Bleed For Me escrita por Joker Joji


Capítulo 2
II - Ignorância.


Notas iniciais do capítulo

Mil perdões pela demora, agora postarei de semana em semana. Momento flashback :3~



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- Voziiiinha! Olha, olha! – A face do pequeno estampava euforia. – Meu canino tá nascendo!

- Sério, Gerry? Deixa a vovó ver.

- É mentira dele, mamãe. O dente mal caiu e o pestinha inventou que o definitivo já tá nascendo.

- Oras, Donna, deixe o menino. Você já foi criança também. Só que a beleza dele ultrapassa a de qualquer um, não é, Gerard? – O garoto riu, envergonhado de leve.

- Tá bem, olha então. Não tem mesmo nada aí, mãe. Ele que tá todo ansioso, louco pra morder carne.

- Mãe, você tá ficando velha muito cedo. Olha a vovó, que tem cinquenta anos a mais que você, não tá tão cega assim! – A senhora, cujos cabelos relutavam contra a velhice com fios negros vívidos, soltou um riso um tanto divertido. A mãe, que começara a pintar o cabelo de loiro há pouco, repreendeu o filho com uma exclamação zangada.

- Cadê, Gee?

- Vó, até você?! Olha, bem aqui! Tá tão afiado que parece até dente de vampiro!

Seus pequenos olhinhos assustaram-se com a expressão da avó. Aquela sua pele enrugada e branca sempre causara em Gerard uma plena admiração. Mas e agora? Por que sua velhice parecia intimidá-lo, por que sua boca parecia tão seca e capaz de matá-lo com apenas dois casais de palavras?

O oxigênio não ousava chegar aos pulmões de Elena. Nem a morte teria a audácia de atrapalhar as memórias que a dominavam naquela hora.

Vampiros.

Um olhar negro por trás da névoa pura e densa do inverno.

A primavera não deveria ser algo melhor que isso?

- Desculpa, vó. – A morte não ousava se aproximar, mas a inocência daquela criança de olhos verdes provava-se corajosa o suficiente para tal. Ou ignorante.

Ignorante como a mulher era naquele tempo, naqueles dias onde ela esquecera-se da tristeza. Talvez exatamente por isso que aquilo a atacou tão repentinamente. Ou talvez fosse o destino, meramente.

Vampiros são amaldiçoados. E quem passar por seus caminhos talvez não consiga mais enxergar a vida como um milagre.

Elena aproximou-se do neto. Para que tudo aquilo? Eram apenas lembranças. Suas mortes já marcaram o passado há muito tempo. O sofrimento já deveria ter se dissipado, assim como sua fraqueza.

Mas ela jurava ter visto uma sombra vermelha nos olhos verdes-claros do pequeno Gerard.

Ainda assim, ela sorriu. “Se for para ser assim, pequeno... Que este sorriso sirva como uma benção. Você não merece tristeza ou sofrimento... Não se deixe desacreditar assim tão fácil”.

- Que isso, Gee. Não foi culpa sua. Eu sou velhinha, lembra?

- E eu sou novinho. Sou burro. Nem sei ainda o que é química, e meu primo Matt fala disso o tempo todo. – Incrível como aquela voz doce derretia o clima pesado de dois instantes atrás. Elena despia um sorriso bobo na cara.

- Daqui a pouco você aprende. Você ainda vai viver muito, ao lado de alguém muito especial. E muito mais importante que saber o que é química é descobrir o amor.

- Mas isso eu já sei. Eu te amo, oras. – Elena sorriu.

Quem dera fosse assim tão simples.

----

Um antigo sonho, e eu acordei. Sem saber onde estava, quem exatamente eu era ou por que minha face derretia-se em suor. A escuridão só atrapalhava meus sentidos, eu me perdia ainda mais enquanto meus olhos não se acostumavam com a ínfima luz do ambiente. E ao mesmo tempo em que notei o colchão sob o qual me deitava, o cobertor invadiu meu olfato com um leve cheiro de mofo penetrante, e a maldita alergia meio asmática me ameaçando de novo. Mas, misturado ao ácaro, um outro cheiro, um perfume cativante me cativava. Peculiar. Aumentando minha dor de cabeça, a dormência nos pés e meu estômago revirado de angústia.

Angústia. Esse perfume.

Cadê Frank?

- FRANK! – Marcas vermelhas por meu corpo me prendiam como correntes, e o próprio cobertor me sufocava cada vez que meus pulmões tentavam se encher de ar. Uma lareira mal acesa no pé da cama parecia acertar meus pés com suas mais nobres chamas, num ardor agoniante, aumentando com a intensidade de meus gritos. Alguém tinha de me ouvir. Por mais que o calor consumisse cada centímetro do meu corpo, eu precisava ver Frank sorrindo para mim agora.

- FRAAANK! – Minhas mãos tremiam. Impotentes por arderem desgraçadamente, sem forças para me tirarem daquela sensação de prisão. Medo, nervosismo? A tênue luz me deixava tonto e o suor, agora, triplicara, encharcando o travesseiro grosso sob minha cabeça. O quarto diminuía a cada segundo. Talvez fosse minha agonia inundando seus cantos escuros.

- FRANK, MERDA, CADÊ VOCÊ?!

Meus dedos sangraram quando finalmente ousei arrancar as cobertas. Não só os dedos, como todo o meu corpo rasgara-se ao ficar de pé e sentir uma força desumana apegando-se a cada movimento meu. A tontura e a dormência, também. A solidão percorrendo meus sentidos. O desespero agindo mais forte que a razão.

O amor dilacerando cada centímetro de meu corpo acidentado.

- Gerard! – Sua voz cintilou pelo ambiente, e minha boca ficou seca só de ouvi-la. Mas minha pele continuava em chamas e a vista, embaçada. Não saía som algum de minha garganta.

“Ajude-me”.

“Desapareça”.

São as coisas que eu deveria ter dito, mas que se envergonharam demais para acertar seu coração...

O cheiro de sangue mostrava-se cada vez mais fiel a meu desejo. Era fácil te identificar mesmo sem provar um segundo de seu corpo. O difícil, nauseante, era se controlar. Mesmo sabendo que nada disso provava-se necessário.

- Gerard, você tá encharcado! – Ele correu para me segurar em seus braços. – Quê que houve?

Houve que seu cheiro está me deixando louco. E que nunca senti um aroma tão violento como esse, simplesmente irresistível. Houve também que seu toque penetrou tão fundo em minha pele que a dor me fez gemer, bem alto, completamente obcecado por mais um pouco dessa agonia. Por que você não me soltava? Suas mãos tiravam minha temperatura, ardendo agora minhas bochechas. Desnecessário, eu diria.

Desesperador.

- Frank, quer, por favor... Por favor...

- Por favor o que, Gee? Você tá ardendo em febre... – Consegui sentir a cor de meus olhos, de um mel tão viciado que você se calou no mesmo instante. Febre, sim. A culpa é só sua, vê se não reclama.

As correntes se soltavam. Aos poucos, deixando meus lábios trêmulos. Que tipo de droga haviam me dado? Meu olhar recaiu em seu pescoço. Ainda tentei lutar por controle. Tentei gritar algo como “fuja, Fran... Fuja antes que eu possa enxergar sua inocência”, mas não foi possível. De que adiantaria, se meus olhos te convencem a não partir?

Agarrei seus pulsos, fazendo-o cair bem em cima do colchão bagunçado, sobre os cobertores em cores berrantes. Meus joelhos o prendiam, minhas mãos também, porém não mais que a obsessão de meu olhar, ou minha respiração quente que pairava a pouquíssimos centímetros da sua boca.

Mas te beijar não era a pior possibilidade. Talvez te beijar nem estragasse tanto assim nossa amizade.

O pior era o fato de eu estar sob total domínio da situação, e isso só arrancava mais ainda meus limites. O controle, eu mesmo tratara de perder.

Com os joelhos tremendo e a visão embaçada de tanta dor, não deu para sequer te prevenir. Meus dedos bambeavam, ainda segurando com força seus punhos, te vulnerabilizando. Nem conseguia mais ver o que se passava em seus olhos.

Apenas sua respiração acertava meu coração. Com vontade.

Com um pavor diabólico.

 - Gee... – Uma voz tão, mas tão dolorida que não impedi um ofego. Meus olhos se encheram de lágrimas.

- Por que você tá aqui, Frank...? – Pensar era difícil. E meu sangue borbulhava, com minha cabeça ainda prestes a explodir. Ou a debruçar-se sobre seu sangue.

- Por quê... Por que estou aqui?! Talvez porque você esteja doente, ou porque você salvou minha vida, ou pior! Porque você é meu melhor amigo e eu me preocupo, demais, com você! Não durmo há dois dias e não saí daqui, Gee! Por favor, pára com isso! – O seu olhar, aquele que eu não conseguia enxergar, fora capaz de abocanhar meus sentimentos por um momento. Fez de presa o meu vampiro, por mais inusitado que isso possa soar; tornei-me, por um segundo, seu subordinado.

Mesmo não podendo vê-lo ou senti-lo direito. Mesmo com minhas mãos ambiciosas escorregando por seu pulso delicado, de modo frágil e abatido. Apesar de tudo, minha audição atentava-se a cada batida de coração, perfeitamente compassada a seus sentimentos me destruindo. Sorri.

Talvez não aparentemente, mas sorri. Por dentro, podia sentir meu sangue começando a aquietar-se, e a felicidade aninhando meu coração. Deixei meus braços desistirem, e meu corpo cedeu em cima do pequeno. Só que, dessa vez, não foi de propósito, Frank.

Seu perfume fez cócegas em meus pulmões. Delicioso, como meu lado humano o reconhecia. Meus olhos semicerraram-se inconscientemente. Eu estava mergulhado em sonhos – quase me afogando neles.

- Gee..! – Até sua voz soava vermelha de vergonha.

É algum tipo de perseguição, essa maldita cor?

- Gerard, você tá bem? – Eu lhe perguntaria o mesmo, se não preferisse continuar deitado até poder paralisar-me em seu toque. Até que seu toque me vicie, ou que seu gosto me envenene.

Com minha mente se apagando aos poucos. Sentindo os últimos suspiros de suas mãos em minha testa.

É uma pena, porque eu preferia sentir seus lábios nos meus...

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada aos que leem! :*