A Grande Busca escrita por Rebeca Bembem


Capítulo 2
A invasão


Notas iniciais do capítulo

ooi ;) espero que gostem desse capítulo, eu comecei a escrever do nada, e deu nisso, kk Tá meio longo, mas é porque eu quis adicionar vários pensamentos e detalhes. Tem BEM mais ação que o primeiro. Bem, é só isso, curtam aí esse capítulo gigante.



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Nós estávamos praticamente no portão quando conseguimos finalmente avistá-lo, através da chuvinha de verão que havia se tornado uma tempestade. Completamente encharcadas e molhadas até os ossos nós tiritávamos de frio. Francamente! Estamos em Dezembro, e no Rio de janeiro! Era pra estarmos morrendo de tanto suar! Mas, não fazia sentido pensar no clima agora, não agora em que eu e minha irmã havíamos sido abandonadas...

Uma pontada de dor invadiu o meu peito e eu perdi o ar por um momento. Meu avô estava morto, aquele que fora como um pai para mim e para Manoela por tanto tempo. Eu nunca mais o veria, nunca mais ouviria sua voz, receberia seus conselhos ou seu abraço. Eu tinha tentado não pensar nele durante todo o caminho a pé até ali, tentando me distrair com coisas fúteis como o clima, mas tudo soava tão ridículo que eu, obviamente não fora bem sucedida. As lembranças dele assaltavam minha mente, quentes e frescas, e as lágrimas caíam do mesmo modo do meu rosto, sem que eu conseguisse segurá-las (já estava fazendo um esforço demasiado grande para conter os soluços), se misturando com as incontáveis gotas de chuva.

Com os dentes tiritando de frio eu gritei para o segurança na guarita:

– Oi! Somos nós! Alice e Manoela! Abra o portão, por favor, estamos morrendo de frio aqui!

Nada aconteceu.

Manoela, ao meu lado, tremendo tanto quanto eu e com a voz falhando gritou também.

– Ei! Será que poderia fazer o esforço de nos deixar entrar? A gente tá bem molhada e tá bem frio e congelante aqui!

Nada. O estranho era que as luzes estavam acesas na guarita, ao lado do portão, onde o segurança e motorista (apelidado por duas garotinhas de Tio César) geralmente ficava. Talvez ele tenha ido ao banheiro, na casa onde mora, nos fundos, eu pensei. Por sorte, eu tinha levado uma bolsinha com uma chave extra, que abria um mínimo portãozinho do lado oposto da guarita a que ficava o portão grande. Abri a bolsa e tirei a chave, nunca havia precisado usá-la, César sempre estivera ali, sempre fora prestativo, até se oferecera para nos levar ao cemitério de carro, mas como era perto, e não estava chovendo na hora, não fizemos questão.

Cutuquei minha irmã e apontei na direção do portãozinho. Graças a Deus ela entendeu rápido e me seguiu. Apesar de tremer e de minha mão estar muito escorregadia eu abri o portão com facilidade. Entrei e Manoela me seguiu, atrás de mim eu a ouvi fechá-lo novamente. Saímos correndo em direção a casa, a vontade de tomar um banho quente se sobrepondo a dormência nas pernas. Quando alcancei os degraus, o teto me cobriu e eu parei para descansar antes de abrir a porta. Eu estava ofegante, de tão rápido que tinha corrido. Me dobrei, apoiando as mãos nos joelhos e respirando com dificuldade. Manoela chegou dois segundos depois, e fez o mesmo. Passado alguns segundos eu toquei a campainha, na esperança de que a governanta Dona Angela pudesse abrir a porta. Esperei um minuto e nada. Toquei de novo. Nada. Meu Deus! Onde estava todo o mundo? Resolveram que nos deixariam sozinhas de vez?

– Acho melhor você usar a chave que eu guardei aí antes de sairmos. Quero muito um banho quente, e até a Dona Angela se tocar que tem alguém tocando a campainha eu morro congelada - Disse Manoela baixinho, apontando para a bolsinha na minha mão e estendendo a chave com que fechou o portãozinho lá atrás.

– Ah, sim - eu peguei a chave da mão dela, abri a bolsa e a guardei lá.

Procurei por uma chave maior, e logo a encontrei. Abri a porta e entrei, não me preocupando em molhar o chão. Assim que entramos eu tranquei de novo a porta, largando a bolsinha e a chave maior em uma mesinha de canto. Me virei para encarar a sala, pronta para subir a escada e me meter na banheira com uma água bem quente. Mas, eu levei um susto e esqueci o banho por um momento. A sala de visitas estava estranha, não estava normal, como estava antes de sairmos de casa. Alguém havia entrado ali e bagunçado tudo, como se passasse pro uma crise de imensa raiva. Ou como se estivesse procurando algo. Ou os dois. O vaso de flor que costumava ficar na mesinha de centro estava no chão, quebrado. Aos pés da mesinha também estavam vários papeis, duas agendas abertas e vasculhadas e alguns porta-retratos. As gavetas da escrivaninha, do outro lado, estavam todas abertas, e tudo que costumava ficar ali dentro, no chão. Chaves, papéis, receitas médicas, passagens de ônibus, e de metrô, cartões postais, fotos e documentos. Os sofás haviam sido tombados para a trás e tudo estava na mais perfeita desordem.

– Ha? O...o quê aconteceu aqui? O quê houve? - eu consegui gaguejar.

– Eu...eu não sei.

Resolvi que antes de tudo era melhor verificar se todas as portas estavam fechadas. Disse isso a Manoela e corri até a porta dos fundos, na cozinha, enquanto ela subia a escada lateral e verificava as sacadas dos nossos quartos. Como eu suspeitava, a porta dos fundos estava aberta. Quem quer que fosse a pessoa abençoada que invadira minha casa, saíra por ali, já que a porta da frente estava fechada. Fechei-a imediatamente, com a chave que ficava pendurada atrás da porta. Dei uma rápida olhada na cozinha e vi que as coisas estavam desarrumadas também. As portas de todos os armários estavam abertas, até mesmo a do freezer, a da geladeira, a do forno e a do micro-ondas. Havia alguns cacos de vidro no chão, embaixo do armário de copos e as cadeiras estavam caídas.

Corri para a lavanderia e encontrei o mesmo estado de desordem. Assustada, verifiquei a sala de jantar. Cadeiras caídas e mesa mais para a direita do que deveria estar. A paisagem que eu pintei na quinta série fora tirada da parede e estava em cima da grande mesa retangular. Parti para o corredor e dei uma olhada no banheiro. Até ali eles mexeram! Toalhas, sabonetes, shampoos e condicionadores no chão. O que será que eles esperavam encontrar aqui (já suspeitava que fossem assaltantes)? Ouro na privada?

Enquanto voltava até a sala e fechava as janelas e cortinas, eu repassei mentalmente os itens que tínhamos na casa e que poderiam atrair ladrões. Não tínhamos nenhum cofre, todo o dinheiro era guardado no banco, e vovô só usava cartões. Todas as peças egípcias que ele encontrara haviam sido vendidas depois da morte de nossa avó; uma pontada de saudade me atingiu cruelmente, mas eu queria me manter consciente, alerta e racional, aquela não era a hora para sentir saudades. Nada de dinheiro, nada de ouro - nem na privada - nada de jóias... não, haviam duas jóias... como pude me esquecer delas? Os bens mais valiosos da casa, atualmente. Uma safira e uma ametista, com umas pitadinhas de ouro e prata. Mas ninguém vivo além de mim e me minha irmã sabiam da existência desses colares, nunca os usamos em público, nem em festas ou casamentos, sempre os guardamos com o maior carinho...Tomada por um imenso medo de que alguém pudesse tê-los roubado, mesmo não sabendo se era possível que alguém soubesse deles, eu subi o mais depressa que pude a escada lateral, dois degraus por passo.

Derrapei em frente a primeira porta do corredor, estava aberta e por ela eu contemplei meu quarto completamente e literalmente revirado do avesso. Não encontrando Manoela ali, eu fui até a próxima porta, sem nem parar para contemplar a bagunça linda no meu quarto. O quarto dela, eu logo vi, não estava muito melhor que o meu, estava até um pouco pior, na verdade. Mas ela também não estava ali. Nem no banheiro do meu quarto. Nem no banheiro do seu próprio.

– MANOELA! MANOELAAAA! - eu gritei, mas não houve resposta - MANOELA, RESPONDE, POR FAVOR, NÃO BRINQUE COM ISSO! MANOELA, CADÊ VOCÊ?! - nada novamente.

Meu coração começou a bater muito mais rápido do que batera minutos atrás quando eu atravessei a garagem correndo. O pavor me dominou, e eu senti o pânico apertar e comprimir meu peito como uma gigante mão fria.

Mesmo estando sem ar, eu corri para um quartinho no fim do corredor, onde havia um alçapão que dava para um minúsculo e inútil sótão. Puxei uma cordinha que fez descer uma velha e depredada escada de corda. Assim que fiquei alto o bastante para alcançar o alçapão eu o abri e dei uma olhada no sótão, apesar de estar bem escuro. Nada havia além de poeira. Desci com um pulo e continuei gritando, o medo e o terror cada vez maiores em mim, me impedindo de respirar direito, fazendo minha voz e todo o meu corpo tremer, minha cabeça estava a mil, mas eu não sabia o que fazer, pra onde correr.

Como que em um lampejo, eu me lembrei das sacadas de nossos quartos, e uma visão horrível da minha irmã deitada de barriga na grama lá em baixo, com a chuva a fustigar seu corpo invadiu minha mente. Não! Não, ela não caiu, não ela que nunca teve medo de altura, não, não!

Alcançando a porta de vidro do quarto dela que dava para a sacada que dividia comigo eu a abri com violência e um quadradinho do vidro se espatifou. Um caquinho se enfiou na minha perna mas meu corpo estava tão tenso e o caco era tão pequeno que um palavrão bem dito e alto foi o suficiente para afastar a dor. Apavorada eu olhei para a direita e para a esquerda, mas Manoela não estava lá. Eu não queria olhar para baixo, e se visse minha irmã ali? Aquela imagem jamais sairia da minha cabeça, jamais. Lutando contra o medo de altura e contra o medo e pavor de vê-la ali eu olhei para baixo. Graças aos céus Manoela não estava deitada ali. Nada havia além da grama do jardim dos fundos, completamente molhada e com enormes poças de lama. Continuava chovendo forte. Por um momento eu senti alívio, mas durou pouco. Então, se não caíra, onde estava ela?

Gritei, gritei e gritei novamente, me apoiando na beirada da sacada. Sem resposta. Sem nem pensar direito no que estava fazendo, eu corri para o corredor, desci a escada e fui direto para a cozinha, abrindo a porta depressa e encarando o jardim. E se...e se ela estivesse realmente ali? E se eu não pudesse vê-la por causa do escuro e da chuva forte? Tremendo eu me adiantei, e saí engatinhando pela grama, chamando minha irmã a cada dois segundos.

Quando levantei minha cabeça para tirar uma mecha de cabelos encharcados dos olhos eu vi algo, definitivamente algo. Uma forma difusa, uma silhueta negra na noite, correndo para o pequeno bosque no final no jardim de grama baixa. Assustada, certa de que era uma pessoa, eu me pus de pé. Não podia enxergar muito bem com aquela chuva tão forte, mas eu sabia que estava vendo alguma coisa. Um relâmpago dominou o céu e à luz dele eu vi duas pessoas correndo, e não uma. Dois homens, fortes musculosos. E para meu horror, eu constatei que um deles levava nos braços algo grande. Uma menina, pelos cabelos que balançavam ao vento. Demorei um segundo para sair correndo atrás deles, tempo que levou para a palavra "Manoela" ecoar em minha mente.

Corri como nunca pensei que fosse capaz de correr, mesmo com o peito comprimido e com o coração reduzido à um pontinho, de tão apertado e tenso. A mão gelada e fria do desespero ainda apertava minha garganta, impedindo-me de respirar direito. Mas eu corri, porque a vida da minha irmã podia depender disso, e era como se a minha também dependesse, porque eu jamais viveria sem ela. Alcancei uma árvore, o inicio do pequeno bosque, já vendo através dele, na descida da ladeira, os faróis dos carros que passavam na avenida lá embaixo. Uma enorme tentação de parar para tomar fôlego quase me impediu de continuar. Mas não o fez.

Continuei correndo, agarrando nos troncos das árvores para não sair rolando na descida íngreme. As duas formas que eu ainda conseguia distinguir fracamente quase alcançando as luzes... e se eu não conseguisse? O que eu podia contra dois homens fortes? Tentei não pensar nisso, e continuei correndo. Até que alcancei a última árvore do bosque, entrei por um buraco no muro - que eu sabia que existia desde que morava lá - e saí no acostamento da avenida.

Ali, no meio dela, um carro parou no meio de um cavalinho-de-pau e os homens com a minha irmã entraram na grande Mercedes. Só tive tempo de tomar fôlego e gritar "MANOELAAA" antes que o carro se endireitasse e fosse embora. Sem nada em mente além do medo, desespero, total pavor, horror e o que mais um ser humano pode sentir eu fui até o meio da avenida e gritei de novo, enquanto eu corria fracamente na direção que o carro havia ido, o mais rápido que minhas pernas dormentes e meu pulmão comprimido permitiam.

A última coisa de que me lembro daquela noite é um farol forte de carro vindo em minha direção quando me virei, e da cor negra do asfalto quando eu fui de encontro com ele.



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Notas finais do capítulo

Gostaram? reviews e opiniões ajudam, kk



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