Long Live escrita por lizpfvr


Capítulo 1
Capítulo I


Notas iniciais do capítulo

Contém trecho de uma música chamada "No Love" dos cantores Eminem e Lil Wayne.



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Capitulo Um

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“É, minha vida é uma droga, mas você não sabe nada sobre ela.

Vivenciei de tudo, eu posso te mostrar provas.”

Lil Wayne

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Acordei junto com as galinhas. Molhei o rosto, trancei os cabelos, escovei meus dentes, coloquei a minha calça de couro preta predileta, peguei minha aljava, acendi uma vela para a minha mãe e deixei meus aposentos.


Tentei não fazer barulho algum ao descer as escadas, evitando todos os degraus que rangiam.


Eu não queria ser notada por ninguém – principalmente pelo príncipe.

Luke, meu melhor amigo, me esperava lá fora com uma saca de couro para caça, minha aljava e flechas e um sorriso no rosto. Além de James, Maggie, Julia, Percy, Lilith e Filipe – os quais receberam de mim o carinhoso apelido de Trupe de Palhaço -, é claro.

Eu me distraio pensando neles, os meus companheiros de aventura. Distração era algo que não podia ser admitido: principalmente quando se deve estar atento, já que planeja sair furtivamente de um castelo.

Só que agora o mal já estava feito. Eu trombara com Caspian causando a queda de uma armadura de prata muito bem polida, parada junto à curva do corredor.

– Ora, ora, só podia ser você.

Ele deu um passo para trás e preparou sua melhor expressão de desprezo. Calculei as minhas chances de fuga. Eram boas, porém, a que preço?

Engoli em seco, abaixei a cabeça e tentei me conformar com o fato de ter que ficar ouvindo uma ladainha muito chata, muito batida, sobre como ele em breve passaria de ser Caspian X, O Príncipe para Caspian X, O Rei pelos próximos cinco ou sete minutos era o melhor pra mim.

Eu sempre discutia com ele, mas daquela vez preferi usufruir do meu direito de ficar calada. Era cedo demais – nós acordaríamos metade das garotas que estavam ali para o Festival, e eu já estava até o pescoço de confusão. Meu pai estava ficando impaciente comigo. Era hora de dar uma acalmada.

Considerando tudo, se eu as acordasse seria bem divertido. Por outro lado, Luke e a Trupe esperavam por mim.

Mas o príncipe não abriu a boca.

Fiquei tão surpresa que levantei os olhos.

Ele sorria.

O que era engraçado? Havia algo errado. Ele... Ele finalmente conseguira permissão de passar a guilhotina no meu pescoço.

Pois ele que tentasse.

– E não é que nossa rebelde sem causa acorda cedo, Charles?

Charles, o medroso acompanhante dele, assentiu apressadamente.

– Eu sempre acordo o mesmo horário desde os três anos de idade e você está ciente disso, querido Príncipe.

– Estou?

– Sim, está. Nós nos vemos todas as manhãs desde os cinco anos por conta dos estudos.

– Mas hoje é feriado.

– Portanto o dia é livre, posso fazer o que desejo, e acordei cedo como estou acostumada. Não sou como as sonolentas madames que devo chamar agora de princesas, querido Caspian. Deseja me importunar com mais alguma coisa?

Ele deu uma risadinha e me observou por um instante.

– É Príncipe Caspian. Querido Príncipe Caspian.

– Querido Príncipe Caspian, você não está perdendo muito do seu tempo precioso comigo? – Perguntei querendo me livrar logo daquela conversinha maçante.

– Talvez. Estou organizando o concurso do Festival de Primavera, sabe?

– É lógico que está. O concurso é seu. – Eu disse meigamente. O concurso era vendido como dele, mas sempre eram organizados por um dos seus milhares empregados. E ele sabia que eu sabia disso.

– Mas dessa vez é sério. Adoraria contar com a sua presença no camarote Real.

Fiz uma careta. Já era um sacrifício ter de assistir o concurso As Princesinhas do Príncipe (sim, existe um concurso de beleza com este nome) junto à platéia popular. Ter de assisti-lo junto à nobreza então...

– Vou fazer o meu melhor para comparecer. Agora, com sua licença – cruzei as pernas e balancei uma saia inexistente. – Eu tenho de ir. Tenha um bom dia com as suas princesinhas.

Sorri insolentemente e cruzei o mais rápido que pude o corredor.

– Ei, Victória – ele gritou por sobre o ombro. Mordi meu lábio inferior e me forcei a virar pra olhá-lo.

– Sim?

– Esteja aqui ás cinco horas em ponto. – E aquilo fora uma ordem. Eu mal podia acreditara que ele estava mandando em mim.

Porem, antes de eu colocar o meu descontentamento em palavras, ele já tinha feito a curva no fim do corredor e sumido de minhas vistas.


...


Antes de eu ter tempo de negar qualquer coisa, James enfiou um biscoito com a geléia de morango na minha boca.

Luke, que estava encostado em seu cavalo debaixo da sombra, sorriu de leve.

Mastiguei a bolacha de má vontade, para descobri dois segundos depois, que do jeito que aquela geléia era gostosa eu deveria é agradecer. Aquela geléia era do tipo que te fazia lamber a ponta dos dedos. E eu estava com fome.

James percebeu e sorriu também. Colocou outro biscoito bem debaixo do meu nariz e quando eu fui dar uma dentada, ele afastou-o e colocou em sua própria boca.

– James, porque você é sempre tão babaca? – Lilith perguntou.

– Babaca? Esse é o só meu charme. – James nunca deixava de sorrir, parecia um dom.

– Por favor, James, Lilith, eu gostaria de comer sem ouvir as suas tolices. Que eu sabia irmãos gêmeos deveriam ser mais unidos. – Maggie disse, com razão. Quando aqueles dois começavam, raramente paravam.

– Pelo o que você saiba, né, Maggie? Acho que não é muito. – Filipe disse com seu natural esnobismo. Ele se esforçava para ser legal, ser rebelde, mas no fundo aquele lado garotinho de papai nunca o abandonaria. Mas não era jeito de falar com ela. Só que eu estava com a boca muito cheia de geléia para colocar ele no lugarzinho dele...

– Ai, isso doeu aqui em mim. – Percy falou massageando o braço, como se a declaração de Filipe tivesse lhe dado uma ferroada mesmo.

– Como vocês não engasgam com seus próprios venenos? – Julia falou, jogando o cabelo para trás.

– Ai, Julia, só porque você é apaixonada pelo meu...

– Eu acho que vocês são realmente uma Trupe de Palhaços. Todos ridiculamente engraçados. – Luke interrompeu como se não quisesse nada. Chegou mais perto, me puxou do chão e me deu o braço. - Concorda comigo, cara amiga Victoria? – Ele estava usando um tom que normalmente não usaria e palavras polidas.

– Assino em baixo em tudo, querido companheiro Luke! – Eu disse com um falso entusiasmo.

– Pena eu não gosto de circo.

E então com braços dados, nos demos às costas e começamos a caminhar.

Um minuto depois, uma algazarra que parecia alguém catando coisas no chão e se levantando, depois correndo, começou logo atrás de nós.

De repente, o barulho cessou e seis adolescentes começaram a caminhar ao nosso lado, meio avermelhados, mas sem dizer uma palavra.

– Olhe Luke, nossos filhos resolveram parar de se portarem como crianças e estão nos acompanhando.

– Tudo porque você é uma ótima mãe, querida. Mas na verdade tudo isso se deve a mim, porque senão... Você sabe muito bem como é que eu trato mulher que me decepciona. – Luke.

– Ah, eu sei querido, eu sei. Mas é tudo para o meu bem, não é? – eu disse submissamente.

– Ah, eu adoro essa brincadeira Já ouviram ela falar nesse tom em alguma outra ocasião? – James sussurrou animadamente. Fingi que não ouvi.

– Mãe, o que nos vamos fazer hoje, mas tarde? – Maggie perguntou distraidamente.

– Eu não vou fazer nada. Caspian quer que eu exige que eu esteja no castelo ás 5 horas.

– Desde quando ele manda em você? – Luke enrijeceu ao meu lado.

– Desde quando eu tenho que manter um pouco de paz naquele castelo. Se eu não obedecer meu pai... Você sabe que eu não tenho mais ninguém, Luke.

– Mas você não tem a ele, Vi. Você sabe que não. Você tem a mim.

– Eu não quero falar sobre isso agora, da pra ser?

Luke, porem nada respondeu, se desvencilhou de mim e desviou o rosto. Todos se calaram. Era raro ver nós dois brigando.

Luke, no fundo estava certo, sabe, eu só tinha a ele. Ele e meu orgulho.

Minha mãe estava morta, eu era a filha bastarda do príncipe e o Príncipe Herdeiro, meu primo, que nem sabia que era meu primo, me odiava e eu nem sabia por quê.

Só que eu me recusava a ter autocompaixão. Me recusava a ter pena. Me recusava ter menos esperança.

E me recusava a chorar na frente deles.

– Talvez eu de um jeito de ver vocês mais tarde, pessoal. Agora tenho de ir.

– Mas Victória...

– Deixa ela – Luke sussurrou. Foi como se tivesse enfiado um punhal em mim.

Pelo menos o meu orgulho era um guerreiro mesmo. A primeira gota d’água saiu dos meus olhos só quando eu já estava dentro do meu quarto.


...

Acordei com as batidas na porta.

Abri e dei cara com Charles. Charles significava que Caspian queria alguma coisa. Caspian querendo alguma coisa de mim significava problema.

Ele tinha um embrulho nos braços e olhava para os lados toda hora como se não quisesse que ninguém o visse na porta dos meus aposentos.

Dei de ombros.

– Deseja alguma coisa? – Meu humor não estava dos bons, mesmo tendo dormido a tarde toda. É que eu não era de dormir.

Mas dormir parecia inevitável depois de ter chorado tanto que eu ainda não tinha tanta certeza de como não havia uma poça debaixo da cama. Depois eu teria de conferir.

– S-sim, senhorita. – Ele estendeu o embrulho. – Presente do p-príncipe.

– Presente, é... PRESENTE? - Devia ter alguma coisa ali. Algum percevejo que mordesse, talvez aquele pó que dava coceiras de que tanto se comentava...

– É sim, s-senhorita. Tem um b-bilhete junto do embrulho.

– Pode parar de gaguejar, Charles. Eu não mordo.

Ele empalideceu.

– P-p-p-porque você m-me morderia? – ele perguntou.

– Eu estava só... – fiz uma careta pra ele. – Estava só brincando.

– B-brincando? – ele pensou por um instante antes de completar. - C-com s-sua l-licença, s-senhorita, o-o p-príncipe m-me e-espera.

Rapaz perturbado. Fechei a porta e me dirigi com o pacote até a minha cama. Abri-o cuidadosamente, quase com medo.

Era um vestido.

Um vestido verde e elegante – chamava atenção pelo desenho, não pelo brilho e pelo tanto de cacareco que costuma ter pendurado.

Depois de ter dado uma boa chacoalhada no vestido atrás de algo suspeito, um bilhete caiu no chão.

A letra cheia de floreios eu reconheci como sendo de Caspian.

.

.

Querida Victoria,

Eu sinceramente gostaria que comparecesse ao ultimo dia do Festival de Primavera , que felizmente, ou não, acontece essa noite.

O Concurso, como sabe, por tradição, acontece hoje também, ao escurecer.

Em favor, aos anos em que costumávamos ser... Amigáveis um com o outro eu a solenemente convido-a para assisti-lo.

Pode parecer que não, mas esse concurso é importante, sim. Quando meu pai tinha a minha idade, dezessete anos, ele conheceu a minha mãe assim.

Quem sabe eu não encontro a minha princesa?

Enfim, eu gostaria de compartilhar esse momento com você também. E que tipo de cavalheiro seria eu se fizesse esse tipo de convite inesperado sem fazer nenhum agrado antes?

Espero que essa seja a sua cor,

Príncipe Caspian.

.

.

Peguei o vestido e observei-o por uns instantes. O corpete era apertado e devia tirar o ar dos pulmões. A cor era chamativa, o mesmo tom dos meus olhos. E a saia nem era a saia da moda – caia em babados assimétricos quase até os tornozelos.

Suspirei.

Comecei a me despir para me banhar e depois me enfiar dentro do vestido.


...

O Camarote Real estava lotado. Havia uma mesa com tipos variados de comida no centro, a vista direta e privilegiada para o concurso e a parte de trás, quase vazia onde eu me encontrava.

Eu andava olhando para os pés. Quem inventara que sapatos altos e vestidos de festa combinavam era uma pessoa muito infeliz com a própria vida, certeza.

Só que andar olhando para os pés, mesmo quando muito preciso, não era uma grande ideia.

Acabei esbarrado com alguém. Eu estava esbarrando muito com as pessoas hoje.

Levantei os olhos, com desculpas na ponta da língua, mas acabei por sorrir. Filipe olhava pra mim como se tivesse acabado de ver um fantasma.

– V-V-Victória? - Eu nunca ouvira Filipe gaguejar em toda a nossa amizade. Achei graça. Ele era sempre tão autoconfiante e auto-suficiente.

– Filipe? – Debochei.

Ele piscou os olhos verde musgo pra mim.

– O que faz aqui? – Perguntou olhando para os lados.

– Eu fui convidada. Como se eu aparecesse muito... E você? Não disse nada hoje cedo.

– E-e-eu...

– Filipe! – Uma voz autoritária soou e um homem barrigudo, dono de uma juba vermelha, apareceu por trás de meu amigo. Havia uma mulher loura e mais jovem colada ao seu braço.

– P-pai, está é a...

– Não me interessa no momento, filho. Claudia, que fez a gentileza de me acompanhar já que sua mãe se encontra tão doente no momento, precisa tomar um ar. Voltamos em breve. Permaneça aqui, me representando. Você me entendeu, Filipe Hugo van Denaro III?

– Sim, senhor.

– Comporte-se.

E se retirou. Observei a mulher bamboleando o traseiro até a saída depois me virei pra Filipe.

– Quem é você afinal? – Perguntei, pensando em seu nome. Filipe Hugo van Denaro III. Ele era um Van Denaro. Engraçado como fazia meses que eu andava para cima e para baixo com ele e nunca me interessei em saber mais sobre ele.

Sabia que ele vinha de uma família endinheirada, e que ele era o filho único e rebelde. Andava com um bando de ladrãozinhos pela cidade só para dar desgosto ao pai. Permitíamos porque ele era muito inteligente e estava disposto a nos ajudar. E acontece também que acabamos nos afeiçoando pelo seu humor acido.

Só que agora me ocorria que talvez Filipe fosse muito mais do isso.

E que fora negligencia da minha parte nunca ter notado.

– Não diga nada ok? Eu conto tudo. – ele se deteu e depois suspirou. - Na verdade não a muito que contar. Mamãe é doente. Um doce, mas tem uma doença incurável. E meu pai é adultero desde então. Eu finjo que não percebo, mas às vezes ele não faz esforço nenhum para esconder e eu fico tão próximo de... entrar em colapso. Fim de história.

Ele me deu um sorriso triste.

O sorriso de alguém que não quer que você perceba ou ache que ela esta desistindo. Porque ela não esta desistindo. Ela só esta dando uma pausa. Ela vem sendo forte há tanto tempo...

– Eu não quero pena. Não sou digno de pena. Minha mãe é. Mas eu não quero que tenha pena do mesmo jeito. Ela é forte ainda, do jeito dela... Do jeito que pode, mas é.

– Porque está me contando isso? – Eu perguntei, em um fio de voz.

– Porque você entende. E você não julga. Sinto que posso confiar em você. Todos os outros confiam.

– Você acha? – Eu estava à beira das lágrimas.

Ele assentiu.

Formei a palavra “obrigada” com os lábios.

– Eu só não quero que algum deles saiba, tudo bem? Principalmente o Luke.

– Porque não o Luke?

– Porque o Luke já me olhou com algo que parecia admiração nos olhos. Luke é o cara mais legal que conheço. E o único exemplo de cara legal que tenho. Se ele soubesse... Talvez nunca mais tivesse espaço pra isso.

– Você claramente não conhece o Luke direito... – Comecei a falar, mas fui interrompida por alguém chamando meu nome.

Virei-me instintivamente.

Charles vinha rapidamente em minha direção.

– O Príncipe chama por você.

– Mas o que...

– Ele diz ter uma urgência.

– Mas o que...

– Vamos logo, por favor.

– Tá legal, Charles. Com licença, Filipe, mas... O dever me chama. – Dei um riso irritado e segui Charles ate a saída do Camarote.


...


Charles acabou me abandonado em uma das salas vazia atrás do palco. Sempre faziam milhares delas, apesar de as princesas sempre se reunirem em um só. Se bem que vazia não era a definição certa.

Havia sapatos, lenços, uvas e frangos assados comidos pela metade sobre a mesa, cálices de vinho meio vazios, um cheiro forte de perfume marcante e laquê.

“Espere aqui que o Príncipe Caspian X vira falar com a senhorita.”

Como se eu tivesse algo para falar com o príncipe.

Sentei-me numa poltrona com um revestimento ridículo, toda mal humorada. Acontecia que a poltrona, apesar de ser de extremo mau gosto, era muito confortável.

Relaxei um pouco, mas ainda estava impaciente.

Até que uma mulher de longos cabelos dourados entrou na sala e me olhou com horror.

– Você ainda esta aqui? Querida, você esta atrasadíssima! Venha logo... Ah meu Deus, eu nem sei se ainda há tempo.

Sem entender bulhufas, eu fui empurrada pelo corredor até... Até sair no palco do concurso.

As pessoas se calaram ao me ver, tão surpresas quanto eu. Na mesa dos jurados, bem no centro, Caspian parecia estar cheio de satisfação. Tentei voltar pra trás, mas a mulher loura me barrou e apontou pra frente.

Respirei fundo.

O único jeito de meter o pontapé no traseiro de Caspian seria descendo dali.

Corajosamente, dei um passo. Na plateia pude ver meus amigos. Eu podia ver o olhar de Luke, meio irritado, meio com expectativa, meio surpreso.

Tive vontade de voltar e implorar pra mulher me deixar passar.

Porém, nada disso fiz.

Apenas dei outro passo. E depois outro. E então, assim, de passo em passo, eu já atravessara toda a passarela e descera as escadas.

E então a platéia explodira em aplausos – estavam todos aplaudindo a palhaça do ano. E então os juízes (a maior parte, os empregados mais familiares do palácio) estavam me dando nota máxima. E então eu havia ganho.

Havia algo errado.

A satisfação já sairá do rosto de Caspian. E só restara a irritação no rosto de Luke.

Eu havia ganhado.

Havia algo muito errado.

Para começo de conversa, eu nem havia me escrito.

Mas assim mesmo eles me entregaram flores, uma coroa de latão com pedras de vidro e me garantiram que eu teria um jantar privado com o príncipe e depois dançaríamos no salão, junto a todos.

Eu não queria nada daquilo – entendera que a primeira parte fora uma brincadeira de mau gosto. Porem, não era para ir tão longe, era?

Tudo o que eu menos queria era ter um jantar privado com o príncipe. Muito menos ter de dançar com ele.

E se seria um inferno pra mim, seria um inferno pra ele.

Pelo menos, seria um inferno pra ele.


...

A luz de velas, seria um pecado falar que ele não era bonito.

Mas eu preferia jantar com o homem mais feio do mundo do que com ele.

– Eu acho que posso deixar toda a cortês falsidade de lado e perguntar: você conseguiu o que queria? Aqui estamos nós. Está feliz? Pois eu não! Pode me esclarecer uma coisa? Que porcaria era essa que você estava bolando? Seu grande idiota! Grande idiota!

– Se você se calasse, talvez eu poderia tentar.

– Querido Príncipe Caspian, o senhor não quer me ver mais irritado do que já estou agora, quer?

Ele fez um careta.

– Era pra ser uma... Brincadeira. Eu estava... Brincando com você. Não era pra você ter ganho, afinal, eu estava atrás de uma possível futura esposa nessa brincadeira. – Ele falou essa ultima parte parecendo sinceramente frustrado.

– Pois bem feito – eu falei.

Ele fez outra careta.

– Pensou mesmo que eu te dar um vestido, assim, sem um porque? Não ficou nem um pouco desconfiada?

Eu nem sei porque doeu, mas doeu do mesmo jeito. É como se ele tivesse desmentindo tudo aquilo no que eu pensara o dia todo. Que não valia a pena ser esperançoso.

As malditas lágrimas voltaram a minha voz.

– Eu não sei. Costumávamos ser amigos...

Ele abriu a boca pra dizer alguma coisa.

– Isto é, antes de eu perceber que você era o filho do Capeta. Não sou de cometer o erro duas vezes.

Caspian me observou por mais algum tempo depois pegou seu garfo, mas não comeu, só ficou mudando desconfortavelmente a comida de lugar.

– Me faz um favorzinho, Caspian? Eu quero que você pare de me odiar. Não estou pedindo para que goste de mim, eu só não quero mais brigar. Eu quero que você me ignore, assim como você faz com todo mundo. Quando cruzar comigo, nem precisa olhar nos meus olhos. Brigar pra mim já não faz mais sentido! Faz algum sentido pra você?

Ele nem me olhou na cara, nem me respondeu. Se aquilo queria dizer que o nosso novo acordo já estava funcionando, ótimo.

Suspirei, e me levantei sem tocar em nada que havia em cima da mesa. Fui até a varanda e respirei um ar puro.

– Faz sentindo pra mim sim. Afinal, eu sou um Príncipe. Se eu não pudesse brigar com você, todos os dias, o que eu faria pra me divertir?

– Eu nem sei... Já tentou importunar outra pessoa?

– Já, mas...

Ele não teve a chance de terminar a frase. A porta foi escancarada violentamente, e ele mesmo se interrompeu. O Príncipe Miraz me encara furiosamente.


...


Ai, ai, ai, o que fiz agora? Perguntei-me.

Quando eu resolvo me aquietar, as coisas parecem querer engrossar para o meu lado.

– Com licença, eu não queria interromper o jantar particular de vocês, mas eu gostaria de ter uma palavrinha com a senhorita.

– C-comigo? – Mas o que havia para ele discutir comigo? – Claro, porque não? – Eu disse suspirando.

Eu estava suspirando mais do que uma garota apaixonada ultimamente.

Miraz me empurrou até uma sala ao lado e me fez me sentar em uma cadeira nada confortável.

– Como você conseguiu?

– Conseguiu o que? – perguntei categoricamente.

– Você sabe, ganhar o tal concurso.

– Eu não sei, contando que eu nem me inscrevi. Agora se você tivesse chamado o seu sobrinho Caspian pra essa sala, conseguiria algumas respostas...

– Pare de ser engraçadinha, eu sei o que você e seus amigos tramaram. Você chamava a atenção no palco, e eles roubavam dos distraídos no publico.

– C-como? – Agora eu fora pega de surpresa.

– Sim, sim! Eu já havia perguntado a Caspian com que tipo de pessoa você andava, e Caspian fez mais do que me dar um perfil. Ele me deu os rostos e os nomes. Eu já andava desconfiado, mas então, eles vieram, trazidos pelos guardas reais para o meu colo.

– M-mas pai, eu nunca planejei...

Não me chame assim! - ele me esbofeteou.

Eu gostaria de poder dizer que doeu. Só para finalmente, eu poder ter um pouco de pena de mim mesma. Mas não doeu. Fora violenta, eu ouvira o barulho do impacto da mão firme e pesada dele na minha pele, na minha carne macia e despreparada. Eu até escorregara da cadeira para o chão, encima dos meus joelhos.

A dor da esbofeteada eu não senti. Não senti porque a dor que crescia em meu intimo, na minha alma, teve o poder e a decência de, pelo menos, anestesiar qualquer outra.

Eu parei de gaguejar, finalmente.

– Perdão, senhor. Mas eu nunca planejei estar naquele palco. Pergunte ao Príncipe Caspian, ele pode provar.

– Eu farei isso mesmo.

– Como quiser – eu respondi, ainda de joelhos, com a cabeça baixa. Eu não estava submissa. Eu estava me guardando da memória como era o gosto de estar ali.

Tinha o gosto do sangue que resultara dos meus dentes estarem sobre a língua no momento errado, também tinha o gosto de solidão. Tinha o gosto de derrota também, mas o mais importante, tinha o gosto da certeza de que eu nunca mais iria me deixar cair tão baixo.


...


– Caspian, você poderia me esclarecer uma coisa? Como foi que a nossa Victória aqui conseguiu ganhar o Concurso?

Caspian hesitou.

Senti seu olhar sobre mim, mas eu não o encarei de volta.

Ele diria a verdade se ele quisesse.

Eu não me importava mais.

Não tinha porque me importar.

– Ela se inscreveu como todas as garotas. A escolha não foi minha, e sim daqueles que estiveram comigo a minha vida toda. Os meus empregados – ele sorriu.

– Tudo bem. Tudo bem... – Eu já sabia que a próxima bofetada viria.

E ela veio. Ainda mais violenta, mas desça vez eu quase nem senti a mão dele descer sobre meu rosto.

Minha cabeça foi empurrada para o outro lado e pela primeira vez desde que voltara a essa sala, eu vira o rosto de Caspian.

Estava chocado.

E as lágrimas apareceram nos meus olhos.

Não era pela bofetada, não... Deus, eu queria que fosse. Era porque eu me sentia humilhada, sozinha e... também porque eu não sentia. O que era aquilo que crescia dentro de mim? Aquela dor, tão forte que não me deixava nem sentir uma agressão física?

A dor do tapa passava. Mas aquela passaria também?

O meu orgulho, a única coisa com a qual eu podia contar, conseguiu segurar a água dentro dos meus olhos. Ah, eu pelo menos teria o prazer de não chorar.

– Mas, Miraz, a que se deve... – Começou a protestar Caspian.

Miraz fez um gesto impaciente com as mãos fazendo-o se calar novamente.

– Se você e aqueles maltrapilhos continuarem roubando de meus amigos, Victória... Que o Senhor me ajude!

E então saiu da sala a passos largos e bateu a porta atrás de si.

Eu me larguei sobre uma cadeira, e Caspian logo se ajoelhou a minha frente:

– O que aconteceu?

O que aconteceu? – Eu repeti. – Sabe aquele acordo? Esquece tudo o que eu falei, parece que não importa o que eu e você façamos, você continua a tornar tudo pior.

Fora ele que contara ao meu pai... Meu pai não. Miraz. Fora ele que contara a Miraz quem eram os meus amigos, fora ele que me fizera passar como mentirosa, Luke e havíamos brigado por causa dele...

– Então eu não vou me preocupar em não tornar pior pra você também. – Limpei alguma lágrimas traiçoeiras que escaparam. - Já terminou de comer? – Perguntei.

– Como?

Já terminou de comer?

Ele estava confuso, mas assentiu.

– Então, vamos descendo. – Coloquei um sorriso no meu rosto, mais falso que as pedras da minha nova tiara. – Temos um baile a comparecer.


...


Desci as escadas de braços dados com ele. O salão popular estava lotado de pessoas, e nenhuma delas me agradava os olhos. Ele sorria. Não aparentava estar abalado, como estava há minutos antes.

Algumas pessoas ficaram encarando a minha face por um tempo incomum, mas logo desviavam os olhos. Ah, afinal não devia ser nada... Nada além de uma estampa vermelha de cinco dedos no rosto. Reprimi um suspiro.

Caspian apertou ainda mais meu braço contra o dele. Um aviso para eu me comportar.

A música começou a tocar, uma valsa lenta... Ele não olhou nos meus olhos. Na verdade, ele não tirou os olhos da minha bochecha.

Ele passou dois dedos sobre ela:

– Dói? – perguntou.

– Dói. Mas não bem é aí.

Ele não perguntou mais nada.

Depois que aquela música acabou a pista de dança encheu. Eu tentei me desvencilhar de Caspian, mas ele me impediu.

– Só mais uma. Pra não parecer que você estava desesperada pra ir embora.

– Eu estou desesperada pra ir embora.

– Por favor.

Engoli um outro suspiro.

– O que foi que você fez pra Miraz?

– Isso não é da sua conta.

– Eu vou ser rei em breve, como sabe.

– Estava demorando pra você usar essa sua frase de efeito. Use –a quanto o quiser, hoje você não vai conseguir nada.

– Então tá.

Eu não sei o que havia nesse então tá dele que me fez abrir a boca. Acho que nunca vi ele desistir assim, tão rápido.

– Você aconteceu, tá bom? Você contou pra Miraz quem são os meus amigos! Eu nem sabia que você sabia quem são eles! Você vem tornando tudo um inferno já faz 7 anos, mas hoje você se superou! Como se tudo estivesse bom na minha vida! Minha mãe morreu e eu levei dois tabefes do meu próprio... – mordi a língua. – Do próprio Príncipe. E agora talvez eu nunca mais veja meus amigos. Não é ótimo?

Caspian parecia atento a cada palavra que eu dizia, mas não olhava pra mim.

Olhei para trás e... E o vi. Luke estava na parado á porta de vidro, ele estava sério, o cabelo limpo e penteado, usava suas melhores roupas. Mas o seu olho estava ficando... roxo?

Empurrei Caspian e me segurei muito para não ir correndo até ele. Com aqueles saltos, tudo o que eu iria conseguir é cair de cara no chão.

– Luke – eu disse ofegante.

– Victória. – Ele fez um gesto com a cabeça que indicava as fontes atrás dele, no jardim.

O segui lá pra fora nós nos sentamos na parte mais escura do jardim.

– O que houve com você? – eu perguntei.

Ele examinou meu rosto.

– O que houve com você? – ele perguntou. A raiva, mesmo contida, estava presente em sua voz.

Nada. – me apressei em responder.

Foi ele? Aquele principezinho meia boca? Eu vou mostrar...

Não! É lógico que não... Foi, f-foi o meu pai.

Seu pai? Você está chamando aquele homem de pai agora?

O que houve com você, Luke, eu perguntei primeiro.

Me acusaram de roubar no Festival.

E você...

Não. Eu não roubo de quem tem tanto ou até menos que eu, Victória. Você sabe disso. Eu nunca roubaria deles.

Minha mente começou a funcionar. Miraz disse que estava desconfiado... Caspian apontara meus amigos... Ele estava desconfiado... Havia dito que caíram no colo dele... Mas ele não disse nada sobre roubar o povo... Ele falou “se continuarem roubar os meus amigos”... Ele estava desconfiado... Ele mentira.

Ele forjara um roubo.

Luke nunca roubaria daquele povo, mas ele estava mesmo é preocupado com os roubos contra seus amigos.

E então ele forjou um roubo como pretexto, para pega-lo e lhe dar um aviso. Uma lição.

– Ele bateu em você? – é lógico que ele bateu nele. - Ele bateu em você.

Luke não respondeu, mas também não precisava.

Desespero, medo e ódio tomaram conta de mim. Abracei Luke antes de ter tempo de me conter.

– É culpa minha. Se eu... Se eu não tivesse ofendido Caspian há alguns anos de algum modo, eu podia... Eu podia...

– Você não podia fazer nada. Não foi você que me bateu e nem Caspian.

– É que eu não suporto a idéia de você, de você sofrendo quando só quer o meu bem.

– Eu não vou estar sofrendo quando você estiver bem.

Coloquei a mão em seu rosto e suspirei:

– Dá pra parar com isso?

– Não, não dá.

E então ele me beijou.




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Notas finais do capítulo

Essa fanfic é a minha bebê portanto a tratem com carinho, rs, xx.