Long Live escrita por lizpfvr


Capítulo 2
Capítulo II


Notas iniciais do capítulo

Contém trecho de uma música chamada "Time" da banda The Maine.



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Capitulo Dois

.

Eu não tenho mais lugar nenhum para ir

E eu não posso nem ajudar meus irmãos

Porque ainda há muito o que eu não sei

Eu só preciso de algum tempo

Para descobrir

Tempo para descobrir

Tempo para descobrir essa coisa

Eu só precisava de algum tempo”

The Maine

.

A manhã estava perfeita: o céu estava limpo, os pássaros cantavam serenamente, e o calor do sol fazia cócegas prazerosas na pele.

Eu tinha plena consciência de que Caspian me observava atentamente, mas continuei retirando calmamente a minha nova flecha da aljava. Aquela foi à primeira flecha que eu fiz e que funcionara perfeitamente – e o hoje seria o seu teste final.

A flecha era menor, porém mais rápida e mais afiada.

Encaixei-a no arco, me endireitei a apontei. Virei levemente minha cabeça, procurando os olhos de meu instrutor. Ele assentiu.

Sorrindo levemente, atirei.

O projétil acertou sem problema o centro do alvo. O instrutor, sorrindo, foi buscá-lo.

Depois de examinar a flecha, com um ar impressionado, ele me entregou-a e disse:

- Muito bem, Victória, muito bem mesmo.

- Muito obrigada, senhor.

Ele olhou para o horizonte.

- Receio – começou – receio que esta seja a nossa ultima aula. Já não tenho mais nada a lhe ensinar. De fato, acho que você é que têm alguns truques para me mostrar.

Sorri.

- Não seja tolo, por favor. Devo tanto ao senhor... De longe, atirar é a coisa que prazerosa que eu faço.

Ele sorriu.

- Então, foi um prazer ensiná-la. Como é uma tradição minha, tem um presente pra você, como um presente de formatura, te esperando nos seus aposentos.

- Ah, isso não precisava.

- Ah, precisava sim.

- Obrigada! – Dei um abraço nele, meio sem jeito, com apenas um braço e sai.

- Ei, Victória – alguém me chamou. Aquela voz não pertencia a meu instrutor Peter. Eu me virei, mas não tinha interesse nenhum dessa vez no que Caspian queria me dizer. Quando eu me virei eu não estava curiosa, mas eu já estava com o arco em posição e atirei.

A flecha passou cortando o ar perto de sua orelha esquerda.

- VOCÊ ESTÁ TENTANDO ME MATAR? – ele gritou. Charles ao seu lado estava abaixado com as mãos à cabeça, parecendo desesperado. Seu rosto até adquirira um tom avermelhado. Eu quase me dobrei de rir, mas consegui manter a pose.

- Tenha um ótimo dia, Príncipe – eu desejei e continuei meu caminho, quase correndo.

Assim que passei pela porta traseira do Castelo, desatei a rir. A primeira vez em dois dias.

...

O príncipe segurou com força o meu braço me impedindo de andar. Virei de má vontade para ele, tentando domar a minha crescente raiva.

- Largue-me, Caspian – eu disse pausadamente e em voz baixa sem o olhar nos olhos. Ah, e eu disse cru assim mesmo – sem o costumeiro e tedioso Príncipe Caspian. Eu vivo perigosamente.

- Eu gostaria de discutir algumas coisas com você antes.

- Nós não temos nada para discutir, temos? Deixe que eu mesma respondo. Não, não temos.

- Temos, sim.

- Temos nada.

Ficamos encarando um ao outro.

- Acho que isso é o que se chama de impasse.

Olhamos para Charles, nenhum de nós felizes com a interrupção. Charles parecia chocado com o que dissera, como se não pudesse acreditar que fora ele.

- Cale-se, Charles – Caspian ordenou secamente.

- Não, Charles, continue falando. Puxe bastante o saco dele e leve-o para longe de mim – pedi.

- Tome cuidado, garota. Eu não sei por que meu tio lhe dá tanta liberdade, só que... Eu não sou ele. E por falar nele, eu andei conversando com ele ao seu respeito. Ele disse que perdera a cabeça, pois não suportava a ideia de seu povo sendo roubado. Mas que já lhe pedira desculpas. Isso é verdade?

- É lógico que é verdade. - menti. Depois acrescentei sarcasticamente: - Por que o Príncipe Regente mentiria para o Príncipe Herdeiro?  

- Não fale assim comigo.

- Assim como?

- Você sabe muito bem como. Continuo sendo o seu futuro rei, exijo respeito.  

Com apenas algumas frases, ele acabou com a minha gloriosa manhã.

Ah, como eu o odiava. Odiava o seu jeito de garoto superior, odiava o modo como ele se referia a mim, odiava o modo como ele me chamava de garota mesmo estando careca de saber meu nome e odiava sua arrogância.

Odiava seus cabelos castanhos cuidadosamente penteados por outra pessoa que não ele, odiava suas roupas ridiculamente bem passadas e cheias de detalhes dourados. E odiava seus olhos castanhos e falantes. (Sim, os olhos dele praticamente falavam: “eu sou o seu futuro rei!”).

Ah, mas nada nele me irritava mais que a sua famosa frase de efeito e o modo como ele nunca cansava de repeti-la.

- E o que você fará no futuro quando for rei? Mandar cortar minha cabeça? Pois é bom mandar um dos seus criados anotar isso pra você já que quando for rei terá tanto pra fazer como anda prometendo que acabara da minha insignificante cabecinha aqui.

- Qual é o seu problema? – ele disse subitamente. – Você tentou me matar esta manhã!

- Você acha mesmo que a aquela flecha não te acertou porque eu errei? – Eu ri sem humor algum. - Se eu quisesse que ela te acertasse, ela teria te acertado. E você quer saber mesmo qual é o meu problema? Você tem certeza de que está preparado pra ouvir?

- Sim, eu acho que estou. 

- Então lá vai: o meu problema é que sou uma garota sozinha, órfã, tenho que conviver com você e tudo nesse castelo, que alias, é uma grande hipocrisia! Que tal? Fui clara o bastante pra você, senhor futuro rei? 

- De que diabos você tá falando?!

- De tudo que esses seus olhos arrogantes não veem, Caspian! De tudo que essa sua cabeça limitada não compreende!

- Não fale como se soubesse de tudo, Victoria!

- Não grite e nem mande em mim como se já fosse rei, Caspian!

Eu tinha plena certeza de que se podia ouvir nossos berros do outro lado o castelo. Desta vez – mesmo com todas as nossas épicas brigas – nós perdemos o controle.

E agora ofegávamos ainda muito perto um do outro. Caspian ainda apertava meu braço. Eu sentia sua respiração quente no meu rosto.

Como eu já disse, nos sempre discutíamos. Ainda mais pelo fato de Miraz me deixar vagabundear pelo castelo sem nenhum motivo claro.

Na verdade, o motivo até que era bem obscuro.           

Eu era a filhinha bastarda dele. Pronto falei. Filha bastarda.

Minha mãe era empregada no castelo e vinha de uma linhagem de narnianos, descendente de anões negros - o que explicava sua rara pele negra feito ébano e sua estatura baixa -.  Meu pai estragou o que eu teria herdado sem problema. Qualquer coisa que me diferenciasse dele, e de todos ali, me deixaria mais feliz.  Meus olhos tinham um tom engraçado. Não eram castanhos escuros, brilhantes e enigmáticos. Era verde e castanho claro. Verde no escuro, e castanho claro no sol.  E minha pele era de um tom bem parecido com mel.

E de doce eu não tinha nada. 

Bem, continuando com a história do meu nascimento: Miraz embebedou minha mãe, ela tinha apenas dezenove anos, passou a mão em sua perna e uma coisa levou a outra... E ele já era casado.

Eu gostaria de ser menos lógica, pois pensando desse modo tudo parece meio nojento. E é meio estranho achar o fato de você estar viva e respirando meio nojento. Mas, como a minha sabia mãe dizia: “Temos que encarar a realidade – fria e dura, daquele jeito mesmo. Mas nós temos”.

- Se você acha isso tão hipócrita porque está aqui? – Caspian perguntou com a voz entrecortada me trazendo de volta a superfície. O tom dele era mais gentil, a pergunta fora rude, mas ele parecia genuinamente interessado na resposta. Mas ainda assim tive vontade de esfregar na cara dele que era sua priminha bastarda.

Agradeci silenciosamente a Luke – aqueles momentos de puro silencio e paralisia caçando dentro da floresta com ele foram essenciais para a perda do meu temperamento explosivo e impulsivo. 

 - Eu vivo aqui, pra onde mais eu iria? – Aquela resposta veio de um jeito natural, eu nunca tinha pensado muito desse ponto de vista, mas lá estava ele. Eu odeio este lugar, não é o meu lar, minha mãe fazia ele ser. Mas para onde mais eu iria? É por isso que eu devia obedecer Miraz. Eu não trabalhava, mas ele me permitia viver lá do mesmo jeito. - É uma boa pergunta. E é isso que respondemos quando não temos uma boa resposta. – Eu baixei os olhos e depois disso ninguém falou nada e nem se moveu. É o que chamam de clima estranho.

Talvez ele tenha passado a refletir sobre o que eu dizia. E talvez seja bom pra ele... Às vezes eu acho que ele estava vivendo dentro de um mundo exclusivo, onde eu nunca poderia tocá-lo, ou melhor, chacoalhá-lo e gritar: “ACORDA!”.

- Porque sempre sinto que você esconde algo de mim? – ele disse de um modo quase manso.

Eu ri. Sentia-me cansada de provocá-lo e criar mais uma briga, mas eu ri.

- Porque eu sou misteriosa e isso é parte do meu charme? – eu disse quase no mesmo tom, mas com um riso na voz.

Ele arqueou as sobrancelhas e eu me irritei um pouco. Que resposta ele queria exatamente? E porque ainda não afrouxara a mão no meu braço? E porque eu ainda não protestei contra isso?

- E também porque eu realmente escondo algo de você pelo simples fato de não ter que te dizer nada. Eu não tenho que dizer nada!

Ele abriu a boca pra discutir de novo, mas eu não tinha mais fôlego pra tanta porcaria. Além do mais, nossas discussões se tornavam cada vez sem menos sentido.

- Olhe, solte meu braço, então eu não cruzarei o mais seu caminho hoje, tudo bem? Diga pra alguém que vai ser o futuro rei dela e seja feliz, sério. Eu vou cuidar pra não estragar o seu prazer.

Ele me fitou perplexo.

- Até a vista – murmurei em despedida. Saí tão rápido que não ouvi a resposta.

...

Apesar de todo o meu nervosismo, o meu reencontro com o meu melhor amigo não podia ter sido de melhor maneira. Ou pelo menos, superficialmente.

Ele foi o mesmo – sorriu a me ver, debochou um pouco de nós sem percebermos, e liderou sem ao menos dizer um verbo imperativo.

Já eu fui desconfiada, sem muitos sorrisos dados de boa vontade, e apressada. Mas até então, acho que ninguém percebeu, pois eu sou assim a maior parte do tempo. (A não ser a parte dos sorrisos. Os meus sorrisos só são negados ao Príncipe).

No final do dia, eu suspirei aliviada. Ninguém percebera que eu fora beijada pelo meu melhor amigo. E meu melhor amigo não parecia querer me beijar novamente.

Mas como eu pensara, todas as minhas impressões eram superficiais.

Eu só precisava estar no lugar em que eu me sentia mais segura pra sentir isso.

Quarta feira de manhã, resolvemos caçar. Não era ilegal – a floresta que ficava depois da ponte de entrada metia tanto medo nas pessoas que elas nem sequer consideraram alguém entrar lá para criar uma lei sobre ela. Muito menos sobre uma lei sobre caça.

E eu, contanto que tivesse meu arco e uma aljava com flechas, não teria medo de ir a lugar algum. Luke sempre me falou que quem tem medo é quem tem algo a perder.

Eu não tinha – e mesmo que tivesse, esse algo seria a minha vida. E como eu já disse, eu tinha o meu arco e flecha. O que ou quem tentasse tirar minha vida teria de ser muito habilidoso.

Narnianos eram habilidosos, eu aprendi em uma das minhas aulas secretas. Mas eu não me sentia ameaçada. Primeiro que, pelo que se comentavam, eles estavam extintos. Segundo, que eu era um deles. Bem, quase um. Mamãe sempre me contara, com o maior orgulho que podia, que vinha de uma linhagem de narnianos: anões negros. Terceiro, se eu encontrasse com algum, eu não teria muita certeza se eu tentaria algum tipo de confronto. E quarto e ultimo, se haviam narnianos ali, com certeza não viviam descuidados e desprotegidos na borda da floresta. E nós mal penetrávamos ali.

O povo era tão ignorante, tão medroso que nunca haviam descoberto o nosso “acampamento”. A sede base do nosso “clube”.

Começara como uma brincadeira, mas agora nós já tínhamos até dois estábulos improvisados.  Eles estavam de lados opostos, mas tão avista que ficava obvio que alguém não estava fazendo o trabalho de ronda direito.  Cinco cavalos viviam ali, na base da floresta e tínhamos turno. Cada um ia um dia. Luke sempre era o primeiro e eu sempre era a ultima. 

Eu havia os feito prometerem pararem de roubar por hora, então a única coisa que lhes restava era a caça.

 Entravamos descontraídos. James contava seus causos com as garotas da cidade e todos nós riamos. Bem, todos menos Luke. Ele andava há alguns passos á frente, mas ele parecia estranho. Tenso, podia ser pela atividade que iria exercer agora, mas não ele não parecia estar presente.

Examinei o rosto de Luke mais atentamente por um instante; os olhos por ultimo. Havia algo o incomodando. Ele parecia normal. Inventou meia dúzia de mentiras sobre o olho roxo, mas continuou agindo como sempre. De poucas palavras, rosto expressivo, charmoso... Tudo nele lembrava frescor. Mas, ali, andando isolado, claramente havia algo de errado com ele.

Seu rosto estava inexpressivo, mas o que me preocupou foram os seus olhos. Os olhos de Luke sempre o denunciavam. Sempre. E ele não era o tipo de pessoa que mentia sobre os sentimentos. Só que agora os seus olhos azuis estavam vazios. Ele mantinha os ombros tensos como se estivesse concentrado, mas era obvio que sua atenção não estava sendo dada para o que acontecia agora pelo modo como ele tropeçava.

Apertei o passo e me juntei a ele.

- Tem algo de errado com você. – Comecei.

- Outch. Sempre delicada.

- Não seja engraçadinho, por favor. Eu te conheço, Luke. Tem algum problema perturbando essa sua cabeça azeda.

- Tem mesmo e ele se chama Victória. Conhece? Só me dá dor de cabeça.

Fiquei encarando ele.

- Quando quiser falar com a sua melhor amiga, companheira de aventuras e parceira nas encrencas, você me procura, tudo bem?

Apertei o passo de novo.

Eu não gostava de vê-lo incomodado e muito menos de vê-lo me afastando.   E eu, querendo ou não, estava muito vulnerável durante essas semanas.

Eu estava realizada pelo fato de eu ainda não estava chorando.

- Vamos parar de brigar? – ele perguntou, com um tom mais ameno.

- A gente não está brigando. – respondi.

- Então vamos parar de não brigar?

Eu ri.

- Vamos sim. Está pronto para me contar o que está te incomodando ou o quê?

- A ficha. Eles fazem uma, não fazem? Agora sou oficialmente um criminoso.

- Eles fizeram uma ficha sua?

- Acredito que sim. Depois de me baterem, fizeram perguntas. Eu estava zonzo, nem pensei em mentir e...

- Mas porque isso te incomoda?

- Eu não sei, sinceramente, eu não sei. Já fiz muita coisa errada, mas ser reconhecido por autoridades, mesmo que corruptas, é uma coisa que continua martelando na minha cabeça que... Que decepcionaria a minha mãe. Eu simplesmente não consigo me livrar disso e me sinto estúpido, pois ela já não está mais por aqui.

“Ela já não pode mais sentir.”

Revirei os olhos de modo imperceptível e quase sorri.

 - Mas se ela estivesse aqui, ela sentiria é muito orgulho do filho dela. Você só está vivendo como pode. E ela também estaria emocionada. Nunca vi um filho ficar tão incomodado com que a mãe pensaria dele, mesmo ela... Não estando mais aqui.

Ele sorriu pra mim.

- Obrigado, Vivika. 

- Vivika? – eu ri. – Você ainda se lembra desse apelido?

- Com certeza.

- Eu ainda não sei por que eu não consigo achar algum apelido para você.

- Luke é o tipo de nome que não precisa de eufemismo. É belo e simples por si só.

- Ô coitado – Lilith comentou e todos nós caímos na risada.

- Filipe? – pedi.

- Sim?

- Você tem relógio aí?

- Tenho sim – quase envergonhadamente, Filipe tirou um relógio de bolso, todinho de ouro e olhou o relógio rapidamente. – São quatro horas.

- Tá, obrigada.

- Pessoal, espera ai. Eu acho que um coelho acaba de cair em nossa armadilha.

E então, quando todos os oito prendemos a respiração com a simples menção de um coelho caindo na armadilha, não éramos mais a Trupe de Palhaços e o papai e mamãe. Éramos membros do “clube rebelde de caça”.  Não éramos desajustados “caçados pelo governo”. Éramos caçadores.

...

40 minutos depois e com a saca de couro pesada, voltávamos satisfeitos e vagarosamente.

-... foi melhor quinta-feira de todas. – James exclamou feliz da vida.

Sai da zona de torpor (aquela na qual eu entrava sempre que Julia, Maggie e Lilith começavam a opinar sobre os meus cabelos. Eles eram duros, rebeldes e caiam na cara. Que penteado elas me poderiam sugerir além trança?) na qual eu me encontrava e perguntei:

- Como?   

- Sim – James respondeu animado – hoje foi um dia fartíssimo e...

- Não, Jammie. Que dia é hoje?

- Quinta-feira, mas...

- Hoje não é quarta?

- Quinta, Victória, porque...

 Eu já tinha me soltado das garotas e sairá correndo.

- Tô atrasada! Tenho que chegar no castelo, guardar o Fueco, trocar de roupa e ainda tenho aula. Tchau, gente!

Eu estava quase dobrando a minha velocidade, mas me lembrei de algo. 

- Ei, Luke! Eu vou conseguir aquela ficha pra você!

... 

Parei ofegante na porta e bati três vezes.

Doutor Cornelius abriu a porta e não pareceu surpreso a me ver.

- Me desculpe, me desculpe! – despejei.

- Antes tarde do que nunca, querida Victória. Agora porque não se arranja um lugar?

- É pra já!

Caspian estava sentado no meio da sala, em uma das três enormes mesas de madeira negra. Como haviam livros e pergaminhos espalhados sobre sua mesa, conclui que a aula estava sendo dada ali. Não havia sentido em eu me sentar em outra mesma.

Procurei uma cadeira do mesmo lado que Caspian, mas o mais distante que pude. Assim eu não precisava olhar pra cara dele.

- Não se incomode comigo – eu disse, enquanto me ajeitava. – Por favor continue, do que estavam falando?

- Eu estava prestes a falar sobre...

- Narnianos. – Caspian completou satisfeito.

Meu queixo caiu.

- Vocês iam falar sobre narnianos sem mim? – Perguntei.

- Não senhorita, eu estava prestes a explicar para...

Mas naquele ponto eu já estava ligeiramente estourada.

- Caspian, seu trapaceiro! Você sabe muito bem que o nosso combinado é só fazer coisas ilegais quando eu estiver presente!

- Interessante escolha de palavras.

- Você me entendeu muito bem! 

- Não, eu não entendi!

A este ponto, nos dois já tínhamos levantado e apenas uma cadeira nos separava.

- Ouçam vocês dois. Preferem perder o nosso escasso tempo com brigas ou querem aprender algo sobre as magníficas criaturas que povoaram estas terras antes de nós? Se preferirem discutir, eu peço licença para adiantar meus outros afazeres e... – Quando ele nos olhou de novo, estávamos os dois devidamente sentados, um do lado do outro desta vez, fazendo cara de inocente.

- Tudo bem, então. Tudo bem. Por onde eu começo? O que vocês gostariam de saber hoje?

E então ele começou a rir, quando eu e Caspian, numa explosão de contentamento, começamos a falar ao mesmo tempo, as vozes se embaralhando, só que de uma forma muito mais divertida do que uma discussão...

... 

“E um... Um dia eles se foram.” Dr. Cornelius terminou misteriosamente sua história sobre os antigos Reis e Rainhas de Nárnia.

- Como assim “se foram”? – Caspian perguntou.

 - Saíram pra caçar, se divertir e nunca mais voltaram. Só foram encontrados os cavalos. E os seus objetos pessoais, do quais eles raramente se afastavam.

- Os objetos que eles ganharam no seu primeiro natal em Narnia? – eu perguntei com os olhos brilhando.

- Sim, querida. Eu tenho uma ilustração deles, por aqui. – Ele deu uma olhada nos livros que dispunha a sua frente, em cima da mesa, e então, com um sorriso, virou o livro para nós.

Examinei com os olhos os detalhes do desenho. Era uma adaga, de cabo acolchoado, em dourado e vermelho. A lâmina era curta e grossa, porem muito bem afiada. Mesmo se eu não soubesse a história, que ela fora dada do próprio Papai Noel para Lúcia, A Destemida, eu concluiria facilmente que a arma pertencera a uma mulher.

- Esta pertenceu a... - começou Dr. Cornelius deliberadamente devagar, para nos testar.

- A Rainha Lúcia. – respondeu Caspian.

- Correta, e esta... – Ele virou a pagina.  Era uma espada, bem mais comprida, prateada. Tinha detalhes e inscrições em vermelho. A cabeça de um leão – também vermelha, pois era feita de rubi.

- Esta é a espada de Pedro – respondi.

- Muito bem, muito bem... Esta?

A nova imagem mostrava um frasquinho, envolto por uma capinha de couro vermelho escuro.

- O elixir de Lúcia! – Caspian e eu respondemos ao mesmo tempo, animados! O liquido que havia ali dentro, praticamente operava milagres.

Com uma risadinha, Dr. Cornelius virou a página... Para o sorriso sair do meu rosto.

- A Trompa de Susana. – Caspian respondeu prontamente

 - Não – eu protestei, baixinho.

- É lógico que é, olhe bem pra ela, é bem óbvio na verdade...

- É, eu estou vendo, mas... – Respirei fundo e observei mais atentamente. Não era possível. Não era possível que a trompa fosse mesmo de Susana, e que estivesse ali, estampada em um livro. Não era possível, pois aquela trompa era minha.


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Notas finais do capítulo

Deixei um mistério nesse finalzinho pra vocês, rs. Espero que tenham gostado e até o próximo capitulo, xx.