O Primeiro Massacre Quaternário escrita por AnaCarol


Capítulo 8
Toques.




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  Nosso código era simples:

  Um toque = “Uma tia está vindo!”;

  Dois toques = “Corra!”;

  Três toques = “Praia”;

  Quatro toques = “Você está bem?”;

  Cinco toques = “Pesadelos”;

  Mas ninguém além de nós sabia o que cada coisa significava. Eu era quem mais utilizava os toques três, quatro e principalmente o cinco. Pra falar a verdade, Jason nunca usou esse toque.

  Como fugimos muito, 19h30min é hora de lavar louça. Acho que demitiram a mulher que lavava as louças, afinal, fugimos todos os dias e Rosemary sempre adivinha então esse é o castigo mais frequente. As demais crianças tem medo de nós. Fora Rosemary, as tias do abrigo não são muito compreensivas e acabam espalhando boatos sobre nós dois para as outras. Isso leva a coisas como almoçarmos em uma mesa separada e ter a janela enredada. Mas o que é uma rede para quem tem uma tesoura?

   Nós sempre chegamos para jantar atrasados porque temos que lavar as louças da janta da noite anterior, do café da manhã e do almoço. E quando saímos da cozinha, todos os olhos repousam sobre nós até chegarmos a nossa mesa.

  Porém, quando Rosemary tira folga - o que é raro, já que ela sabe que é a única razão para nos comportarmos pelo menos um pouco – Úrsula entra em seu lugar. E seus castigos não chegam nem perto de serem pacíficos.

  Chicotadas? Ela está de bom humor. Já cansei de contar quantas vezes tive as costas arrebentadas por essa bestante.

  Mas nem pense em fugir quando ela acorda de mau humor. Um dia eu fiz isso... Ela me jogou numa banheira e eletrocutou-me inteira...

  Doeu.

  Ela tem várias maneiras de tortura... Uma legítima cidadã da Capital. Corte de pulsos? Jason tem a cicatriz até hoje. Quebra de dedos? Dói pra caramba, acredite. Bater em você com uma mesa? Fiquei em coma por dois dias inteiros. A mesa não era de plástico, se quer saber. Ter os cabelos chamuscados? Jason quase pegou fogo! Eu tive que implorar para ela não fazer isso. Peguei o castigo por ele e ela me “deu” uma doença. Fiquei de cama até Rosemary voltar.

  Antes de cada sessão de tortura - sim, existe uma sala para isso. Chamamos de PDC. Poder da Capital, mas a plaquinha diz “Castigo” – ela nos faz um questionário que envolve sempre as mesmas perguntas:

  “Por que fizeram isso?”; “Por que não param de fugir?”; “Vocês são idiotas?”; “Se eu não fosse bondosa, vocês já seriam dois Avox. Vocês querem ser Avox?”.

  Eu sempre estremeço com a última pergunta. Eu não quero. Eu não seria nada sem minha voz. Como iria cantar? Não. Eles não podem tirar minha voz de mim. Tento me segurar e mostrar indiferença, mas qualquer um saberia que esse – fora perder Jason – é meu maior medo.

   PDC é dividia em três partes:

  A primeira parte, que apenas as tias podem entrar, contém os instrumentos de tortura. Ela é estritamente fechada por uma porta grande e grossa que só se abre com uma chave. Um dia eu fui pega tentando abri-la com um clips. Sorte que foi Rosemary quem me achou, mas fui obrigada a ficar amarrada em uma cadeira pensando sobre o que eu fiz por 4 horas seguidas. Fácil.

   A segunda parte é onde Jason é torturado. Também é fechada por uma porta, mas é fácil abri-la com um clips... Talvez dê certo até com a unha.   A terceira parte é onde Eu sou torturada.

  A terceira parte e a segunda são ligadas por uma janela enorme de vidro grosso inquebrável. Isso, na verdade, é o trunfo deles. Quando Úrsula julga que fui eu a peça principal na fuga, Jason é torturado. Quando ela pensa que foi Jason, sou eu. Raramente nós dois somos torturados juntos. Apenas nos amarram em uma cadeira na sala ao lado e torturam o outro, deixando-nos incapazes de defender o outro e assistindo a tortura com a culpa repousando em si próprio. É como se Jason estivesse nos Jogos Vorazes e eu no abrigo, assistindo inutilmente.

  Porém, quem está fora das salas pode muito bem ver quem está dentro ser torturado. Esse, aliás, é o objetivo. Nós éramos os exemplos que não devem ser seguidos. “Se tentarem fugir, acabarão como esses dois.”, diziam nossos gritos, que podiam ser ouvidos por todo o abrigo. Nós somos os tributos e eles, a plateia.

 ...Sabe os Jogos Vorazes? Então.


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