Remote Heart parou a moto muitos metros antes do local onde estava o carro dos Dust Angels. Ele e Show Pony foram até lá devagar, cuidando para não serem vistos. Como suspeitavam, os quatro killjoys já haviam sido retirados. Viram um Draculoid se aproximar e se esconderam atrás do veículo; Show Pony o apagou silenciosamente e afastou o corpo. Ele provavelmente fora mandado lá para se livrar do carro, e eles não podiam deixar isso acontecer.

Em um minuto, viram uma van se aproximar ao longe e o vulto de Dr. Death correr para onde eles estavam, raygun em mãos.

— Prontos? — perguntou, e os dois assentiram.

Os três correram até entrar no salão onde a luta anterior ocorrera, agora deserto, mas com sinais de destruição por todo o lado. Remote Heart mandou os outros ficarem encostados em uma parede enquanto ele checava as câmeras de segurança; muitas foram destruídas no tiroteio, e ele acabou com a única que sobrara, torcendo para que eles ainda não tenham sido vistos.

Prosseguiram, andando quietos entre os inúmeros corredores, curiosos sobre o que poderia estar atrás de todas as portas pelas quais passavam.

Em certo momento, ouviram vozes vindas de um ponto próximo, e pararam, prendendo a respiração.

— Eu não sei se eles têm cura — uma voz masculina grossa e áspera dizia. — Acho que devíamos acabar com eles de uma vez.

— Korse — uma mulher respondeu, com um leve sotaque oriental. — Todos têm cura. A BLI sabe o que fazer. Sua mente de Exterminator não entende isso.

— É claro que não. Eu devia poder matar aqueles desgraçados, não colocá-los para dormir — Korse vociferou, claramente ofendido.

— Isso não é você quem decide. A morte é o último recurso da companhia; antes dela, vem a conversão. E até onde eu sei, você nunca soube muito bem como a conversão funciona, não é?

— Nunca me interessei.

— Bem, considerando o seu desafeto especial pelos últimos prisioneiros — o tom da mulher tinha um quê de riso. —, acho que você vai gostar de saber que o processo já vai começar.

— Já vão tirar eles dos sacos?

— Não.

Fez-se silêncio por um momento.

— Espera aí, vocês vão deixá-los acordar dentro dos sacos? — Korse perguntou, parecendo ao mesmo tempo assombrado e deliciado.

— Ser enterrado vivo é um dos mais antigos medos humanos. E acreditamos que para casos tão difíceis como os daqueles quatro, é necessário começar com vigor. Não acha?

Korse riu.

— Estou começando a gostar da sua tática de conversão.

Show Pony, os olhos arregalados, fez um gesto para que eles continuassem, indicando que não queria ouvir mais nada. Remote Heart não podia concordar mais.

Eles voaram pelo corredor, passando por onde a porta entreaberta revelava Korse, de costas, e uma mulher oriental, de aparência muito sóbria e monocromática. Ela parecia a perfeita personificação da BL/ind.

Os três se seguraram para não falar sobre o que ouviram, ainda tentando manter silêncio. Eles viam placas pelos corredores, mas não entendiam o significado da maioria, que diziam coisas como “Contato: comércio” ou “Câmara de luzes: testes”. Em pouco tempo, porém, viram uma indicação que resolveu seus problemas:

Correção: começo →

Tinha que ser ali. Dr. Death foi na frente, e eles foram seguindo as placas até acabarem em uma única porta no fim de um corredor mal iluminado. Eles sabiam que lá dentro o clima não teria como ficar melhor.

Ouviram passos atrás de si e entraram no cômodo rapidamente.

Estavam em uma sala grande e retangular, com vários armários cobrindo as paredes. Entenderam logo que ali eram guardados os corpos inertes dos prisioneiros, exatamente como em uma sala de legista.

A porta se abriu e eles se afastaram quando uma maca entrou, seguida imediatamente por um Draculoid. Mataram o inimigo e fecharam a porta novamente.

A pessoa na maca era uma mulher jovem, pele branca e cabelos metade castanhos e metade vermelhos. Parecia descansar serenamente. Remote Heart pegou o taser de seu bolso e o pressionou contra o peito da desconhecida, deixando uma descarga elétrica descer ali.

Ela se levantou imediatamente, pulando e olhando para os lados freneticamente.

— AI! Cadê... Eu... Onde eu estou?

Show Pony e Dr. Death sorriam com o sucesso da operação, mas Remote Heart matinha a postura séria.

— Você está na central da BLI.

A mulher arregalou os olhos e ficou em pé, pronta para correr, mas parou e se voltou para eles.

— Quem são vocês?

— Killjoys, é claro. Viemos socorrer nossos amigos e você apareceu primeiro.

Ela olhou para o taser que Remote Heart segurava e colocou a mão no peito.

— Você me ressuscitou?

— Quase isso. Felizmente deu certo.

Ela arqueou a sobrancelha.

— Ah. Eu fui uma cobaia. E eu achando que fora puro cavalheirismo.

— O cavalheirismo morreu quando colocaram armas nas mãos das mulheres — Remote Heart falou, quase sorrindo, e a mulher aparentemente gostou da frase. — Qual seu nome?

— Stardust Rose.

— Muito bem, quer nos ajudar a encontrar nossos amigos e cair fora daqui?

Ela deu de ombros e assentiu.

Os quatro passaram a andar rapidamente em frente às paredes. Eram muitos armários, mas a maioria não continha nada escrito na porta. Os que tinham, eram só iniciais; mas era o bastante. Não demorou para chegarem a um grupo de armários, postos lado a lado, com as letras P. P., F. G., J. S., K. K.

Cada um deles abriu uma das pequenas portas e puxou uma das camas. Quatro sacos com o símbolo da BLI apareceram, e eles os abriram rapidamente.

— Quem primeiro? — Remote Heart se perguntou baixo, em dúvida, mas no fundo já sabia a resposta.

Aproximou-se de Fun Ghoul e repetiu o que havia feito há pouco com Stardust Rose. Com um grito de dor, Fun Ghoul sentou, levando a mão ao peito.

— O quê... Remote Heart? O que eu... onde...

A confusão em que Fun Ghoul estava de repente deu lugar à desespero.

— Party! — ele gritou, levantando-se e correndo para a cama ao lado, onde Party Poison jazia suavemente. — Não, não, o que aconteceu...

— Calma — Show Pony disse, colocando uma mão sobre o ombro do killjoy. — Ele não morreu.

Fun Ghoul não parecia ouvir nada. Seus olhos marejavam e Remote Heart soube que precisava agir logo. Empurrou Fun Ghoul com delicadeza e empurrou a arma de choque em Party Poison, que imediatamente soltou um grito e se levantou.

— P-party? — Fun Ghoul perguntou, soluçando, incrédulo. — Você... Você tá vivo?

— Fun? — Party Poison parecia desnorteado, mas isso não o impediu de se impelir para frente e abraçar Fun Ghoul com vontade. — A última coisa que eu vi foi Korse... e...

Ele desatou a chorar, com Fun Ghoul o acompanhando e apoiando sua cabeça em seu ombro. Remote Heart, surpreso por ter chegado a ver Party Poison em um momento de fraqueza emocional, deixou os dois e fez logo o que tinha de ser feito em Kobra Kid e Jet Star, que também se abraçaram assim que levantaram.

Passado o choque inicial de estarem vivos, eles explodiram em perguntas simultaneamente.

— Cadê a Grace? — Jet Star quis saber, olhando para os lados como se esperasse ver a menina saindo de um canto.

— Onde estamos? — Party Poison foi mais prático, afastando-se de Fun Ghoul, que não disse nada, só o olhou meio cabisbaixo.

— Como vocês chegaram aqui? — perguntou Kobra Kid, e continuou ao ver Stardust Rose: — Quem é ela?

— Calma! — Dr. Death exigiu, e se fez silêncio. Ele suspirou e prosseguiu: — Grace está segura. Estamos ainda na central da BLI. Viemos para salvar vocês, e essa é Stardust Rose, outra killjoy que fora capturada. Depois explicamos tudo, agora nós precisamos sair daqui.

— Mas e os outros? — Show Pony questionou, apontando para os armários que tinham iniciais nas portas.

Antes de qualquer um poder responder, eles ouviram uma voz baixa e metalizada vinda de onde o Draculoid morto estava.

— 274? Cadê você? — uma mulher perguntava por um rádio.

Os killjoys se entreolharam assustados.

— Não temos tempo pra eles, Pony — Dr. Death respondeu, claramente pesaroso. — Se não sairmos agora, vamos todos parar aí dentro.

Eles sabiam que era verdade. Remote Heart deu para todos as rayguns extras que trouxera e eles saíram da sala sem dizer mais nenhuma palavra.

Remote Heart notou que Fun Ghoul lançava olhares insistentes para Party Poison, como se estivesse se certificando de que ele continuava ali. Apesar disso, Jet Star era quem parecia mais perturbado. Mas não tinham como conversar agora.

Sem se preocupar em se esconder, eles foram refazendo o caminho até chegar em frente a porta onde ouviram Korse falar mais cedo. Assim que passaram por ela, Korse apareceu, e ficou em choque por um momento ao ver todos os killjoys ali.

Party Poison contorceu o rosto em fúria e apontou a raygun para ele imediatamente, mas ele conseguiu se desviar do tiro no último segundo.

— É, corre — Remote Heart falou, alto. — As nossas armas matam de verdade.

Korse desapareceu, e em dois segundos eles ouviram o barulho de um alarme sendo acionado. Kobra Kid gemeu quando chegaram ao salão da frente; parecia uma perfeita reprise da última cena que ele viu.

Draculoids começaram a aparecer, mas dessa vez estavam atrasados; os killjoys estavam bem próximos da saída. Party Poison quis ficar para matá-los, mas Remote Heart o empurrou para fora, seguindo-o de costas.

— Hoje é pra fugir, não atirar em tudo que vemos — ele falou, e Party Poison resmungou, mas concordou.

Continuando a andar de costas, Remote Heart foi disparando contra todos os mascarados que via, sendo ajudado somente por Show Pony. Os outros corriam para o carro mais à frente.

Assim que viu a oportunidade, Remote Heart segurou a mão de Show Pony e se virou, correndo o mais rápido que podia. Party Poison deixou uma porta do carro aberta para eles, mas Remote Heart desviou a direção e foi para a moto que estava parada mais à frente. Ele quase pôde ouvir Party Poison xingá-lo, mas também jurou ter visto um sorriso perpassar seu rosto.

E em alguns minutos, estavam voando pela Getaway Mile um carro com uma aranha desenhada no capô e uma moto vermelha, com dois killjoys sorridentes sobre ela.

Foram para a casa do Dr. Death, e assim que chegaram, uma garotinha correu para os braços de Party Poison e Jet Star, logo alternando o abraço para Fun Ghoul e Kobra Kid. Mas não falou nada para eles; só esperou que todos se afastassem e foi até Remote Heart.

— Obrigada — ela disse, e o abraçou com mais força.

— Ei, não tem de quê. Eu prometi, não foi?

Party Poison observou a cena com uma expressão indecifrável. Stardust Rose, que fora de carona com eles até lá, parecia muito envergonhada de se encontrar no meio de momentos pessoais como aqueles.

— Vamos comer? — Grace pediu, puxando Remote Heart pela mão em direção aos fundos da casa. — Eu e a Invisible Star preparamos umas coisas pra comemorar.

Todos foram, e passaram um jantar agradável ao ar livre falando sobre a fuga, a descoberta de que a BLI não matava e tudo o mais. Até Stardust Rose acabou entrando na conversa, e descobriram que ela agora não tinha realmente para onde ir; sua moradia fora tomada pela BLI, e as amigas com quem morava fugiram. Não a abandonaram, é só que não sabiam que ela estava viva, e agora ela não sabia onde encontrá-las. Dr. Death ofereceu sua casa, desde que ela o ajudasse no que fosse preciso, e ela aceitou imediatamente.

— E por falar nisso — Remote Heart disse, devagar. — Eu ainda não tenho nenhuma chance de entrar para os Dust Angels?

Party Poison fez uma careta e Fun Ghoul riu. Antes que pudessem responder, porém, Remote Heart continuou:

— Quer saber, eu não quero realmente entrar pro grupo. Eu só quero fazer alguma coisa. Ajudar a proteger Grace, por exemplo.

— Ah, sim! — a menina exclamou, feliz. — Deixa ele ficar com a gente, Party, por favor!

— É, Party, deixa — Jet Star comentou, sorrindo abertamente.

Todos ficaram quietos, ansiosos, esperando pela decisão final. Party Poison suspirou.

— Bom, você salvou nossas vidas. Acho que é justo deixar que venha conosco. Mas você só vai acompanhar, ouviu? Não vai afetar nenhuma decisão, nenhuma rota, nada. Entendeu?

Remote Heart sorriu, triunfante, e assentiu.

— Não se preocupe, eu não vou me infiltrar nos seus segredos.

Party Poison arqueou uma sobrancelha.

— Que segredos?

Remote Heart notou certa movimentação com essas palavras. Kobra Kid pareceu impassível — como sempre —, mas Jet Star ficou subitamente agitado, mexendo nervosamente no pedaço de pão que estava em suas mãos. Remote Heart, porém, concentrou-se em outra pessoa. Lançou um olhar a Fun Ghoul, que se encolheu ligeiramente.

— Desse daí você vai descobrir rapidinho — Show Pony sussurrou ao ouvido de Remote Heart, assim que percebeu seu olhar. — Todo mundo já sabe do tal segredo dele... Quer dizer, todo mundo menos um idiota.

Remote Heart se virou para Show Pony ao seu lado para tentar decifrar suas palavras, mas se perdeu. O capacete estava aberto, e pela primeira vez o killjoy pôde ver de perto o brilho quase infantil na escuridão que eram seus olhos.

Ele desviou o olhar, confuso por um momento com o que estava pensando. Por que os olhos de Show Pony o desnortearam? Ele expulsou a visão de sua cabeça e voltou-se para Party Poison, decidido a retornar ao assunto anterior.

— Boa pergunta, Party — falou. — Que segredos?