Nem Todo Mundo Odeia O Chris - 1ª Temporada escrita por LivyBennet


Capítulo 9
Todo Mundo Odeia Comida de Ticket


Notas iniciais do capítulo

Mais um! mais um! Mais um!



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POV. CHRIS (Brooklin – 1982)

                Uma das coisas que minha mãe odiava era fazer compras com ticket alimentação. Ela se sentia pobre. Na verdade ela era pobre, mas era uma pobre soberba. Quando ela comprava as coisas do mês com dinheiro, meu pai fazia ela prometer que ia comprar dos genéricos. Eram os produtos sem marca que eram mais baratos. E ela achava um mico pagar com ticket e ela evitava isso o máximo possível.

                “O trabalho de ciências é em dupla e é pra sexta-feira.” Droga! Odeio trabalho de ciências. Não entendo nada e sempre tiro nota baixa. Olhei pro Greg pedindo misericórdia, mas ele deu uma evasiva dizendo que já estava trabalhando no dele. Eu queria fazer com o Greg por que meu último trabalho de ciências tinha sido uma fazenda de formigas e não tinha dado muito certo. Coceira em lugares que prefiro não dizer.

                “Cara, é só um trabalho.”

                “É por isso que não ia dar certo, Chris. Você acha que é só um trabalho, e eu levo ciências muito a sério.”

                “Mas a gente podia se divertir.” Ele me olhou bem sério.

                “Tem que escolher, Chris: se divertir ou tirar um dez.”

                “Passar na matéria pra mim tá ótimo.” Olhei pra Lizzy pedindo socorro.

                “Eu faço com você, Chris.” Ela assinou o nome na lista junto com o meu e deu um olhar de reprovação pro Greg.

                “O quê?” Ele fez aquela cara de desentendido.

                No final, eu fui pra biblioteca com a Lizzy pra pensar no que a gente ia fazer no trabalho. Lá descobrimos que o Greg tava trabalhando no dele sozinho.

                “Acha que ele vai se dar bem sozinho?” A Lizzy perguntou.

                “Acho sim. Me disse que já tinha começado o dele.” Ela deu de ombros.

                “Não preciso tirar dez, só quero passar. Odeio ciências.”

                “Empatou. Já pensou no que vamos fazer?”

                “Não sei. Formigas é um saco, vulcão é manjado, então pensei no sistema solar. O que acha?”

                “Boa. É só umas bolinhas de isopor em uns arames. Vai ser mole.”

                “Essa era a intenção.” Nós rimos e olhamos pro Greg. “Ficou chateado por ele não querer fazer com você?”

                “No começo, sim, mas eu entendo o lado dele. Ele tem obcessão por ciências. Eu não gosto, mas sei que ele quer fazer o melhor. Então é melhor deixar ele em paz.”

                “Acho que sim. Então? A gente faz na sua casa ou na minha?” Queria muito ver a casa dela por dentro, mas não quis invadir. E ainda tinha os pais dela... Não, é melhor não.

                “Pode ser na minha?”

                “Entendi a defensiva. Ok. Sem problemas. Pode ser hoje?”

                “Pode. Você pode almoçar lá em casa?”

                “Acho que não. Não quero invadir.” Ela era muito parecida comigo.

                “Não vai invadir, mas se você prefere assim... Às duas então?”              

                “Fechado. Vou pegar uns livros aqui pra gente levar.” Ela se levantou e foi ao balcão registrar os livros que a gente ia levar.

                Naquele dia meu pai encontrou 200 dólares em ticket alimentação. Ele tava tão feliz que nem parecia ele. Então minha mãe foi às compras. Só uma coisa compensava minha mãe da vergonha de pagar com ticket, as marcas famosas. Ela fez a festa no supermercado, mas o desastre aconteceu quando ela foi pagar. A Sheila, mãe da Keisha, encontrou minha mãe do caixa, e, como eu disse, minha mãe é uma pobre soberba, e ela não queria que ninguém ficasse sabendo que ela comprava com ticket. Ela escondeu os tickets e acabou pagando com dinheiro. Eu queria só ver quando papai descobrisse.

                À tarde a Lizzy foi lá em casa pra fazer o trabalho. A gente ficou na escada e conseguimos terminar às cinco da tarde. Não ficou maravilhoso, mas também não tava um horror. Descobri que ela pintava muito bem também. Na verdade, a gente mais conversou que trabalhou.

                “Acho que ficou bom.”

                “Também acho. Então, desde quando pinta?”

                “É só um hobbie, foi minha irmã que me ensinou. Ela pinta quadros maravilhosos e eu imito alguns. Depois eu te mostro.” Naquele momento minha mãe abre a porta e vê a gente.

                “Ah. Então é você a amiga do Chris?” Ela ficou envergonhada. Era a primeira vez que falava com a minha mãe.

                “Sou eu, dona Rochelle.”

                “Lizzy, não é?”

                “É sim.”

                “Espero que o Chris tenha falado que eu queria conhecer você.”

                “Ele falou sim. Também disse que queria que eu viesse jantar.”

                “Quero mesmo. Meu filho não tem muitos amigos então eu gosto de conhecer todos. Então, quando pode vir jantar? Pode chamar seus pais se quiser também.” Nós dois nos olhamos. Eu não sei se devia falar dos pais dela, mas ela achou que devia.

                “Dona Rochelle, eu posso vir o dia que a senhora quiser, mas meus pais não.”

                “Por que não?”

                “Eu não sei como dizer isso, mas é que eles não gostam de gente negra.” Ela ficou mais vermelha ainda. Minha mãe não gostou do que ouviu, mas relevou.

                “Tudo bem então. Mas você pode vir sim. Vou estar esperando. Trarei um lanche pra vocês.” E entrou. Nós respiramos alto.

                “Putz. Acho que sua mãe não gostou.”

                “Eu sei que não. Ela odeia racistas. Sem ofensa.”

                “Não é ofensa nenhuma. Chris, você esqueceu uma lua de Júpiter. São quatro e aí só tem três.”

                “É mesmo.” Pequei outra bolinha de isopor e pintei. Minha mãe voltou com o lanche e ela e a Lizzy ainda conversaram mais um pouco. Não sei por que, mas eu gostei de ver as duas se entendendo. Aparentemente, minha mãe tinha gostado dela e vice-versa. Quando a Lizzy foi pra casa, eu desci com ela.

                “Sua mãe é legal.” Ela parecia meio tensa, então virou de repente, ficando de frente pra mim. “Será que ela gostou de mim?” Eu ri muito da cara dela. Ela tava realmente preocupada.

                “Claro que gostou. Quando minha mãe não gosta, ela não esconde.”

                “Ainda bem.”

                “Mas, por que a preocupação?” Ela ficou vermelha pela segunda vez.

                “Por nada. Tchau, Chris. Cuida do trabalho.”

                “Tchau. Pode deixar.” E entrou. Não pude deixar de sentir uma pontada de tristeza. Eu sentia isso toda vez que ela virava as costas e saía, mas não sabia o que era.

                Naquela mesma hora minha mãe estava sentindo que ia ser pega na mentira. Meu pai tava dizendo que como tinha sobrado dinheiro, eles podiam sair, ir ao cinema. Minha mãe tentava desviar de todas as formas e até que se saiu bem. Ela não ia confessar o que tinha feito, então resolveu o que ia fazer: vender os tickets. Ela tentou no metrô, mas quase foi pisoteada, então ela resolveu vender no supermercado, ela só não sabia quem ia encontrar lá. Quase foi flagrada pela Sheila e pela Pamela, a dona do salão do bairro, e nem conseguiu vender os tickets.

                No dia de apresentar o trabalho, fui pra escola sozinho. A Lizzy ia pro dentista e ia me encontrar lá. Foi um saco ir sem ela, já tava tão acostumado. Senti até um vazio, na cadeira e no peito. Quando cheguei lá, fiquei esperando ela no armário e conversei com o Greg.

                “Você fez esse sistema solar com a Lizzy?”

                “Foi. Ficou bom?”

                “Muito maneiro.”

                “Você fez sobre o quê?”

                “Placas tectônicas. São...” Eu interrompi.

                “Greg. A essa hora da manhã eu não vou entender se você explicar.” Ele riu.

                “Tá bom. Mas cadê a Lizzy?”

                “Ela tá vindo. Foi no dentista.”

                Foi aí que o Caruzo passou por mim e pegou meu trabalho.

                “Ei, você não pode pegar!”

                “Quem disse, neguinho?”

                “EU DISSE!” Era a Lizzy. Ela tinha acabado de entrar. “Devolve meu trabalho, Caruzo! Vai querer levar outra surra?” Ela andou até ele e parou encarando. Dava pra ver que ele tava tremendo. “Me dá isso, seu idiota!” Ela tomou o trabalho da mão dele e nós entramos.

                “Nossa! Nunca vi o Caruzo com medo.” Greg. “E que história foi aquela de surra? Já bateu nele?”

                “Foi no ano passado. Ele me encheu muito a paciência e aí dei uns tapas nele.”

                “Maneiro.” Percebi que a Lizzy tinha ganhado o respeito do Greg ali.

                “Todo mundo sentado!” Professor.

                 A gente acabou ficando em segundo lugar, eu e a Lizzy. O primeiro foi do Greg, é óbvio e eu nunca vi uma nota mais rala que a do Caruzo. Nós rimos muito.

                “Parabéns, Greg.” Nós dissemos.

                “O de você ficou bem bacana.”

                “É, mas o seu ficou mais...” ela fez uma cara misteriosa, “científico.” A cara dela tava muito engraçada. Nós rimos.

                “To indo já. Meu pai veio me buscar hoje. Tchau.”

                “Tchau.”

                “Tchau, Greg.” Ela deu um beijo no rosto dele e eu senti uma coisa ruim. Uma angústia e uma raiva do Greg. Ele nem notou e nem se importou com o beijo, foi embora. Pra ele parecia até normal.

                Voltando pra casa com a Lizzy e eu continuava emburrado.

                “O que foi, Chris?” Eu não queria responder.

                “Nada não.” Resolvi mudar de assunto. Eu não sabia o que era aquilo e tinha medo de contar e ela rir de mim. “Foi legal fazer o trabalho com você.”

                “Também achei legal.” Nós descemos do ônibus e andamos até em frente de casa. “Te vejo amanhã, Chris.” E ela me deu OUTRO beijo no rosto e entrou. Achei que fosse dançar de felicidade, mas me acalmei e entrei.

                No jantar, só faltava minha mãe decidir se íamos ao cinema. Tava todo mundo feliz por que aparentemente não tinha motivos pra ela não querer ir. Minha mãe dava importância pro que os outros pensavam, mas ela se importava mais com o que a gente pensava. Então ela contou que tinha comprado as coisas com dinheiro.

                “Por que fez isso?” Pai.

                “A Sheila estava lá e ela pensaria que não podemos comprar comida.”

                “Tudo bem. Podemos ir ao cinema com os tickets.”

                “Não temos mais tickets.”

                “Por que não?” Meu pai tava ficando nervoso.

                “Por que eu usei pra pagar minha permanente.” Minha mãe tava ficando encrencada.

                Meu pai respirou fundo pra se acalmar e eu tava triste por que não íamos mais ao cinema. “Tudo bem, Rochelle. Pelo menos pagou a luz.” No mesmo minuto a luz acabou.

                “Não paguei. Chris, pega as velas e os fósforos na gaveta.” Eles começaram a discutir. Fui na cozinha e peguei o que ela me pediu. Ia ser uma longa noite.

POV. LIZZY

                Acho que ele ficou com ciúmes quando eu beijei o Greg. Eu fiz na inocência e nem passou pela minha cabeça que ele ficaria chateado. Mas pelo menos não durou muito. Eu ainda to nervosa com a conversa com a mãe dele. Eu achei ela legal e sincera. Ela não gostou do que meus pais pensam dos negros, mas reconheceu que não dá pra enfiar juízo na cabeça deles à força.

                Ela tava arrumando minhas coisas pensando nisso, quando vi um envelope na minha cama. Era da Cibele! Abri e li desesperadamente.

                Querida Lizzy,

                Espero que esteja bem. Como eu disse, a faculdade é tudo o que eu sempre quis. O curso está ótimo e eu fiz muitos amigos. Desde a última vez que eu escrevi, conheci um rapaz do meu curso. O nome dele é David. Ele é bonito e muito inteligente. Nós combinamos de sair hoje, por isso eu estou escrevendo a carta com tanta pressa. Não pense que é desconsideração com você, pois não é.

Agora quero que me conte tudo sobre esse garoto negro que você conheceu. Eu sei que o nome dele é Chris e que ele é seu vizinho, mas você só me contou isso. Quero saber se você gosta dele, se ele gosta de você e se você vai demorar muito pra assumir isso. Sei que deve estar negando tudo enquanto lê, mas eu conheço você. Desculpe a pressa com que escrevo. Quando voltar e tiver mais folgas do curso eu escrevo com mais calma. Espero que tenha muitas coisas pra me contar.

                                                                                                              Beijos de sua irmã, Cibele.

P.S.: Um presente segue com a carta.

Olhei o envelope e tinha uma foto dela dentro. Ela estava linda. Minha amada irmã. Peguei a foto e preguei no meu espelho. Foi aí que lembrei... Ah, Meu Deus! Ela pensa que eu ‘gosto’ do Chris! Tenho que esclarecer isso agora! Peguei umas folhas e comecei a escrever.

...

Por: LivyBennet


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Notas finais do capítulo

comentem! comentem! comentem!
P.S: tá ficando chato eu repetir isso todo final de capítulo?
Pra responder isso... COMENTEM!
KKKKKKKKKKK



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