Entre Pontas De Faca E Velhas Histórias escrita por Ana Barbieri


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

ESTOU DE VOLTA! Claro, ainda continuo trabalhando com meu livro e não sei com que frequencia postarei. Mas espero que minhas antigas leitoras ainda sejam as mesmas almas pacientes interessadas na vida do casal Holmes.



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Capítulo 1

            Durante a noite, não conseguimos distinguir entre o que é sombra e o que é concreto. Apenas tentamos passar por ela, com a esperança de que voltemos inteiros para casa no fim. Contudo, para uma mulher, especialmente quando ela é atraente, nem sempre se pode contar com a sorte. As ruas de Londres são dos mais variados tipos. Tem-se desde as mais seguras, até as mais perigosas. E por mais que as pessoas tentem evitá-las... alguns de nós simplesmente não conseguem retirar o perigo de suas veias.

            _ Quem está aí? – eu perguntei, me virando para verificar se não estava sendo seguida. Realmente, não esperava que houvesse resposta e continuei meu caminho.

            O casamento, para muitos, é como uma grande benção. Mas para mim, significa ser acordada às três da manhã para chamar a Scotland Yard, enquanto meu marido persegue nosso principal suspeito. Ele fica com toda a diversão e eu faço o trabalho chato. Não me lembro de ele ter me prevenido sobre isso quando ficamos noivos, mas o que se pode fazer... me apaixonei o suficiente por ele para desistir da ideia de jogá-lo no Tâmisa.

            Voltando ao caso, fazem duas semanas que estamos investigando sobre um assassinato que ocorrera no expresso que vinha de Yorkshire para Londres. A vítima era um rico Lord inglês que viajara a negócios e teve um retorno conturbado devido a uma bala que fora elegantemente cravada em seu peito. A notícia ocupou a primeira página do “The London Times” e teve uma repercussão acentuada na sala de estar da minha casa, com o choro da nova viúva. Ela insistiu para que descobríssemos quem havia feito aquilo e o mandássemos para a cadeia. Um pedido muito natural... na maioria dos casos, os clientes permitem que façamos justiça com nossas próprias mãos.

            Após interrogatórios, pesquisas e uma agradável viagem até Yorkshire, descobrimos que o assassino havia sido um dos sócios da vítima, que teria retornado recentemente para a capital da Inglaterra... coincidentemente, um dia depois do assassinato. Acho que não preciso dizer que Holmes e eu não duvidamos que tudo aquilo fosse prova suficiente. Nosso problema agora era agarrá-lo. Na maioria das vezes, fazemos isso juntos, mas parece que houve uma pequena mudança nos planos e eu me transformei na informante da Yard.

            De repente, os passos que eu ouvira e que me fizeram pensar que estava sendo seguida, se tornaram mais largos e altos. Sherlock deve estar com nosso homem agora, o que significa que estou com um dos capangas no meu encalço. Provavelmente alto, forte e de aparência pouco interessante, com sapatos desgastados e um chapéu coco, como a maioria gostava de usar. Pistolas carregadas presas ao cinto e uma pequena faca reserva em um dos bolsos do casaco velho. Antes de me virar para ver se estava correta, apertei meus passos e entrei no beco mais próximo.

            Rapidamente alcancei a pistola de meu pai e verifiquei se estava... Tudo o que eu pedi, foi para ele carregar as armas! Será que eu preciso fazer tudo sozinha?! Certo garota, se controla. Ainda temos um par de mãos e pernas, sem falar em dentes excepcionalmente fortes. Os passos se aproximavam, enquanto eu rezava para que minha descrição estivesse errada e diminuía a frequencia de minha respiração.

            O som silenciou e eu continuei escondida. De repente, uma mão suja e enorme me segurou por trás, prendendo-me contra o corpo de seu dono.

            _ É sempre um prazer tê-la por perto senhora Holmes. – disse um dos capangas que também teve a honra de me perseguir durante minha viagem a Yorkshire. Contudo, uma simples mudança de sapatos fez com que eu não pudesse identificar seus passos. Meus braços estavam doloridos e logo não poderiam ser mais utilizados. Então, utilizando a técnica que aprendi com meu esposo, calculei meus próximos movimentos.

            Primeiro, mesmo que talvez deslocasse minha coxa, aplicaria um pontapé no rosto, o impacto seria forte o bastante para ele me soltar. Em seguida, retiraria seu casaco, cobriria sua cabeça com ele, tempo suficiente para imobilizá-lo pela nuca e as costas. Ele ficaria desacordado e eu poderia roubar uma das duas pistolas que ele carrega, garantindo minha sorte para quando ele acordasse. Assim o fiz, saindo em disparada depois para um dos prédios abandonados distantes dali.

            Devo tê-lo acertado mal na nuca, pois o período que presumi que ele permaneceria desacordado durou pouco. Entrei em um dos prédios e esperei, tensa. Ouvi um som alto na maçaneta da porta e caminhei lentamente até ela, descobrindo que estava emperrada e eu não poderia sair. Havia pedaços de madeira nas janelas, impossibilitando o ar de entrar e a minha escapada. Estava presa. Por alguns minutos, presumi que meu caçador conseguira atingir seu objetivo e que teria ido embora. Todavia, observando pela janela, vi-o com uma lata em uma das mãos com um liquido incolor e uma garrafa na outra com algo que me pareceu ser whisky.

            Logo, todo o edifício estava em chamas. Tentei atirar nas janelas, mas não consegui me manter acordada por muito tempo. A fumaça estava se acumulando e eu não conseguia respirar. Presumi o pior... rezando para que Holmes sentisse uma súbita vontade de correr até ali. Não aguentava mais respirar aquele ar e comecei a sentir minhas pálpebras pesando... quando tudo ficou escuro.

‡‡‡‡

            Com o tempo, comecei a sentir meu corpo novamente. Minha cabeça dói e minha visão continua um pouco deturpada. Contudo, sinto o inconfundível cheiro de tabaco “Ship’s” que Watson deixou enquanto ainda morava em Baker Street. Me levantei lentamente percebendo que, realmente, estava em casa. Sorri. Era maravilhoso estar em ali. Saí cambaleando pelo corredor, a procura de Holmes, ouvindo sua voz no andar de baixo. Parei no alto da escada, meio zonza e me apoiei na parede.

            _ Holmes... – foi tudo o que consegui dizer. Minhas pernas voltaram a pesar e estava prestes a cair, quando fui firmemente segurada por ele.

            _ Sra.Hudson! – chamou Sherlock, com urgência em sua voz.

            _ Eu o ajudarei senhor Holmes. – reconheci imediatamente a voz de Lestrade.

            Juntos, eles me levaram de volta para o quarto e me colocaram sobre a cama. A nossa senhoria apareceu logo em seguida, colocando panos quentes sobre a minha testa e pernas. Sherlock e Lestrade saíram de volta para a sala, me deixando aos cuidados dela. Ainda estava com os olhos abertos, seguindo os passos apressados dela pelo aposento. Remexia minhas gavetas a procura de alguma coisa, até que se aproximou de mim com uma tesoura.

            _ Não vou virá-la Anne, então terei que cortar o espartilho. – não vejo problema nenhum nisso. Jamais gostei dessas coisas.

            _ Há quanto tempo estou aqui? – perguntei, colocando a mão sobre a cabeça.

            _ Uma hora. – respondeu cortando o corpete. – O senhor Holmes demorou a encontrá-la naqueles prédios. Se não fosse pelo fogo se alastrando... Oh, quando ele chegou com a senhora nos braços... eu...

            _ Vai ficar tudo bem agora Sra.Husdon. – disse tentando acalmá-la. Ela tem a mania de se preocupar demais com tudo... o que às vezes não é algo muito bom. – O que Lestrade está fazendo lá em baixo?

            _ Estão discutindo sobre o senhor Hinds, o homem de vocês. – ela respondeu, me fazendo rir pela maneira de se referir ao assassino. – Devido ao seu sumiço, eles o perderam. O senhor Holmes estranhou sua demora e correu para Yard, quando descobriu que a senhora não estava lá, saiu para procurá-la. Liderou uma busca com Lestrade e seus homens, o que deu tempo para Hinds fugir.

            _ Estou encrencada... – murmurei. Sherlock provavelmente diria que aquilo foi culpa minha, quando na verdade foi apenas uma consequência do fato de ele não ter me obedecido e carregado as armas.

            _ Bem... vou deixá-la descansar agora minha querida. Boa noite.

            Havíamos perdido o rastro de Hinds e até aquele momento, eu sabia que toda a culpa seria posta sobre mim. Mal posso esperar pelo sermão de meu marido me chamando de descuidada, imprudente e incapaz. Ele duraria por aproximadamente... duas semanas e o fato de eu estar de cama, facilitaria muito. A porta está se abrindo... que o castigo... comece.

            Fingi que dormia, enquanto ele adentrava o quarto. Senti quando ele se sentou na cama e acariciou meu rosto. Depois, ouvi quando ele puxou uma cadeira para se sentar próximo a mim.

            _ Foi um grande susto o que você me deu Bergerac. – ele sabia que eu estava fingindo. Eu não pude conter uma risada.

            _ Na próxima vez que eu lhe pedir para carregar as armas, faça. – retruquei na defensiva. Ele sorriu.

            _ Não sabia que havia ficado tão dependente delas querida. Sempre achei que ataque físico fosse o seu favorito.

            _ Lamento por tê-lo feito pensar assim. Acredite, eu esperava que o detetive mais célebre soubesse reconhecer a importância de ter um plano B. – minha cabeça dói e não recebo nenhum sinal das minhas pernas ainda, mas a vontade de discutir com Holmes permanecia a mesma.

            _ E eu esperava que a minha esposa tivesse aprendido a seguir ordens. Depois de nocautear seu oponente e roubar uma de suas pistolas, como acredito que fez, deveria ter corrido para Yard ou ao menos, ter feito justiça com suas próprias mãos.

            _ Eu... – parecia realmente ser a atitude mais óbvia a ser tomada. Céus! É incrível como o pânico nos deixa estúpidos. – Ótimo! Faz logo... Coloque a culpa em mim.

            _ Não acho que tenha sido somente sua culpa. Deveríamos ter feito aquilo juntos, como sempre. Mas Lestrade me fez prometer que o chamaria quando estivéssemos com Hinds nas mãos e eu jamais diria que preciso da ajuda dele...

            _ Então me mandou para fazer o serviço, entendi seu pomposo. E também entendi que o que quer é um pedido de desculpas... Isso, você jamais terá. – eu garanti.

            _ Não vou culpá-la Bergerac e também não quero seu improvável pedido de desculpas. – ele sorriu maliciosamente, o que realmente significa que eu não estou encrencada.

            _ Então o que quer? Que eu admita que sua inteligência seja superior a minha? – e já que eu não estou encrencada... nada me impedi de caçoar dele.

            Holmes se levantou e voltou a se aproximar de mim. Recolocando um dos panos quentes sobre a minha testa e me beijando de leve nos lábios.

            _ Primeiro eu quero que descanse Bergerac. A última coisa da qual preciso é de uma esposa enferma de cama.

            _ Seria irônico você me matar, quando na verdade, eu planejei a sua morte durante dois anos de casamento. Não seria justo. – brinquei. Ele riu de leve e me beijou pela última vez antes de sair do cômodo.

            Suspirei e observei a noite pela janela. Havia um adendo ao homicídio a solta e precisávamos pegá-lo. Contudo no momento, eu só queria dormir um pouco.

‡‡‡‡

            Acordei no que me pareciam ser cinco da manhã, ouvindo um barulho muito alto no andar de baixo. Minhas pernas haviam voltado a se mexer e minha cabeça doía menos, então, resolvi descer para ver o que estava acontecendo. O silencio reina em Baker Street, o que torna tudo isso muito interessante. Ao chegar ao meu destino, me deparo com Holmes tentando se livrar de um guarda-chuva que de algum modo prendera em seu casaco.

            _ Quer ajuda? – perguntei reprimindo uma risada. Ele me fitou assustado e interrogador ao mesmo tempo. – A dor passou um pouco. Meus pulmões estão debilitados e não minha capacidade de andar. Agora, vai querer ou não a minha ajuda?

            _ Por favor. – assentiu ele. Enquanto retirava o guarda-chuva de suas costas, foi a minha vez de olhá-lo interrogatoriamente.

            _ Posso perguntar... onde estava a essa hora?

            _ Ora, cuidando para que o prejuízo que você nos trouxe, fosse revogado. – respondeu ele, sentando-se em uma das poltronas próxima a lareira, me deixando completamente sem fala.

            _ Então... deixe-me ver se entendi. Depois de se despedir no quarto, você saiu novamente para caçar Hinds, para que o “meu” pequeno ato de imprudência não fosse em vão. Conseguiu pegar o homem, levou-o para Yard e agora voltou para casa. É isso? – enumerei, enquanto caminhava até a minha poltrona próxima a lareira e me sentava.

            _ Exatamente. – respondeu ele, acendendo seu cachimbo. Eu fiquei vermelha, afundei meu rosto nas mãos e comecei a rir, olhando para Sherlock estupefata.

            _ Você é... extraordinário. – soltei, ainda rindo. – Como o encontrou novamente?

            _ Apenas segui o rastro que ele deixou.

            _ Meus parabéns. – disse com uma grande mesura de cabeça, que o fez sorrir. Continuou a fumar o cachimbo, enquanto eu fitava o fogo da lareira. – O que foi? – indaguei, ao perceber que ele também me fitava.

            _ O que mais me chateia, é que você conseguiu quebrar uma bela tradição Anne.

            Eu transferi minha atenção do fogo para ele, sorrindo de lado.

            _ Qual tradição meu caro? Ainda podemos brindar a um trabalho bem feito, se é isso o que o preocupa...

            Ele deixou o cachimbo de lado e se levantou, caminhando até mim com os olhos queimando com a mesma força que as labaredas do fogo da lareira. Me levantou e antes que eu pudesse troçar dele, me beijou vorazmente.

            _ Ah... esta tradição... que pelo que eu me lembre, não se resumi somente a um beijo. – eu me segurava para não rir. Aquele pomposo detetive que uma vez dissera ser invulnerável aos sentimentos, em apenas meses, se tornara totalmente dependente deles... totalmente vulnerável a qualquer movimento meu para com ele. – Fico lhe devendo meu querido.

            _ Me deve duas vezes. Lembre-se de que salvei sua vida.

            _ No próximo caso eu salvarei a sua e ficaremos quites. – brinquei com simplicidade. – Agora vou voltar para a cama.

            Eu me virei em direção à escada, percebendo algo estranho do lado de fora da janela, do outro lado da rua. Alguém segurava algo apontado para nossa sala. Tentava ver o que se passava aqui dentro... e o mais intrigante é que eu parecia reconhecer o rosto da pessoa, mas não me lembrava de onde.

            _ O que é aquilo? – perguntei me voltando para Sherlock, apontando discretamente para a luz.

            Holmes mirou a luz que provinha da rua e me fitou. Não deveria saber do que se tratava, assim como eu. O que alguém pretendia espionando nossa casa? Se estivéssemos no meio de um caso, eu entenderia, mas havíamos acabado de resolver um... qual poderia ser a razão?

            _ Querido... o que você acha?

            _ Não podem estar querendo invadir ou causar algum dano a casa, afinal há apenas uma lamparina em suas mãos.

            _ Mas então... o que pode ser?

            _ Acho que... logo teremos mais um caso em nossas mãos minha cara senhora Holmes. – assegurou ele. Fitei uma última vez a janela e voltei a caminhar para o quarto.

            Acredito que não seja necessário dizer que não poderei dormir bem esta noite. Mas Holmes tinha razão. Logo teremos outro caso nas mãos e algo me diz que também descobriremos quem era a estranha pessoa que nos espionava.


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