O Primeiro Massacre Quaternário escrita por AnaCarol


Capítulo 21
A Garota do Distrito de Ky.




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  Em meu sonho eu sou uma pomba ao lado da pomba do desenho. Ao lado de Ky.

  De alguma forma a pomba Ky sorri e me diz para não ficar preocupada. Pomba eu grita com ele. “Você poderia ser vitorioso, Ky! Você merecia!”. Ele nega com a cabeça e continua voando. Finalmente abre a boca. “Não me arrependo. Quero que você ganhe Anna. Está me ouvindo?”.

  Antes que eu tenha tempo de respondê-lo, um tremor no chão me acorda.

  -O que é isso? – Eu pergunto para John.

  -Não sei! Acabou de começar!

  Como resposta para nossa dúvida, o chão literalmente nos suga. Estou em um cilindro como o de lançamento. Estou feliz que a chuva não me alcança aqui, mas estou confusa. A sala é totalmente escura e a única luz vem de cima de mim. O vidro viaja rapidamente pelo preto. Posso ouvir a voz de outros tributos se aproximando de mim.

  Eu bato no vidro. O que está acontecendo?

  Ouço uma contagem regressiva de Dez a Um. E meu cilindro começa a subir. Eu toco a parede com medo do que vai acontecer agora. Mas estou de volta à cornucópia. Ou pelo menos de volta a uma cornucópia, não igual à primeira, mas totalmente diferente.

  Tenho a impressão de que vou cuspir meu coração para fora quando eu vejo. Estamos numa floresta mais pacífica (se é que se pode usar uma palavra assim para uma Arena dos jogos). Um rio cheio de mini cachoeiras corre por trás da cornucópia, árvores diferentes umas das outras beiram o rio e se espalham para mais além.

  Isso nunca aconteceu antes: uma troca de arenas. O que eles estão inventando?

  O narrador conta de Vinte a Zero e nós somos permitidos a correr novamente. Dessa vez não há mochilas, e o clima é mais agradável. Olho para o prato de Ky, mas ele está vazio. Obrigo-me a correr para o mais longe possível e achar abrigo. Frustrante: John e eu andamos horas e horas para voltar para a Cornucópia. Todos os outros tributos parecem pensar a mesma coisa, mas os mais poderosos estão olhando para mim como se fosse um petisco: a mais fraca de todos. A menina que tirou Zero.

  Penso em procurar por John, mas a contagem está quase acabando e me concentro na melhor saída: Atravessar o rio pelas pedras e me esconder na floresta. Deveria achar John antes ou depois? A sirene toca e eu esqueço a pergunta.

  Correr, correr, correr, correr.

  A menina do distrito Dois brande sua espada contra mim. Ela ainda tem sangue seco. O sangue de Ky. Quero pegar o Arco, mas a teria que tirar a mochila das costas para fazer isso, e levaria muito tempo.

  Correr, correr, correr.

  Entro na floresta com o ar zunindo em meus ouvidos. Ao arriscar uma olhada para trás vejo que John corre ao meu alcance. Ausente a tudo que acontece ao seu redor ele acena para mim e eu rio.

  Continuamos correndo até alcançar um lugar à beira do rio longe o bastante da Cornucópia. Arfamos e bebemos a água límpida do rio aos grandes goles com a xícara em minha mala.

  -O que é isso no seu rosto? – Eu pergunto. O rosto de John parece cansado. Ele com certeza chorou enquanto eu dormia, mas, além disso, seu nariz estava um pouco mais vermelho e uma camada de sangue seco recente contornava sua narina. Ele toca seu nariz.

  -Você me deu um soco.

  -Hã?

  -Enquanto dormia. Você me deu um soco dos fortes.

  -Sinto muito. Tive um pesadelo.

  -Você jura? Gritou o nome de Jason tão alto que eu tive que te carregar para longe daquela árvore. Chamou todos os tributos num raio de vinte quilômetros.

  Meu rosto cora.

  -Não fica assim. – Ele ri. – Pelo menos deu pra todo mundo ver que você é forte.

  Eu sorrio.

  -Você gosta mesmo dele, não?

  -Jason? Sim, eu gosto muito dele.

  -Anna...

  -O que?

  Seja lá o que ele queria dizer foi abafado por um grito feminino perto de nós. Pássaros voaram das árvores, um par de coelhos correu para longe e as árvores balançaram com o voo dos pássaros.

  Eu olho para a floresta. Não temos tempo para fugir. Pego a minha mochila e a coloco em minhas costas; não tenho coragem de fechar seu zíper, pois poderia nos denunciar.

  John se levanta, seguido de mim.

  Não temos muita escolha, então silenciosamente nós entramos no rio. O grito se segue de gemidos e passadas pesadas sobre as folhas. John e eu estamos mergulhados, e uma pedra passa por cima de nós. Não é possível nos ver de onde o assassino vem.

  Vejo o menino do Distrito Sete correr com um machado na mão e um sorriso orgulhoso no rosto. Ele passa direto por nós e entra novamente na floresta.

  Não me atrevo a suspirar. Esperamos dois minutos e saímos do rio.

  -O que está fazendo? – Eu sussurro quando John começa a entrar na floresta de onde ouvimos o grito.

  -Não ouvimos um canhão. A pessoa pode estar viva.

  -E o que você pretende fazer?!

  -Terminar o serviço. – Ele diz.

  -Vai lá, senhor carreirista.

  Eu volto para o rio. Sairei o mais rápido que puder se John der algum sinal de que algo está errado.

  Não ouço nada por alguns minutos e decido sair da água. As fazer isso dou de cara com John e a menina do Distrito Três. O tributo feminino do distrito de Ky. Subitamente eu simpatizo com ela. Machucada e no colo de John ela parece tão indefesa e pequena, apesar de ela ser pelo menos 30 centímetros mais alta do que eu e ter três anos a mais.

  John a coloca na beira do rio e eu lavo seu braço esquerdo e sua perna. O rio leva o sangue embora, mas ela continua sangrando. Deixo o egoísmo de lado e pego um pouco de gaze para por em seus machucados mais graves. Ela estremece quando a agua oxigenada entra em contato com seus ferimentos, mas aguenta firme até que eu consiga fazê-los parar de sangrar.

  -Obrigada. – Ela diz, olhando para mim e tentando sorrir.

  -Ainda está doendo que eu sei. – Eu comento, sorrindo de volta. – Mas agradeça a estande de medicina.

  Ela assente.

  -Temos que sair daqui. A essa altura o menino do Sete já reparou que o canhão não soou e está voltando. – John argumenta.

  -Certo. – Eu respondo em seguida me dirijo à menina do Três. – Acha que consegue andar?

  Timidamente ela se levanta com ajuda de John. Tenta dar o primeiro passo, mas seu pé falha e ela tomba para o lado. John a segura.

  -Ei! – Ele exclama.

  -Consegue carregá-la, Turnit?

  -Não por muito tempo, mas dá pra chegar longe.

  -Vamos logo então.

  John a pega no colo e nós migramos na direção oposta da que o menino seguiu, subindo o rio.

  Eu olho para o céu. Os idealizadores parecem fazer o dia acabar do nada. Uma hora o Sol está brilhando no alto e puft. A lua o substitui. Sinto raiva de ver a Lua e saber de que essa não é a mesma Lua que eu vejo na praia, e sim uma projeção da Capital. Agora já é noite.

  -Vocês o viram morrer? – Ela pergunta quando paramos para descansar. – Ky Cab, 12 anos. Você viram?

  Eu proíbo-me de chorar novamente, ou vou perder todos os patrocinadores, se é que tenho algum depois de acusar sua Casa de assassinar meus pais.

  -Sim. A garota do Distrito Dois lutou contra ele. Espada contra Faca.

  -Lisa, 18 anos. – Ela faz uma pausa. - Ele era legal.

  -Ele era. – John diz em meu lugar, antes que eu começe a chorar.

  -Qual é o seu nome?

  -Hyllu Neter, 16.

  -Conhecia Ky?

  -Só de vista. Estudávamos na mesma escola.

  - Sou Anna. E este é John.

  -Madison e Turnit. 12 e 14 anos.

  -Exatamente.

  -De acordo com minhas contas temos aproximadamente oito horas de sono. Posso ficar de guarda esta noite.

  -Acha que a arena vai mudar de novo?

  -Acho improvável.

  -Certo. – Eu digo pensativa. – Você dormiu noite passada?

  -Não. – Ela admite. – Mas posso ficar acordada por muito tempo.

  -Vai conseguir ficar acordada de noite, mas de manhã não vai conseguir nem andar. – Eu digo. – Deixa comigo esta noite.

  -Está bem.

  Abro a boca para dizer Boa Noite, mas isso seria ridículo.

  -Até amanhã. – Eu meio digo, meio prometo.

  -Até. – Ela se vira e deita sobre suas mãos juntas.

  John me dá um beijo na bochecha e vai dormir com um sorriso sapeca. Eu bato nele.

  Estamos bem escondidos numa caverna que achei. Você entra no rio, nada até a beirada e embaixo das pedras tem uma entrada escondida, parecida com uma toca. Nós três conseguimos passar por ela e encontramos essa caverna.

  É o melhor lugar que poderíamos encontrar, achei que fosse brincadeira no começo, uma armadilha. Mas não era e estamos aqui até agora.

  Quando percebo que os dois realmente dormiram me dou o luxo de deixar lágrimas silenciosas caírem. Hoje não morreu ninguém de acordo com o céu escuro da arena. Esses Jogos vão ser mais demorados do que eu pensei que seriam. E não acho que isso seja uma boa ideia.

  Ainda somos 18 tributos soltos nesta arena. Amanhã seremos 18? Amanhã estaremos nesta arena? Agora eu não sei mais de nada. Até mesmo a pequena percepção que tinha do que são os Jogos está desmoronando. Não sei quais são as instruções, e mesmo assim estou jogando. Não sou uma bela aposta.


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