O Primeiro Massacre Quaternário escrita por AnaCarol


Capítulo 24
Estou na cidade! Ou deveria dizer Arena?




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Estou novamente em um cilindro de vidro navegando rapidamente pela escuridão. Tenho certeza de que os tributos que ainda vivem estão aliviados pelo calor que emana de onde estamos.

Estou preocupada. Minha visão ainda está ofuscada por luzes brilhando em preto e branco, minha mente está embaralhada, minha respiração ofegante, meus ferimentos sangrando e minha capacidade de fazer mais do que respirar e ouvir ao mesmo tempo é completamente nula.

A primeira contagem começa e eu me obrigo a ficar de pé. Na mesma hora me sinto tonta e desejo me sentar de novo. Apoio-me nas paredes de vidro e respiro o mais fundo que meus machucados permitem. Tenho certeza de que a garota do distrito Oito fez um bom trabalho limpando-os, mas ainda sim sinto uma dor descomunal.

A segunda contagem começa e eu me sinto um pouco melhor com a visão da nova arena. A troca de arenas pode ser cansativa, mas é uma opção bem melhor do que permanecer entre montanhas geladas durante todo o Jogo.

Dessa vez os Idealizadores nos levaram para uma cidade decadente. Ao longe vejo um prédio desabar. Construções mal pintadas, úmidas e emboloradas se acumulam por todo o horizonte. O chifre da Cornucópia sai de foco em meio a tantos prédios. O mais alto deles contém uma bandeira em seu topo. Algum distrito deve estar sendo punido com a visão de sua versão destruída, e imagino que seja o distrito Treze; destruído há anos pela Capital por conta dos Dias Escuros.

Percebo que a contagem está acabando e forço-me a respirar fundo e correr não importa o que aconteça. Estou feliz de ver os pratos de Lisa e de Jack vazios, mas ainda restam poderosos na arena, e eles ainda estão me caçando. Lay Down olha para mim com raiva. Incrivelmente ainda sobram os dois tributos de seu distrito, e fico ainda mais feliz que o menino tenha sobrevivido. Devo algumas coisas a ele... Coisas que pretendo pagar.

Quando começo a refletir sobre onde encontrarei comida nessa arena – minha barriga ronca nervosamente, pois tudo o que comi em três dias foram duas cochas de gaio tagarela e uma maçã. – a sirene soa e os tributos começam a correr. Dou cinco primeiros passos e minha respiração parece não depender de mim; O ar parece sair de meus pulmões à força e fugir de mim. Eu caio de bruços no chão, começando a rastejar. Minha mente gira e o chão parece se inclinar para baixo à medida que me esforço mais. Uma faca para meio metro a frente de minha mão e eu a pego. Sento, ainda rastejando para longe da cornucópia, e arremesso a faca para onde penso que Lay Down está. Ela está quase me alcançando, e pelo jeito erro a faca.

Então eu desisto. Ela me alcançará em cinco segundos, e então estarei morta. Não adianta em nada eu tentar fugir, me esconder, sair de perto. Eu estou machucada e fraca, não há mais escapatória. Morrer na Cornucópia. Quem diria que eu iria morrer na Cornucópia... O pior lugar para se morrer.

Fecho os olhos enquanto espero sua chegada. Será que ela pode ver o quanto estou fraca? Com certeza pode. Mas ela vai abusar disso? Ainda estamos na Cornucópia, e ela também não está segura de tudo. Espero que ela me mate com apenas um golpe, ao invés de me espancar até a morte. As crianças do abrigo passam pela minha cabeça. Quantas vezes não fecharam os olhos para o sangue escorrendo na arena? Fechariam os olhos para o meu sangue? Chorariam? Lamentariam? Será que alguma idiota vai estar lá para consolar Jason? Ele provavelmente está assistindo a todos os episódios dos Jogos. Pode não gostar de John, mas gosta de mim, e gosta de saber que estou viva. Será que ele vai correr para a praia esta noite? Será que vai chorar na areia molhada da praia, tentando se convencer de que eu nunca mais vou voltar para ele?

Entre os barulhos da Cornucópia o barulho de meu próprio coração invade meus ouvidos. Por que ela ainda não chegou? Vamos logo com isso! Meus braços parecem se mover sozinhos e eu rastejo por mais dois segundos para trás. Arrisco abrir os olhos.

Um paraquedas está caindo e vejo a menina do distrito Seis pegando-o antes que caia no chão. Ela o abre rapidamente e tira um pequenos frasco com um pó dentro dele. Não consigo ver qual é sua cor e não faço ideia do que é. Lay Down está se engalfinhando contra o menino do distrito Sete, por isso a demora. Não perco tempo e tento me levantar, embora não consiga. Perdi a visão da menina do Seis e não me importo mais.

Dou alguns passos rápido antes de cair novamente. Lágrimas brotam em meus olhos. O menino do Distrito Sete está no chão: morto, ou quase isso. Lay está correndo até mim e atrás dela vejo a menina do Seis jogando toda a água de uma garrafa nela. Lay se contorce de frio – a água deve ter sido tirada debaixo do gelo da arena anterior – e se vira para ela. Eu rastejo para trás, quase entrando em um edifício poeirento. Minhas mãos tocam algo... Um alçapão. Para onde ele leva?

Não tenho tempo de pensar em uma resposta. Distrito Seis joga o pó do frasco pequeno em Lay. Uma explosão enorme toma conta de toda a Cornucópia. Eu fecho os olhos e, sem pensar duas vezes me escondo embaixo do alçapão.

Não. Isso foi muito fácil. Penso. Os Idealizadores deveriam estar bravos comigo, e mesmo assim estou escondida num alçapão praticamente inalcançável, graças à explosão acima de mim. Não tem cobras, não tem nem ratos. Estou sentada em degraus escorregadios num corredor estreito. Meus olhos não enxergam nada, mas toco o que identifico como um toco de madeira para acender uma tocha.

Já se passaram dois minutos e ainda ouço os gritos de tributos acima de mim. Distrito Seis pode ter cometido suicídio na Cornucópia, mas tenho que admitir que ela me poupou muito trabalho e medo. No mínimo três tributos já estão mortos, porque parei de ouvir suas vozes há algum tempinho. Não identifico a voz de John ou de Distrito Oito, então imagino que já tenham saído da Cornucópia e sobrevivido. Saberei de noite, se não me encontrarem até lá.

Acho essa opção difícil, pois minha perna está formigando e ardendo muito. Consigo esconder a dor em função de manter o esconderijo, mas não tenho condição alguma de sair do alçapão. Só espero que a explosão afaste todos os outros.

Decido que tenho que sair de onde estou e continuar me movendo. Com a perna direita funcionando e o tato, consigo acender o toco de madeira com duas rochas que acho no chão. O fogo não melhora em nada a minha visão turbulenta, mas mesmo assim continuo andando, certa de que estarei na TV hoje de noite. Tento manter a expressão calma, apesar do calor e da claustrofobia que estou sentindo.

O corredor fica mais estreito e baixo até que sou obrigada a me ajoelhar e engatinhar pelo resto do trajeto. Sou levada até outro alçapão, bem longe da Cornucópia. Respiro fundo e o abro. Olhos assustados me encaram e eu suspiro e rio quando vejo quem é o dono dos olhos. Azuis e verdes, verdes e azuis. Só pode ser um menino.

-Turnit. – Eu sorrio maliciosamente. – Tudo bem?

Ele me abraça e eu me espanto. Gemo de dor e ele afrouxa seu aperto.

-Não acredito que está viva!

-Puxa, obrigada pela confiança.

-Como escapou da Cornucópia? Eu não consegui te ajudar naquela hora porque a explosão começou e fui obrigado a correr. O que era aquilo? Está machucada? Como chegou até aqui? – Ele dispara, ainda olhando incrédulo para mim.

-A menina do Distrito Seis recebeu um frasco com um pó, no meio da luta da Cornucópia. Eu estava esperando Lay chegar até mim e me matar logo, porque tropecei e cai no chão. – Ele olha para o sangue seco em minha camiseta, na altura de meu machucado. – Só que então a menina jogou água em Lay e logo depois o pó, o que causou a explosão, vinda do corpo de Lay. Ela com certeza está morta. A coisa atingiu minha perna esquerda enquanto rastejava até um alçapão que encontrei na entrada de um edifício, e agora ela está dormente. Consegui chegar até aqui pelo corredor – aponto para o alçapão do qual saí – embaixo do chão, que me guiou até aqui. Não sabia onde você estava, foi só coincidência ter te achado. Onde está Distrito Oito?

-Marina. – Ele diz. – Não sei onde ela está. Você a viu na Cornucópia?

-Não. – Eu suspiro. – Acha que vamos encontrá-la? A arena é muito grande mesmo, dessa vez.

-Acho que vai ser difícil. Não vamos arranjar mais aliados, certo? – Eu assinto. – Só espero que ela esteja viva.

Ele tira a mala das costas e termina de cuidar de meus machucados. Eu gemo quando a água congelante entra em contato com minha pele, mas me sinto melhor.

-Consegue se mover?

-Não direito. Minha perna.

-Logo deve parar de arder.

-Como sabe?

Ele me encara por alguns segundos, sorrindo que nem um bobo. E antes que eu possa impedi-lo, ele beija minha perna e ri. Estou vestindo o short que veio em nossas malas, e minhas pernas depiladas foram protegidas pela calça, agora cheia de furos onde os resquícios da explosão tocaram. Se não fosse por ela, acho que não teria pele para ser depilada.

-Um beijinho que sara. – Ele fala, se levantando e começando a andar. Um sorriso surge no meu rosto enquanto luto para me levantar.

Subimos as escadas decadentes do prédio para ter uma visão da Cornucópia. Por mais que eu não deseje admitir, a vista que a cobertura do prédio nos proporciona é bonita. O vento leve bate em meus cabelos e eles voam para trás. Eu sorrio.

John aponta para a Cornucópia. O único lugar onde não se vê um prédio. Manchas de sangue e pedaços de pele descansam ao redor do chifre da Cornucópia. Ele está derretido, do começo ao fim. Murcho, eu rio. Olho para o prédio alto, onde tenho certeza de que estão nos filmando com zoom. Aponto para o chifre e mostro o dedo do meio para os Idealizadores. John ri e se junta a mim, mostrando a língua.

E é aí que a bola de fogo é atirada.



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