O Primeiro Massacre Quaternário escrita por AnaCarol


Capítulo 22
Papai?




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  O chão não está tremendo. Acho que o que aconteceu ontem foi apenas um erro dos Idealizadores, e os Jogos vão ser como todos os outros. O Sol mal nasceu ainda e já ouvi um canhão. Agora somos 17 tributos. Vou ter que esperar até a noite para saber quem morreu.

  -Anna? – Uma voz me chama. Eu olho para os lados, mesmo sabendo que não há nada ali. – Filha?

  -Pai? – Eu me levanto.

  -Anna! – Ele grita.

  Meu pai está morto. Meu pai está morto.

  -Anna! – Ele grita mais alto.

  -Pai! – Eu grito de volta. – Pai!

  -Anna! – Um grito, agora esganiçado vem de cima de mim.

  -Pai! – Estou saindo da caverna, correndo desesperada. Não sei se John está acordando atrás de mim, ou se eles sonham tão pesado que ainda dormem. – Pai!

  Estou correndo pelo meio da floresta, gritando por meu pai. Há alguns minutos ele parou de gritar meu nome, e começou a gritar do mesmo jeito que gritava anos atrás, com suas costas chicoteadas.

  -Pai! Pai!

  É uma armadilha. Meu pai está morto.

  -Pai!

  Estou indo até uma armadilha.

  -Pai!

  Os gritos me levam até uma clareira. Não tem ninguém a não ser eu nela. Eu e alguns tordos.

  -Pai? – Eu soluço, entre lágrimas. –Pai?!

  -Anna! – Eu ouço. Levanto a cabeça para procurar por ele nas árvores. Nada. - Filha!

  Então eu o acho. Empoleirado nos galhos mais altos, como se nada estivesse acontecendo, um gaio tagarela grita, imitando a voz de meu pai. Meu maior inimigo é um pássaro, que nada mais fez do que gritar. Ótimo.

  -Idiota! – Eu esbravejo e atiro uma flecha no peito do animal. – Achei que estivesse extinto!

  Caio de joelhos na grama da clareira. Os passos se aproximam cada vez mais. Deve ser um inimigo, só pode. Por que não atira logo?

  Estou chorando com o rosto enterrado em minhas mãos e meus soluços não são discretos.

  Alguém pula em cima de mim, me imobilizando. Levo um tapa no rosto, e outro. A pessoa ri, e percebo que é uma menina. Deve ser uma dos fracos, pois senão teria armas para me combater. Ou talvez seja uma dos poderosos, e ela queira se exibir para os outros. Eu rolo no chão e ela fica embaixo de mim. Soco seu rosto e posso ver que é a menina do distrito Doze. Ela rosna e eu me levanto.

  Ela avança contra mim novamente, os punhos preparados. Eu me esquivo na última hora e ela desfere um soco no tronco de uma árvore. Sangue escorre de meu nariz e sua boca está semi cortada. Eu a empurro contra o tronco e ela ruge de dor. Seu punho está vermelho devido ao soco na árvore.

  Ela soca minha barriga e tira uma faca do cinto.

  -Quer brincar? – Ela rosna.

  Seria tolice minha armar o arco, pois ela está muito perto. Reúno toda a raiva que sinto por causa do Gaio Tagarela e invisto contra ela. Uma flecha em minha mãos. Seu ombro sangra e eu retiro a flecha rapidamente. Os arqueiros profissionais riem de mim agora. Ela grita e corta minha barriga.

  Ouço mais passos se aproximando enquanto descubro o que fez o povo do distrito doze votar na menina. Ela me imobiliza novamente e passa seu sangue em minha boca. Eu esperneio e a chuto, mas ela não recua. Ela ri.

  -Saia de cima de mim! Saia de cima de mim! – Eu grito. Consigo me esquivar e a chuto na barriga. Ela geme. Pulo em cima dela e desenho um X em sua barriga. Estou prestes a enfiar a flecha em sua barriga quando ela me soca e eu fico tonta. Ela se levanta.

  -Jack! – Ela chama, mas nenhum barulho se manifesta.

  -Está blefando! – Eu grito. Corto sua bochecha direita com a faca, enquanto avanço.

  -Jack! – Dessa vez eu ouço passos. Jack deve estar vindo.

  -John! – Eu grito, em rebate, embora saiba que é impossível ele chegar aqui a tempo. – John!

  Como um raio a menina do Doze é derrubada. As possibilidades de que esse seja Jack são quase nulas. Por que ele me ajudaria? Vejo que é um menino desconhecido. Distrito Doze tenta se defender com a faca, mas ele pega a faca pela parte da lâmina – ferindo-se levemente – e arremessa longe.

  -Não é tão valente agora, não é? – Ele segura suas bochechas, fazendo-a ficar de bico.

  Uma mão toca meu ombro e eu estremeço. É John. Ele segura meu pulso e me obriga a correr. Corremos até chegarmos à caverna, onde eu me encolho num canto e choro.

  -Sinto muito. – Ele diz.

  Eu assinto, ainda chorando.

  -Aquele Gaio Tagarela estúpido. Ele imitava a voz dele. Ele imitava o meu Pai, Turnit.

  -Eu sei.

  -Desculpa. – Eu me levanto. – Foi mau.

  -Está tudo bem. Não se preocupe. – Ele me abraça. Eu choro em seu ombro por alguns minutos enquanto ele me aperta, assegurando-me de que está tudo bem. Não posso fazer isso. Ele é meu aliado, não meu irmão mais velho. Ele não tem obrigação de cuidar de mim.

  -Valeu. – Eu murmuro me afastando dele. Ele ri.

  -Seu nariz está vermelho.

  Hyllu está sentada de pernas de índio no outro canto da caverna. Ela sorri.

  -Então...  – John diz, se sentando ao lado de Hyllu. Um sorriso sapeca nasce em seu rosto. – Você quis minha ajuda lá, hein? Ajuda do John.

  Ele cantarola ao dizer seu primeiro nome.

  -Eu estava sendo atacada. Não conseguia pensar direito, está bem?

  -Aham.

  -Não olhe pra mim desse jeito.

  Hyllu ri.

  -Beleza. – John diz, ainda sorrindo abobadamente.

  -Minha barriga está doendo. – Eu reclamo.

  -Também estou com um pouco de fome. – Comenta John.

  -Não. – Eu digo. – Literalmente.

  Tiro a mão do machucado e é revelado um longe corte, desde a lateral de minha cintura até meu umbigo. Hyllu geme e John suspira.

  -Droga. – Ele resmunga.

  -Seria pior se não fosse aquele menino. De que distrito ele era?

  -Como ele era? – Pergunta Hyllu. Ela tem a capacidade de memorizar nomes e dados como eu nunca vi. Coloco na mente que devo saber mais sobre ela.

  -Não consegui vê-lo direito. – Eu digo.

  -Loiro escuro, pele bronzeada, acho que seus olhos eram castanhos. Grande! – John descreve.

  -Ele deve ser o menino do Distrito Doze. – Ela pensa alto. – Weth Dunry; 17 anos.

  -Por que ele bateria na menina de seu próprio distrito? – John se manifesta

  -Vamos concordar que ela é muito irritante. – Eu exclamo.

  -Não ouvimos nenhum canhão, então Distrito Doze deve ter fugido. – John comenta.

  -Droga. – Eu brinco.

  -Shelly Locke; 15 anos. – Hyllu diz. Eu me lembro de dias atrás, quando chegamos ao Centro de Treinamento. Ela se apresentou para mim e John como Shelly.

  -Eu gosto de “a menina do Doze”. – Eu digo, rindo. Olho para John e ele está encarando meu machucado, compenetrado.

  -Vamos melhorar isso. – Ele aponta para os meus machucados. Pega a xícara de minha mala e sai para o rio.

  Limpamos meu machucado e o enfaixamos. Não dói mais tanto.

  -Melhor?

  -Melhor.

  -Certo. Agora sim: Estou com fome, e vocês?

  -Também. – Nós duas afirmamos em coro.

  -Vou caçar alguma coisa. Hyllu fique aqui cuidando de Anna. Eu volto já.

  Eu penso em protestar, mas não é má ideia. Estou machucada e com sono. Também estou abalada pela morte de Ky e pelo lembrete dos Idealizadores de que meu pai está morto.

  -Acha que meu pai pode estar vivo?

  Aquela dúvida começa a me tirar do sério.

  -Como assim?

  -Eles tiveram que torturar meu pai para ele reproduzir aqueles sons pro Gaio Tagarela, não?

  Ela olha para mim, analisando se conseguiria suportar a resposta. Suspira.

  -Não tecnicamente. O evento em que seus pais morreram foi público, não foi?

  Eu assinto.

  -Esse tipo de evento é gravado. Eles devem ter pegado o vídeo e utilizado esse áudio.

  Assinto novamente. Não vou chorar, mas sinto muita raiva.

  -Alguém aí pediu Gaio Tagarela a La Turnit?

  Eu rio.

  -Nham!

  Nós o cozinhamos com a fumaça de uma pequena fogueira que montamos e comemos em silêncio. Conversamos por algum tempo sobre nossos distritos. John e Hyllu conversam, pelo menos. Eu estou olhando para a saída da caverna faz algumas horas, pois não conheço nem mesmo meu próprio distrito direito. A minha vida toda fiquei trancafiada no Abrigo, e quando saía só dava tempo de correr para a praia, ou para a casa de Beau.

  Quando eles começam a conversar sobre os Jogos eu me interesso. Hyllu não deveria realmente estar aqui. Ela não aguentou de curiosidade, e, como a família programa jogos de computador para as crianças da Capital e ela sabe muito bem mexer com essas coisas, Hyllu hackeou o computador do Edifício da Justiça do Distrito Três e viu que votaram em sua melhor amiga, pois ela era mais velha e parecia forte, mesmo não sendo. Hyllu não aguentou e alterou os votos. Todos os nomes de sua amiga foram transformados em seu nome e ela veio para os Jogos no lugar dela.

  Um canhão soa. Eu saio da caverna e percebo que os Idealizadores escurecem o Céu.

  -Já é noite. – Eu anuncio.

  Meia hora depois o hino de Panem começa a tocar. Os mortos de hoje foram dois: O garoto do distrito Nove e a garota do distrito Dez. Sei que Hyllu sabe seus nomes, mas não faço questão de perguntar.

  Fico imaginando em que noite eu vou brilhar no céu, ou se vou estar aqui para ver o rosto de John ou de Hyllu brilhar, assim como vi o de Ky. Sinceramente, eu espero que não precise ver isso.

  -Argh. – Hyllu diz. – A foto que tiraram de mim está tão feia.

  John ri.

  -Nesse caso te aconselho a continuar viva.

  -Boa ideia. – Ela ri.

  Eu sorrio amargamente.

  -O que houve Anna? – John me cutuca. – É o sono, ou você virou chata de vez?

  -Cale a boca, Turnit. – Eu retruco, mas não consigo não rir. – Estou com sono, tá?

  -Pode dormir. Hoje eu fico de vigia. – Hyllu diz.

  Eu não discuto. Pego o cobertor e uso-o como travesseiro. Está abafado e ainda posso ouvir a água correr pelo rio. Quase ouço a respiração ofegante de John, deitado ao meu lado e de costas para mim, compartilhando o cobertor/travesseiro comigo.

  John me deseja bons sonhos e eu murmuro algo como “vá dormir”. Como poderia dormir bem se, ao terceiro dia, ainda somos 16 tributos? Muita coisa ainda está para acontecer... Eu só espero que não seja comigo.


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