Tale As Old As Time. escrita por Jajabarnes


Capítulo 60
Consequences


Notas iniciais do capítulo

Temos um dos maiores capítulos hoje. Boa leitura!



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Haviam flores decorando a sala da casa dos Kirke naquela noite. Lírios do campo, rosas em vários tons, copos-de-leite, tulipas, todos em arranjos belíssimos. A luz deixava o ambiente acolhedor e as flores traziam alegria às cores escuras e neutras da casa, a lareira crepitava. Seria o ambiente romântico perfeito para um jantar de noivado. Tudo cortesia do Duque, como Caspian me dissera no caminho até ali, o pai queria tornar a situação o mais agradável possível para Lúcia. Algo discreto, somente para a família, não seria o sonho de uma moça comum, mas Caspian confidenciou que Lúcia escolhera proceder assim. Um meio de proteger toda a família e até mesmo Rilian.

Quanto a este, Caspian ainda não o vira. Dash havia acompanhado Lúcia na conversa com ele, esta tarde, e dissera que a reação dele foi a pior possível. Rilian não fora ríspido ou coisa do tipo, porém ficara arrasado e isso abalou a irmã. Apesar disso, não houve mudança de opinião. Caspian também contara que Dash estava extremamente descontente com a decisão de Lúcia, recusando-se a aceitar que ela se sacrifique desse jeito. Já era esperado, afinal. Embora eu não duvidasse do valor de Lúcia para ele, este não era o único motivo de descontentamento. Senti o calor do fogo crepitante na lareira da sala, o aroma das flores. Só estávamos nós dois ali, e logo Caspian pediu licença para ir se trocar. Não muito depois Dash chegou, em traje apropriado para a ocasião, por mais discreta que fosse, ainda era um noivado.

Não havia percebido sua presença, perdera a noção de quanto tempo passara encarando o fogo, até que ouvi quando Dash mudou o peso do corpo. Girei e encontrei-o na entrada, os olhos sobre mim.

—É bom vê-la, Su. – disse ele.

—Como vai, Dash? – disse em resposta, com a mesma cordialidade.

—Não tão bem quanto o esperado, como deve saber. - aproximou-se.

—Como está Lúcia? – Caspian já havia me contado, porém.

— Ela é forte. – Dash sorriu com o canto da boca. – Está reagindo melhor do que qualquer um de nós. – não consegui evitar o sorriso rápido.

— Lúcia sempre foi extraordinária.

Dash assentiu, com um pequeno sorriso.

—Aliás – disse ele. – Devo lhe parabenizar por ter encontrado seu irmão. Fico muito feliz. – contou, olhando-me nos olhos.

— Agradeço. – sorri. – Ainda me espanto com como as coisas procederam para que eu o encontrasse.

— Sim. – Dash baixou o olhar, e quando  levantou, seus olhos flamejaram com um brilho diferente. – Quem poderia imaginar que ele estaria tão perto, não é mesmo?

Assenti devagar. Antes que houvesse tempo de falar qualquer coisa, Lúcia desceu as escadas. Estava belíssima em um vestido verde escuro, seu olhar, porém, ainda trazia aquele brilho de tristeza, tão discreto quanto uma única estrela na noite.

— Susana. – veio abraçar-me, forte. Retribuí do mesmo modo.

— Está belíssima, Lúcia. - disse-lhe, quando desfizemos o abraço. Não coube perguntar como ela estava. O que menos queria era chegar perto de tornar a noite num imenso pesar. Lúcia sorriu para mim.

—Estaria melhor se houvesse felicidade em seu semblante. – comentou. Ainda olhando para mim, Lúcia suspirou, firme.

— Dash, por favor. – disse ela.

— Sei que Susana concorda comigo. – ele tomou assento e eu vi os sinais do velho Dash petulante.

— Já discutimos o que precisava ser discutido. – falou ela. – Além do mais, foi uma decisão minha.

— Lú. – comecei, mas a chegada do Duque me interrompeu. Ele cumprimentou o filho, a mim e beijou a testa de Lúcia.

— Onde está Caspian? – perguntou.

— Em seu quarto. – respondeu Lúcia. – Disse que não demora. – virou para mim. – Su, poderia me ajudar em algo?

— Claro. – respondi. Lúcia se levantou e logo atendi ao convite, seguindo-a. Ela não disse nada enquanto tomávamos as escadas. Caminhamos até a porta de seu quarto e convidou-me para entrar. – Por favor.

Lúcia entrou logo após mim, fechando a porta, rapidamente.

— Está tudo bem ? – perguntei e ela girou de volta para mim, o vestido farfalhando a sua volta. Então, aquela expressão de calma e firmeza se fora e sua face transmitia tudo o que se passava dentro de si. Meu coração palpitou, apertado.

— Pode esperar aqui comigo? – ela respirou. – Até que Pedro chegue? – duas lágrimas desceram por seu rosto.

— Sim. – fui até ela, segurando-lhe as mãos. Parecia que desmaiaria a qualquer momento. – Claro que sim. - abracei-a apertado. Lúcia retribuiu o abraço, deitando a cabeça em meu ombro. Sua respiração estava pesada.

— Tudo já é tão difícil, Dash deixa tudo mais difícil. – disse ela, a voz calma e baixa, porém embargada.

— Ele sempre foi muito cabeça-dura, mesmo. – concordei, tentando descontrair. – Velhas coisas não mudam.

— De fato ele sempre foi. – concordou ela, a voz mais calma, afastando-se. – Mas é diferente. – secou o rosto com o dorso das mãos. – Acho que, no fundo, Dash me culpa por impedir que se vase com você. O problema é que em nenhuma de nossas opções todos ficam felizes no final. Estou disposta a escolher a melhor das saídas para o bem de todos, inclusive o dele, porém Dash não entende que cada um tem sua parcela de sacrifício da mesma forma que temos uma parcela da Herança. – ela caminhou em direção a cama e tomou assento.

— Lú. – ponderei por alguns segundos, aproximando-me dela. – Você ainda ama Rilian, não ama?

Ela ergueu o olhar para mim, não disse palavra e logo tornou a encarnar as mãos, assim que franziu os lábios e seus olhos encheram-se de lágrimas.

— Eu o procurei mais cedo. – fungou, a voz trazia o embargo que ela lutava para conter. – Precisava contar a ele... Foi a coisa mais difícil que já tive de fazer. – as lágrimas desceram, deslizando pelo rosado das bochechas.

— Ah, Lúcia...! - sentei-me ao seu lado e a abracei com força, sentindo meus olhos arderem. – Você não precisa seguir adiante com isso.

Ela secou as lágrimas outra vez, erguendo a cabeça para me olhar.

— Faço isso por você também, Su. Mas principalmente, faço isso pelos meus irmãos e por meu pai. Eu não suportaria perder Dash ou Caspian, nem ver meu pai sofrer pelo resto de seus dias.

— Como Caspian e eu viveremos bem sabendo do que você abriu mão da sua vida...?

— Prefiro não enxergar assim. – disse ela. – Prefiro pensar que estou dando uma nova direção à minha vida. Além disso, Pedro é um bom homem, temos todas as chances de sermos felizes. – disse com fé. Mas eu ainda podia ver em seus olhos a mesma tristeza de antes.

— Há outro jeito. – saíram. Ou quase. Quase disse as palavras que mais temia. Lúcia compreendeu.

— Não posso deixar que faça isso. – decidiu. – É tão pior do que não fazer nada. 

— E... – comecei, mas uma batida na porta nos interrompeu.

— Srta. Lúcia. – soou a voz abafada do outro lado. Longe, batidas repetidas em uma porta. – Sr. Harold e Sr. Pedro Pevensie já chegaram. Todos lhe aguardam.

— Obrigada, Huin. – respondeu Lúcia. – Já estamos a caminho. – ouvimos seus passos indo embora. Lúcia voltou-se para mim. – Cas...

Um baque surdo, abafado chamou nossa atenção, interrompendo-a. Olhamos uma para outra.

—Ouviu isso? – perguntei. As sobrancelhas franzidas de Lúcia responderam antes que ela tivesse tempo. Algo quebrou e vozes exaltadas se fizeram ouvir, ainda que não pudéssemos compreender.

— Mas o que está havendo?! – Lúcia correu para a porta e eu segui. Do corredor, os sons das vozes estavam mais altos, porém indecifráveis.

— Vem lá de baixo. – disse, já a caminho. Avançamos para as escadas, e a cada passo sentia meu coração batucar no peito. “- Calma!” alguém disse, bem alto, seguido de uma série de burburinhos que ficavam mais altos a medida que nos aproximávamos.

— Não!

— Para trás!

— Como você pôde?! – bradou uma terceira.

— Oh, não – gemeu Lúcia, quando alcançamos o alto das escadas antes de mim. Ao parar ao seu lado, tive a perfeita visão da cena.

Lá em baixo, na sala, mais de um arranjo havia sido lançado ao chão, espalhando flores e milhares de cacos reluzentes à luz da lareira. De pé, de costas para a entrada, próximo aos arranjos caídos estava Rilian. Lúcia estancara ao meu lado e eu quase podia ouvir seu coração acelerado junto com o meu. A visão de Rilian partiu meu coração. Sua roupa estava desalinhada, o cabelo bagunçado, a face brilhando de raiva, revolta e decepção, a respiração acelerada indicava que entraria em uma briga a qualquer momento.

A frente dele estava Caspian, seguido de Dash e Harold, mais atrás, posicionados entre Rilian e Pedro. Meu irmão erguia-se do chão naquele momento com a ajuda do Duque, tentando enxugar o sangue que escorria de sua boca. Lúcia começou a descer as escadas o mais rápido que pôde ao mesmo tempo que Bri surgiu, ficando a postos nos arredores. Ergui a saia do vestido e desci.

— Ah – disse Rilian, quando avistou Lúcia se aproximando. – Aí está você... Minha Lúcia.

Devido seu estado, e a cadência de sua voz, tive certeza que Rilian havia bebido demais. Lúcia não entrou em detalhes sobre a reação de Rilian com a notícia, mas evidentemente não fora terrível só para ela.

— Rilian – começou ela. O controle gentil de volta à sua voz. – O que está fazendo?

— Depois da nossa conversa hoje... – ele gesticulava com as mãos. – Tudo o que disse... Eu... Não entendo porquê...! – ele respirou, quase desabando na presença dela. Caspian e Dash não se moveram. Cheguei ao fim das escadas e caminhei até Pedro enquanto Lúcia falava:

— Por favor...

— Não! – interrompeu ele, elevando a voz. – Não! Eu preciso saber! Preciso entender o que houve! O que eu fiz de errado?! Porque está fazendo isso comigo? Conosco?! - a raiva rasgava sua garganta, empurrava lágrimas para fora. As mãos de Lúcia tremiam, seu controle estava a ponto de sucumbir. Olhei o rosto ensanguentado de Pedro. De esguelha, vi os ombros de Lúcia se moverem levemente e sua, de embargo e esforço, se pronunciar.

— Minha decisão já está tomada, Rilian. – falou pausadamente. – Não voltarei atrás.

Rilian esbravejou.

— Depois de tudo?! – urrou ele, andando de um lado para o outro. – Depois de tudo o que sonhamos?! Depois de eu ter declarado meu amor por você é isso o que vai fazer?! – a dor e a raiva estavam estampados em Rilian.

Em suas lágrimas, na sua voz, em seus olhos, em sua postura. A mágoa irradiava em volta dele, não havia luz. Meus olhos arderam. Eu sabia o que estava acontecendo com ele, sabia sua dor. Caspian um dia deixara-me, como Lúcia fazia agora com Rilian, e eu o compreendia. Compreendia perfeitamente sua dor.

— Rilian, escute, eu... – começou Pedro, e como um raio de fúria, Rilian trovejou contra ele, avançando em nossa direção, mas sendo contido por Caspian e Dash.

— Calma! – alertou o primeiro. - Você! Seu miserável! – bradou Rilian para Pedro. – Eu deveria matá-lo! Éramos amigos! Amigos! – ele ofegou. – Que pior punhalada poderia haver, não é mesmo? – falou mais baixo, os olhos pulando de Pedro para Lúcia, flamejando de desprezo e mágoa. – Do que a de um amigo e da mulher a quem jurei amor.

Senti Pedro mover-se ao meu lado, para interferir novamente, mas contive-o com a mão em seu peito.

— Não. – sussurrei para ele. Pedro olhou-me, cheio de agonia, de culpa.

— Por que se nega a me dar uma explicação, Lúcia? – Rilian acusou. Os olhos dela brilhavam cheios de lágrimas.

— Trate de se acalmar! – mandou Dash, sério, mas era inútil, Rilian debatia-se contra eles.

— A culpa é minha. – disse Digory, em alto e bom som, atraindo a atenção de todos. - A decisão sobre o casamento foi minha. – tornou Digory, com plena certeza do que dizia. – Pedro ofereceu melhor dote pela mão de Lúcia.

Meu coração se apertou mais uma vez. Lúcia fechou os olhos com força. Mesmo de costas para mim, percebi Dash tensionar o queixo. A justificativa era dolorosa. Para Rilian, ultrapassado por alguém com mais poder, e para Digory, que agora tinha uma mancha em sua palavra para tirar Lúcia do alvo da raiva e do desprezo de Rilian. Ele merecia uma explicação, mas não podia ter a verdadeira.

— Lúcia só está me obedecendo. – afirmou o Duque, avançando para mais perto de Rilian.

— Eu tinha a sua bênção – vociferou Rilian. – A sua palavra!

— Rilian, não torne as coisas mais difíceis. – interrompeu Pedro. – Veja o que está fazendo, o estado em que Lúcia está.

— Egoísta, miserável! – ele avançou de novo. – Não ouse dizer que se preocupa! Desgraçado!

Caspian e Dash tentavam empurrá-lo para cada vez mais longe, mas a força da fúria de Rilian era devastadora. Saí do lado de Pedro e fui até onde Lúcia estava paralisada, envolvendo-a em um abraço, porém manteve seus olhos fixos em Rilian.

— Onde está a sua honra, Digory Kirke?! – esbravejou Rilian. – Você me deu sua palavra! Mas no fim vendeu sua filha para quem tinha o melhor dote! Então não diga, não diga que qualquer um aqui se importa com ela!

— Você invade minha casa – rebateu o Duque. – bêbado, faz dessa noite um desastre, agride meus convidados, faz acusações contra mim e minha família! Ainda assim quer provar que era a melhor opção para ela?! Pois saiba que não me arrependo do homem que eu escolhi para desposá-la!

— Não importa o que diga, não mais. Sua palavra não tem mais importância alguma. – respondeu Rilian para ele, com o queixo trincado. Ele esfregou as mãos no rosto e voltou a avançar, sendo contido. Bradando para Pedro com o indicador em riste, apontando entre Caspian e Dash. O peso das palavras em sua voz o deixava quase sóbrio, porém eram a indignação, a raiva e o desespero que o moviam naquele momento. – Se for homem! Eu o desafio a um duelo.

— Não! – Lúcia suplicou, os ombros chacoalhando entre meus braços, num soluço. Abracei-a forte e suas mãos estavam agarradas aos meus braços.

— Eu a amo, Lúcia. – garantiu ele. – E lutarei por você até o fim.

— Não haverá duelo algum. – disse Digory, o que só serviu para incendiar ainda mais a raiva de Rilian.

— Jamais viverei segundo as ordens de um homem sem honra! – explodiu ele, como um trovão. Então dirigiu-se a Pedro. – Ao amanhecer.

—Já chega. – exprimiu Dash, entredentes e empurrou Rilian em direção à saída, conduzindo-o até lá.

Rilian não ofereceu resistência. Embora ainda minimamente trôpego, foi com Dash sem dizer mais nada, até os dois saírem porta a fora. A batida da porta pareceu estremecer as paredes no silêncio sepulcral que tomou a sala. Silêncio este que foi quebrado no segundo seguinte, quando Lúcia desabou em meus braços, perdendo as forças e levando-nos ao chão enquanto seus ombros estremeciam e convulsionavam pelo choro e pela dor que ela não conseguia mais conter.

[...]

Levou algum tempo para conseguir erguer Lúcia sobre os próprios pés de novo. Seu choro foi a única coisa que ouvimos pelo longo tempo seguinte. Ninguém deu uma palavra, nada que disséssemos ajudaria em alguma coisa. Caspian sentou-se no sofá, passando as mãos no rosto várias vezes, agoniado, sem tirar os olhos da irmã, Digory tentou acalentá-la, mas sem sucesso. Continuei abraçada a ela, até que se acalmasse, sentindo meu próprio rosto quente por lágrimas que sequer havia percebido.

Quando as lágrimas de Lúcia cessaram, Digory se aproximou outra vez estendendo a mão à filha para colocá-la de pé de novo. Ela aceitou e levantou-se, sendo acolhida por seu pai, que a abraçou forte. Outra mão estendeu-se a minha frente. A pele de Caspian estava quente quando ajudou-me a levantar, seu semblante estava sério.

— Você está bem? – perguntou, com os olhos atentos. Neguei com a cabeça e ele tomou meu rosto em suas mãos, secando as lágrimas com os polegares. – Eu sei, eu sei. – e abraçou-me.

— Eu não conseguirei viver com esta culpa. – sussurrei para ele.

—Lembre-se que Pedro e Lúcia podem ser felizes juntos. – ele sussurrou de volta, comecei a balançar a cabeça e Caspian acrescentou: - E nós também. – Caspian aguardou até que meus olhos voltassem aos dele. – É o melhor caminho.

—Por quê? – questionei. – Porque diz isso?

Caspian abriu a boca para responder quando a porta da frente se abriu e Dash entrou, sozinho. Lúcia sobressaltou-se de onde estava com o pai. Atrás deles, Harold ajudava Pedro a limpar o sangue de seu rosto.

— Como ele está? – perguntou Lúcia, ao ver o irmão, os olhos aflitos e ensiosos.

—Eu o levei para casa. – respondeu Dash à ela, com doçura. – Rilian exagerou na bebida antes de vir, não custou para que ele adormecesse. Ele vai ficar bem, não se preocupe.

Lúcia pareceu conformada com aquela resposta por enquanto, levantou-se e pôs-se de pé diante do fogo da lareira. Dash, então, ciciou:

—Espero que esteja satisfeito. – seus olhos flamejavam na direção de Caspian. O Duque passou as mãos no rosto. Imaginei quantas discussões daquelas ele já teria interrompido. – Poderíamos ter resolvido entre nós, não precisava envolvê-la. – gesticulou para a irmã que, de costas, nem se moveu. – É covardia.

—Não a obrigou a nada. – alertou. Caspian imediatamente.

—Quando vai perceber que tudo de ruim que acontece a essa família é culpa sua! – esbravejou.

—Dash! – repreendeu Digory. A respiração de Caspian se acelerou ao meu lado, mas por mais incrível que possa parecer, contive sua resposta.

—Você é completamente indiferente à sentimentos que não os seus. – Dash continuou. – Foi assim quando deixou Susana. Foi assim quando retornou, e está sendo assim agora com Lúcia.

A cada palavra, a cada acusação meu peito se apertava mais e o desespero crescia. Lúcia e Pedro eram inocentes e o sofrimento dela, o desespero de Lúcia cravara uma espada no fundo de meu ser. Senti mais lágrimas descerem por meu rosto.

—Eu tenho plena capacidade de escolha. – Lúcia se pronunciou. – Caspian não nos obrigou a nada.

—Se Caspian tivesse aceitado seu lugar na Ordem há muito tempo, ninguém teria que fazer escolhas por ele. – insistiu Dash.

—Você sabe que é mais complexo que uma simples escolha! – ralhou o Duque, para Dash.

—Eu não quero que Lúcia sacrifique sua vida por mim! – afirmou Dash, com ironia.

—Já tomei minha decisão. – afirmou ela.

A minha volta, enquanto seguia-se a discussão e as acusações de Dash, o silêncio de Caspian, o ar ficava mais difícil de respirar. As vozes se tornavam uma só e eu estava prestes a sufocar. Rilian destruído, Pedro ensaguentado, toda raiva, a mágoa, as mentiras, esperanças e decepções. Eu não conseguiria não conseguiria viver em paz se levasse tudo adiante. Difícil, cada vez mais difícil de respirar. Havia minha parcela de culpa também. Seria terrível, terrível seguir em frente com aquele peso sobre meus ombros.

—Perdoe-me, Caspian. – sussurrei para ele, atraindo sua atenção. – Mas esse casamento não pode acontecer.

—Será que ninguém percebe que não há justiça nisso?! – arguiu Dash, sem nos ouvir.

—Chega, Dash! – ouvi minha voz disparando meu coração, a atenção de todos se voltou para mim. Tentei conter a respiração rápida e encontrar minha voz. Caminhei até Lúcia sentindo o embargo em minha garganta. - Desculpe-me por fazê-la passar por isso. – respirei, esforço que fez lágrimas descerem. – Fale com Rilian, vá até ele, e sejam felizes.

—Susana. – começou Pedro, mas o interrompi.

—Eu não posso perder você! Não haverá duelo algum. – olhei para Lúcia. – Você não precisa abrir mão da sua vida pela de ninguém. Se tiver de haver um sacrifício que seja nosso. – olhei para Dash e Caspian, e parando meus olhos sobre este último. Caspian estava de olhos marejados, a tristeza neles. Digory também o olhava e quando cruzou olhares com o pai, Caspian desviou para o chão, fazendo uma lágrima descer por seu rosto. Meu coração se apertou.

—O que quer dizer com isso? – perguntou Dash, cauteloso, de trás de mim. Olhei para ele.

—Aceito casar com você. – e aí estavam, as palavras que tanto resistiram em sair, a única solução que havia, e que eu não tivera coragem de admitir. Não a queria, mas era o único jeito. – Para que Lúcia seja livre.

Os olhos de Dash brilharam, fitos nos meus. Um brilho novo também tingiu seu rosto, ele nada conseguiu dizer.

—Lúcia, Pedro, Harold. – chamou Digory. – Nos dêem licença por favor.

Em silêncio e sem entender, Pedro levou Lúcia, seguidos de Harold, para qualquer lugar próximo que nos desse privacidade suficiente. Enquanto saíam, Dash manteve o olhar fixo no meu, e eu quase não podia mais distingui-lo através das lágrimas.

—Su – Caspian chamou, tão baixo que quase não pude ouvir. Dash segurou minhas mãos, mantendo minha atenção para si.

—Sabe que a amo. – disse ele, saboreando cada palavra como se fosse a coisa mais doce que já houvesse provado. – Prometo que a farei feliz. – levou minhas mãos até seus lábios, depositando um beijo em cada uma. Atrás de nós, Digory se pôs de pé. O olhar de Dash era tão intenso que não se desviou do meu, mantendo-o. -Tem algo a dizer sobre isso? – perguntou o Duque.

Os olhos de Dash pularam para ele, atentos. Quando o olhei, vi que não falava com nenhum de nós, e sim com Caspian. De pé não muito longe, ainda onde eu o deixara, ele olhava para os próprios pés, abrindo e fechando as mãos ao lado do corpo. Seu silêncio não fora longo, Dash começara a ficar impaciente e quando Digory pareceu querer falar de novo, Caspian ergueu a cabeça, os olhos fixos em mim.

—Você não pode. – disse ele, soltando com o ar. Dash fez um som de escárnio.

—De novo essa conversa. – acusou ele. – Susana é livre para escolher.

Caspian continuou olhando-me, cheio de apreensão e dor, o mesmo olhar desta tarde. Então compreendi: era isto. Era isto que ele tentava me contar.

—Eu sabia que você tentaria resolver a situação assim que eu lhe contasse sobre a decisão de Lúcia. – disse ele para mim. – Era o que eu estava tentando lhe dizer... Você não pode casar com meu irmão.

—Não tente manipular a situação, Caspian! – alertou Dash, grave. – Susana escolheu a mim, como deveria ter sido desde o começo. Aceite que nos casaremos.

Caspian balançou a cabeça. Permaneci a olhá-lo.

—Meu pai – disse Dash. – O senhor é testemunha da decisão de Susana, e todos sempre souberam do meu desejo em tê-la como minha esposa.

—Você não pode! – protestou Caspian, gesticulando.

—Não posso porquê, Caspian?! – esbravejou Dash, irritado. – Por seu egoísmo? Seu orgulho?!

—Por quê Susana é minha! – disparou Caspian de uma vez, para logo acrescentar em tom mais calmo, olhando-me nos olhos. - Como eu sou dela.

Compreendi no mesmo momento. Meu coração vacilou no peito e correu acelerado pelo susto do entendimento. Caspian e eu já estivéramos juntos, eu me entregara a ele e ele a mim, há um bom tempo, mas as lembranças daquela noite ainda eram vívidas em minha mente e em meu corpo. Não pude evitar o enrubescer no rosto. Dash levou alguns segundos para entender, encarando Caspian, e, ao olhar para mim, recuou um passo.

—O quê...? – foi o que seus lábios formaram, as sobrancelhas unidas.

—Você só pode unir-se a um. – disse Digory, baixinho para mim, com delicadeza, certamente notando o rubor em minha face. Dash, a dois passo de mim, analisava a informação e sua expressão foi de impaciência e brevíssima confusão à indignação. As sobrancelhas unidas e o asco faiscando em seu olhar.

—Nosso lugar é ao lado um do outro. Sempre foi. - disse-me Caspian.

MISERÁVEL! – estrondou a voz de Dash, e num piscar de olhos, Caspian recuou bruscamente com a força do punho do irmão contra seu rosto.

—Dash! – protestei.

—Pare com isso! PARE! – ordenou Digory indo alcançá-los, mas àquele tempo, o som abafado soou com o segundo soco e Caspian caiu, esbarrando com mais arranjos que quebraram-se ao chão. Dash já estava sobre ele desferindo outro golpe ao passo que Caspian defendia-se.

—DESGRAÇADO! – urrou Dash, quando o pai o alcançou, puxando-o de sobre o irmão. – Maldito! Maldito!

Fui até Caspian, ajudando-o a levantar. Sangue escorria pelo canto de sua boca. Cacos de vidro estalaram sob meus sapatos.

—Eu não sabia. – protestou ele, mantendo a calma, para o irmão, que debatia-se contra a contenção do pai, completamente tomado de fúria.

—Não sabia?! Não sabia?! – debochou Dash. – Que conveniente.

—Escute. - Caspian passou-me para trás de si. Dash ofegava, irado. Harold chegou ao cômodo sozinho.

—Como – dirigiu-se a mim. – Como você pôde permitir este desfrute?!

—Não ouse – respondi, séria. – Não me desrespeite.

—Respeito! – escarneceu – Eu devo respeitar a todos e sou o único que pode ser desrespeitado? Vocês me traíram! Traíram Lúcia e toda esta família! – ele bradava, sendo impedido pelo pai de se aproximar de nós. Dash olhava-me com desprezo, uma mágoa tão densa, que exalava de cada gesto, de cada respiração.

—Eu jamais o traí. – falei. – Sempre fui sincera.

—Mesmo tendo minha vida em suas mãos, você escolheu Caspian. – quase cuspiu o nome do irmão.

—Eu não sabia. – rebati de imediato. – Não posso voltar no tempo, Dash.

—Susana não sabia de nada. – reafirmou Caspian. Dash soltou um riso sem humor, cheio de escárnio.

—Pare com isso! – bradou Digory, empurrando Dash para trás. – Estou farto! Lúcia e Pedro se casarão na semana que vem. Eles decidiram assim e é a melhor opção para todos nós. Este assunto está encerrado! – apontou um dedo para Dash ao dizer a última frase.

—É uma condenação, não uma opção. – murmurou Dash, fazendo Digory virar-se para ele de novo.

—Eu disse que já chega!

Dash nos encarou, ajeitou a roupa e saiu da casa, batendo a porta com força. Um silêncio se seguiu, Digory sentou-se, massageando as têmporas. À minha frente, Caspian relaxou da posição defensiva a qual estava, soltando a respiração.

—Por quê não me disse antes? – perguntei, baixo. Ele virou para mim, fazendo cacos de vidro quebrarem-se mais. 

—Eu tentei, esta tarde inteira. – disse ele, calmamente, olhando-me nos olhos. – Descobri a pouco tempo, tive medo que pensasse que eu já sabia naquele dia ou que achasse que foi o motivo de aquele dia ter acontecido.

Exprirei, balançando a cabeça de um lado a outro. Caspian puxou-me para um abraço. O constrangimento de ter nossa intimidade revelada daquela forma, a frustração de saber que toda aquela escolha essencial havia sido feita sem que eu sequer soubesse, e há tanto tempo que teria evitado muito sofrimento. sequer tinha forças para questionar os motivos de Caspian depois de tudo o que houvera ali.  Mais uma vez, a ignorância provara ser o pior estado possível.

Além de tudo, - o pior de tudo – o casamento de Pedro e Lúcia passara de uma escolha para uma necessidade urgente e sacrificante. Ali, enquanto aguardava a carruagem com Harold para voltar para casa, torci, com tudo de mais sincero em meu coração, para que Caspian estivesse certo: que Pedro e Lúcia tinham boas chances de serem felizes.


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Notas finais do capítulo

Está acabando :D
Faltam poucos capítulos para chegar ao fim desta história e tem muitas surpresas a serem reveladas!
Até o próximo.
Bjs!!



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