha de esquecer do mundo ao seu redor, talvez nem fosse a única, mas era a mais eficaz.

Ele não conseguiu ficar naquilo durante muito tempo. Poucos minutos depois os seus olhos já começavam a fechar lentamente... Até que adormeceu.

E foi por ter adormecido que não se apercebeu da chegada de Minhyun com o seu lanche. Ele aparecia sempre, ou pelo menos, sempre que Ren deixava.

Minhyun tinha aberto a porta com cautela, como sempre fazia. Sabia que não era todos os dias que Ren estava com disposição para o ver por isso tentava passar dispercebido quando entrava naquele cômodo. Entrou, pousou a bandeja na mesa de centro e não conseguiu conter uma expressão de surpresa ao ver o loiro deitado tão tranquilamente na sua cama, logo ele que costumava ser tão ativo. Não resistiu em se aproximar do mais novo. Nunca tinha imaginado que seria capaz de presenciar uma cena daquelas. Sim, Ren estava dormindo. Apesar da música alta, via-se pela sua respiração e pela expressão tranquila estampada no rosto. Tão diferente do que ele mostrava na maior parte do tempo... Tão lindo.

O moreno não queria acordá-lo, temia que isso o deixasse irritado ao ponto de nunca mais lhe falar, por isso aproximou-se devagar, tentando não fazer barulho e, com muita calma, tentou tirar os fones do ouvido ruidosos do ouvido do outro.

– Minhyun-sshi... Você me acordou. – Disse Ren, assustando Minhyun que deu um passo para trás.

– Eu não queria... Eu só estava... – Ele tentou preparar-se para o pior, mas Ren continuava com a expressão tranquila no rosto.

– Tudo bem. – Disse o loiro, sentando-se na cama e esfregando o olho com uma mão fechada, como uma criança. – Joohyun disse para você trazer o meu lanche de novo? – Perguntou Ren com um sorriso sapeca, ele bem sabia que Minhyun ia lá de livre e espontânea vontade.

– Não. – Respondeu sincero.

– Não? – Ren pensava que ele ia mudar de assunto, por isso ficou surpreso.

– Não.

– Então... Estavas com saudades minhas, foi isso? – Perguntou, tentando, de alguma forma, deixá-lo sem saber o que dizer. Ao mesmo tempo deu umas tapinhas na cama, indicando para que o recém-chegado se sentasse ao seu lado.

– O que é que tu achas? – Perguntou Minhyun, sentando-se na cama e deixando o próprio Ren sem saber o que responder.

– Eu acho que sim... – Disse após um breve momento enquanto sentia as suas bochechas esquentarem, fazendo Minhyun rir.

– Hum... – Foi a resposta do moreno. – Então é isso que tu costumas ler? “A Bela Adormecida”? – Mudou de assunto, apontando para o livro que estava na cama.

– Qual é o problema? Essa história é um clássico! – Minhyun não pôde evitar o riso. – Do que está rindo? Eu estou falando muito sério! – E ao ver a expressão séria de Ren, Minhyun fez um esforço para conter-se. Essa criança...

– Problema nenhum, problema nenhum! – Disse Minhyun enquanto tentava recuperar o fôlego após a risada. – Faltam dois dias para começarem as aulas, você está ansioso? – Mais uma vez mudou de assunto, tratando-se de Ren, todos os temas eram um campo minado.

– Não. Por que haveria de estar? – Perguntou o loiro ainda com a expressão séria no rosto.

– Sei lá... As pessoas normais ficam ansiosas nessas alturas. – Respondeu Minhyun, repreendendo-se logo em seguida por ter utilizado a expressão “pessoas normais”.

– O que queres dizer com isso? – Ren encarou Minhyun com uma certa raiva que deixou o outro receoso.

– Nada, eu não quero dizer absolutamente nada. – O moreno sorriu nervoso. – De qualquer forma, você deveria estar ansioso, Ren.

– Por quê?

– Ora essa, porque tu vais encontrar os teus amigos! – E Minhyun falou aquilo com uma alegria que faria qualquer um pensar que os “amigos” eram dele próprio.

– Os meus amigos... – Ren parou de olhar para o mais velho para passar a olhar para as suas próprias mãos.

– Sim, os teus amigos! Tu não sentes saudades deles?

– Não muito.

– Hum... Eu sinto saudades dos meus amigos. – Minhyun disse, encolhendo os ombros.

– Muitas saudades? – Perguntou Ren, voltando a olhar para Minhyun.

– Sim, muitas. – Era verdade, Minhyun sentia falta da sua antiga escola e dos seus antigos amigos.

– Mas tu não precisas sentir saudades deles... – Falou Ren mais para si do que para o outro.

– Por que não? – O moreno olhou o loiro com curiosidade.

– Porque não... A minha amizade não basta? – Perguntou o mais novo com uma ponta de indignação na voz, fazendo Minhyun o olhar, surpreso.

Era mesmo verdade? Ren estava mesmo dizendo aquilo? Minhyun nem sequer sabia que o loiro o via como um amigo, pensava que ele simplesmente o aturava para ter algo com que se entreter.

– Pois, mas eu sinto saudades deles de qualquer forma, mas depois passa. E por falar nisso... E os teus amigos, huh? – Perguntou o moreno, dando ênfase nos “teus”.– Onde eles estão? Eu só te vejo falando com a Minnie!

– Tu não tens nada haver com isso. – Respondeu Ren, incomodado com o tema da conversa e irritado por Minhyun ter ignorado a sua pergunta.

– Pois não, eu não tenho nada haver com...

– Então. – Cortou-o.

Silêncio. Ambos sentiam que tinham falado demais.

“Por que eu tive a infeliz idéia de fazer aquela pergunta?”, pensava Minhyun “É óbvio que ele não tem grandes amigos além da Minnie, dos duendes – que muito provavelmente nem sequer existem - e da irmã”. De qualquer forma, Minhyun quase podia prever que algo assim estava por vir... A conversa estava boa demais para ser verdade. Mal sabia ele que a culpa não tinha sido a pergunta, mas sim a falta de uma resposta.

Ren realmente queria que o mais velho tivesse lhe dito alguma coisa, queria saber, pelo menos, se tinha alguma importância na vida do outro. É verdade que tinham acabado de se conhecer, mas Minhyun já tinha tomado um espaço significativo dos dias de Ren, espaço esse em que ele sabia como animar o loiro, sabia como fazê-lo rir, sabia como fazê-lo esquecer do mundo lá fora, sabia como deixá-lo feliz. Isso assustava Minki, assustava muito. Ele não esperava que a sua existência fosse assim tão relevante para o mais velho, não esperava uma grande resposta, mas, mesmo assim, ele esperava alguma, por mais boba que fosse.

– Eu sei que tu sabes que eu não tenho mais amigos além dessas quatro paredes. – Disse Ren, quebrando o silêncio. – Por que é que...

– Eu só estava curioso sobre isso, ok? Já entendi que devia ter ficado calado, já entendi. – Minhyun falava mais alto que o normal. – Eu não sabia que tu irias ficar assim... Eu só queria entender.

– Por quê?

– Porque eu estou tentando ser teu amigo, Ren. – Sim, Minhyun realmente estava tentando, estava fazendo todos os possíveis para ficar mais próximo de Ren mas as constantes mudanças de humor do outro não ajudavam muito.

– Eu já disse isso à minha mãe e tu ouviste: Eu não preciso de amigos.

O moreno suspirou, sentindo-se derrotado.

– Hoje é um daqueles dias em que eu não deveria ter passado aquela porta, não é? – Olhou para o garoto ao seu lado com um olhar triste, vendo o mesmo baixar a cabeça. – Vou embora. – Levantou-se da cama. – Não quero deixar para arrumar as minhas coisas em cima da hora... Tu devias fazer o mesmo. – Ren não esboçou nenhuma expressão, nem sequer se moveu, apenas continuou a encarar as próprias mãos. – Já sabes onde me encontrar se precisares de alguma coisa.

– Por que eu haveria de... – Ia perguntar enquanto levantava-se para estar à mesma altura, ou quase, de Minhyun. O moreno, que estava de costas, virou-se ligeiramente, apenas o suficiente para poder olhar o mais novo nos olhos.

– Tu precisas mais da minha amizade do que eu da tua.

“Moleque atrevido!”, pensou Ren, e estava prestes a pôr em palavras os seus pensamentos mas surpreendeu-se quando logo após ter aberto a boca para dizer alguma coisa, fechou-a sem ter dito uma só palavra. Não conseguiu emitir nenhum som mas não resistiu em lançar olhares assassinos à Minhyun.

– Até depois, Ren. – Foram as últimas palavras de Minhyun antes de sair do quarto, fechando a porta atrás de si.

Ren deixou-se cair na cama logo após a saída do outro, agarrando-se ao primeiro urso de pelúcia que viu na frente, uma girafa. Apertou-a com força, com raiva. Precisava aprender a ficar quieto, a calar a boca, como dizem, quem diz o que quer, ouve o que não quer. Era a mais pura verdade e agora ele sabia disso.

– Idiota... É o que tu és, Minhyun, um idiota. – Disse, apertando ainda mais a pobre da girafa que nada tinha haver com a situação na qual Ren se encontrava. – E tu, Girafa, a partir de agora serás... Hum... O teu nome será Hyunnie, sim, Hyunnie. Sempre que aquele infeliz fizer alguma asneira tu vais pagar por isso. Mas não te preocupes... Eu não vou te machucar de verdade... Eu vou guardar todas as minhas forças para fazer isso com ele, isso sim. Quem ele pensa que é para falar comigo daquela maneira?! Quem tu pensas que és, huh? – Dirigiu a última pergunta à girafa. – Responde! – Gritou, chacoalhando o brinquedo de um lado para o outro com força. – Arrrg! – E atirou o Hyunnie para longe.

Mas que belo hóspede que a sua mãe tinha arranjado! Um maluco que só servia para o tirar do sério, para o irritar ... E para o fazer sentir vivo. Era inacreditável. Haviam se passado apenas dias, dias! E aquele chato já o conhecia melhor que ninguém.

Minhyun havia criado uma enorme confusão na cabeça de Ren, confusão esta que precisava ser esclarecida. Eram muitas emoções para uma conversa tão pequena como a que tinham tido. O pequeno não aguentaria aquilo por muito mais tempo... Minhyun o enlouqueceria antes que o resto do mundo o fizesse.