Piloto De Fuga escrita por Blue Butterfly


Capítulo 16
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura :)



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Acordei pela segunda vez, tudo estava muito escuro, como se fosse uma noite sem estrelas e sem lua. Meu corpo subia e descia com regularidade, embalado pela respiração de Edward. Seus olhos estavam abertos, a luz brotando neles enquanto seus dedos percorriam meu cabelo. Eu olhei para ele, afundando em seus olhos profundos e ternos, ele parou o gesto e me olhou, com dúvida:

-Te acordei? Quer que eu pare?

-Não e não – eu respondi.

Ele sorriu, aliviado, e voltou a mexer no meu cabelo, eu me encolhi, me aconchegando no calor enquanto ele me apertava mais contra seu corpo.

-Um pedaço do céu no meio do inferno – ele sussurrou depois de alguns minutos.

Eu não disse nada, fiquei parada, sentindo arrepios subirem por minhas costas. Com cuidado eu ergui minha mão e toquei seu rosto, incerta. Ele sorriu, me encorajando, e mais uma vez eu percorri seu rosto quadrado com as pontas dos dedos, roçando de leve seu rosto. Ele estremeceu com meu toque, fechando os olhos, nunca ele me pareceu tão vulnerável e frágil.

-Parece quando éramos pequenos – eu disse tocando seu nariz.

-Por quê? – ele sussurrou de olhos fechados.

-Você parece o garotinho que eu conheci quando pequena – expliquei – Frágil, incerto.

-Você desperta meu lado frágil – e então ele abriu os olhos e me olhou, descarregando toda a profundidade de seu olhar em mim – Não tenho medo dos soldados, não tenho medo do que pode me acontecer, não tenho medo nem de ir para Concluán.

-Do que você tem medo então? – eu perguntei deixando minha mão repousar na sua bochecha.

-De te perder – ele disse com sinceridade – Esse é o meu maior medo.

-Por isso aceitou ser meu melhor amigo – eu compreendi.

-Se ser seu melhor amigo é a única maneira de ficar do seu lado, eu serei o melhor amigo que alguém já teve.

-Obrigada – agradeci.

-Disponha.

Ele beijou minha testa e sorriu.

-Hora de levantar – Edward me empurrou de lado, sentando na cama e me pondo sentada ao lado dele – Alice e Dino já devem ter algo para nós.

-Sim senhor – e brinquei batendo continência.

Nós nos levantamos e saímos do quarto. Havia um homem esperando do lado de fora da porta. Ele pediu que o seguíssemos e nos guiou pela casa, até que ouvimos as vozes animadas de Alice, Seth e de um urso sufocando, grande probabilidade de ser a voz de Dino.

-Eu não acredito que você conseguiu – Alice dizia batendo palmas.

-Seu amigo é realmente muito bom pequena – o urso sufocando disse dando uma risada estrondosa que ecoou pela casa – Hei, você podia ensinar um dos meus a mexer nesse troço, seria muito útil para nós.

Estávamos perto o bastante para ouvir Seth resmungar algo indecifrável, o tom meio irritado enquanto o barulho de teclas sendo comprimidas aumentava. Entramos na sala e meu queixo caiu. Eu jamais, nunca pensei que uma coisa daquelas podia existir, Edward assobiou baixinho, surpreso também. Estávamos entre um verdadeiro arsenal de guerra, haviam armas espalhadas por todos os cantos da sala, muitas das quais eu nem se quer podia imaginar que existiam, gigantescas, fabulosas, ameaçadoras. Eu duvidava que alguém em sã consciência desafiaria Dino quando ele tinha aquilo com ele.

  Quando eu finalmente consegui fechar a boca, percebi Seth sentado numa mesa. Para meu espanto, ele usava óculos, a armação delicada dava equilíbrio a seu rosto iluminado de azul pela tela do computador, sua testa se franzia enquanto ele digitava e diversas telas surgiam. Eu me aproximei dele, repousando as mãos em seus ombros tensos, ele ergueu o rosto e sorriu para mim, um sorriso infantil e puro.

  -Feliz? – eu perguntei olhando para a tela cheia de caixinhas de mensagem.

  -Muito. Obrigado.

  -Não foi nada – e beijei seus cabelos castanhos – O que está fazendo?

  -Algumas dessas armas podem ser comandadas por um sistema de computador. Na verdade, eu posso comandar essas armas pelo computador e ter uma precisão ultra-humana.

  -Como mísseis? – eu sugeri franzindo a testa.

  -Exato, eu posso determinar quando ela vai disparar, o caminho que o projétil fará e onde exatamente ele chegará – ele explicou com simplicidade, como se explicasse como se frita um ovo.

  -Não é tão fácil quanto você diz – eu falei tocando a lateral do computador.

  -Mas não é impossível. Qualquer um consegue fazer, só precisa ter paciência.

  -Eu acho incrível, você é um gênio Seth – elogiei.

  -Sim – a voz de urso concordou atrás de mim – O garoto tem futuro, fazia um bom tempo que estávamos atrás desse tipo de tecnologia para controlar algumas das armas, mas não achávamos quem fosse capaz.

  -Bem, falando em armas… – Alice começou sugestivamente.

  Dino olhou para ela, uma troca silenciosa de diálogo ocorrendo entre eles. Alice parecia decidida, mas temerosa, Dino estava calmo, embora indeciso.

  -Eu preciso daquelas armas – Alice iniciou.

  -Você precisa se manter viva e não se meter em problemas – ele discordou.

  -Exatamente, e para isso eu preciso daquelas armas – ela revidou.

  -É muito o que me  pede, parece até que vai para uma guerrilha…

  -Nós estamos numa guerrilha Dino, e se eu não estiver preparada, eu morro.

  -Ótimo – ele disse abrindo um enorme sorriso de urso – Então você fica aqui, nessa casa ninguém toca um dedo em você.

  -Eu não sirvo para bichinho de estimação, Dino – ela brincou empurrando ele de leve – Ah, qual é, você não vai sentir falta delas, tem coisa muito melhor aqui dentro, eu sei disso e você sabe que eu sei, então por que não simplificamos tudo: você me entrega o que eu quero e eu vou embora. Simples.

  -Que tal essa: eu dou uma arma para cada um dos seus amigos, eles vão embora e você fica aqui, viva?

  -Que tal essa – ela sugeriu com malícia – Você faz o que eu quero, ou eu quebro tua cara no meio.

  Dino riu estrondosamente, tudo nele parecia exagerado, animal.

  -Você acaba comigo, pequena – ele brincou a sufocando num abraço apertado e a rodando – Mas tudo bem, a vida é sua, assim como a morte. Pode pegar o que quer.

  -Tudo? – ela perguntou, os olhos faiscando.

  -Tudo o que me pediu até agora – ele limitou com sabedoria.

  Ela concordou, feliz, lhe deu as costas e ia sair da sala quando se voltou para ele e disse, numa mistura de seriedade e brincadeira:

  -Quando você morrer, tudo isso vai ser meu. Sabe disso, não é?

  -Por isso que eu tenho guarda-costas – ele brincou rindo – Não confio em você.

  -Faz bem. Ninguém sabe do que eu sou capaz na calada da noite – ela ameaçou fazendo uma cara hilariante.

  Todos nós rimos, e, embora confusos com aquele fim de conversa, voltamos a olhar para Seth enquanto mais e mais caixinhas surgiam na tela azul.

 -Hei, o que foi aquilo de: se você morrer, eu fico com tudo? – eu perguntei enquanto mudava de marcha

  Alice foi tomada de surpresa, ela estava entretida olhando os carros do lado de fora passarem correndo por nós enquanto nós atravessávamos a rodovia de volta para casa. Seth estava sentando ao lado dela, brincando no computador e criando programas e mais programas que eu mal entendia o nome. Do meu lado, Edward se distraía acompanhando baixinho as músicas da rádio.

  -Aquilo? Não foi nada. É coisa de testamento, quando o Dino morrer tudo o que for dele passa para mim – ela explicou com simplicidade.

  -Por quê? – eu perguntei curiosa.

  Uma chuvinha fina começava, lavando minha Ferrari da poeira acumulada nos últimos dias enquanto nós viajávamos. Eu levantei os vidros do carro e ultrapassei um caminhão enorme e azul, esperando a resposta dela.

  -É… Complicado – Alice se esquivou olhando para a janela de novo.

  Eu não perguntei mais nada, a vida era dela, se ela quisesse ela me diria a verdade.

  Naquele mesmo dia nós conseguimos chegar em minha casa. Não era o momento de abusar da sorte, nós esperamos que fosse de madrugada para entrarmos na casa, eu guardei a Ferrari e vasculhei a casa, sumindo com os rastros da nossa passagem por lá e pegando roupas para nós enquanto os outros três descarregavam a Ferrari e levavam para o carro de Edward tudo o que tínhamos conseguido. Saímos três horas depois que havíamos chegado lá, o sol nem tinha nascido ainda.

  Edward dirigiu dessa vez, dando uma chance para que eu descansasse sentada ao lado dele, esticando ao máximo meu corpo no espaço pequeno e exercitando meus dedos enrijecidos com a viagem. O trajeto foi tranqüilo, ninguém nos parou, houve música o caminho todo e nós acabamos dormindo no meio do caminho, exausto pelo dia cansativo dentro do carro e pelas noites sem dormir. Quando eu acordei, estava no quarto que agora dividia com Alice e mais três crianças, entre elas Laura e o menino que regatei.

  Alice dormia ao meu lado, de costas para mim enquanto uma barreira de travesseiros separava nossos corpos, Seth estava com a sobrinha, os dois brincando silenciosamente de adivinhação. As outras crianças já estavam acordadas, cambaleando pelo quarto pequeno, buscando roupas e um pente para organizar a bagunça que era seus cabelos amassados.

  E a vida no covil anarquista prosseguiu. Todos os dias eu e Alice cuidávamos da cozinha, fazendo as refeições diárias e mantendo o lugar limpo, As outras mulheres que viviam ali ficavam responsáveis por limpar os quartos e banheiros, os homens cuidavam da manutenção da casa, se arriscavam lá fora buscando o que nós precisávamos e se dividindo nas vigílias na casa em ruínas na parte de cima.

  Às vezes eu, Alice e Seth também fazíamos vigília, era uma das coisas mais legais que havia para se fazer ali. Nós ficávamos um bom tempo lá fora, atentos a qualquer movimentação suspeita. Era certo que estávamos num bairro abandonado, mas isso não significava que os soldados não poderiam voltar qualquer dia e vasculhar cada centímetro do local.

  E todas as noites nós três nos reuníamos para arquitetar e melhorar nosso plano de derrubada ao Partido. Edward não tomava parte disso, toda vez que eles nos via grudados na frente do computador, ele apenas balançava a cabeça, num misto de incredulidade e diversão, e saía de perto. Mas a verdade é que, pelo menos na teoria, o plano estava ficando muito bom. As armas que nós conseguimos com Dino estavam escondidas, só Alice sabia onde elas estavam, depois que ela deu duas delas para Edward usar para proteger o grupo, ninguém julgou se o que ela fazia era certo ou errado, pois, apesar de termos ido os quatro buscar, Dino dera as armas a ela, e não a nós.

  Fora isso eu também ajudava na enfermaria sempre que preciso, estava me dando muito bem com Carlisle, nós trocávamos nossas experiências e aprendíamos muito um com o outro. Na verdade, nós dois estávamos em clima de êxtase e espera, pois uma das mulheres estava grávida, já no oitavo mês, sua barriga enorme e redonda, e o nascimento do bebê naquele lugar prometia ser o evento do ano.

  Eu sentia falta de muitas coisas, sentia falta do meu banheiro, do meu quarto, do meu guarda-roupa, da minha cama gigantesca e macia, da minha televisão enorme, da minha biblioteca particular… Mas não era impossível viver ali, havia momentos muito bonitos e doces, como quando os rapazes chegavam e nós os recebíamos com alívio, ou quando observávamos os rostinhos magros e sérios das crianças ir arredondando e um sorriso tímido surgir conforme eles passavam a confiar em nós. Tinha momentos ruins, como quando Tânia ficava me olhando com ódio, mas com o tempo eu fui aprendendo a ignorá-la e os momentos ruins foram diminuindo. Só a noite era difícil para mim.

  Eu demorava para dormir, e quando o fazia normalmente estava quase desmaiando de exaustão, mesmo assim os sonhos me perseguiam, eu me afogava nas lembranças do meu passado, lembranças tão reais, tão nítidas, que quando eu acordava encharcada de suor e lágrimas, eu ainda podia sentir o beijo quente e molhado de Erick no meu rosto. No início Alice se preocupou com meus sonhos, ou, como ela dizia, meus pesadelos. Mas aquilo foi se tornando uma rotina, eu acordava umas duas vezes, no mínimo, encharcada de suor e chorando, eles se acostumaram e pararam de acordar comigo.

  A solidão era a parte mais esmagadora que eu tinha de enfrentar lá, pois com ela vinha certezas horrendas e incertezas doentias, como a certeza que eu não tinha mais uma família e a incerteza de como Jacob reagiu quando recebeu minha carta e a leu, se é que ele a lera. Alice e Seth me ajudavam a combater a solidão, mas mesmo eles não podiam fazer um milagre comigo, até mesmo nossa amizade não era o suficiente para tampar o buraco profundo dentro de mim, tudo o que eles faziam era por um pouco de carinho lá dentro, diminuindo sua profundidade.

  Edward também ajudava, aliás, se não fosse ele, eu não saberia por quanto tempo teria agüentado. Nós não conversávamos muito, sempre havia tarefas demais para nós dois e quando um estava livre, o outro estava ocupado, mas todos os dias, antes de dormir, ele aparecia para me dizer boa noite e me dar um abraço, brincando com meu cabelo e me desejando bons sonhos. E, quando conseguia, ele vinha me ajudar ou fazer vigília comigo, sempre pronto para me ouvir ou apenas ficar em silêncio comigo.

  E então eu continuava ali, buscando algum sentindo no meu mundo confuso e incompleto. Pois, por mais que eu amasse aqueles três, eles nunca seriam como minha família. E eu não conseguia lidar com o peso de ser órfã.


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Notas finais do capítulo

E aí, gostaram? Sei que esperam por mais romance, mas por enquanto não haverá muito. Momentos complicados estão para vir no próximo capítulo. Bem, não quero adiantar nada. Bjinhus e comentem:)



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