Em geral, a noite do dia dos namorados tinha sido bastante agradável… Principalmente para quem teve a oportunidade de a passar ao lado da sua cara-metade, como fora o caso da Night Watcher Érica Rodrigues. No entanto, assim que Rodrigo adormecera, a mulher saíra da cama e fora para a sala de estar. Não conseguia descansar… Desde que descobrira os túneis secretos de Cila sentia-se agitada e um pouco impaciente. O facto de nunca ter ouvido falar neles e de não saber o que existia no seu interior, deixavam-na muito curiosa e com vontade de partir para a descoberta. Consequentemente passou a noite inteira acordada, concentrada em leituras que pudessem revelar-lhe alguma informação acerca do desconhecido espaço. Talvez alguma coisa tivesse escapado…

   Todas as divisões da casa continuavam às escuras, excepto na sala de estar onde uma luz ténue provinha de um candeeiro existente em cima da mesa e Érica debruçava-se sob ele pra ler uma das páginas dos vários livros que estavam espalhados. Depois de muitas horas de pesquisa, a uma certa altura, teve a sensação de que tinha lido algo estranho e voltara atrás pra repetir o processo. Érica nem se apercebeu que a manhã estava a cair quando Rodrigo apareceu na sala, de robe. Estava tão concentrada que assustou-se com a chegada do marido…

Rodrigo - Érica? O que é que já estás a fazer acordada?

Perguntou enquanto bocejava.

Érica - Nem te ouvi a levantar, estava tão concentrada. Acho que descobri algo…

Informou-o. Rodrigo aproximou-se da mulher.

Rodrigo - Por acaso dormiste alguma coisa?

Perguntou com um ar desconfiado. Rodrigo conhecia muito bem Érica e sabia o quanto ela podia ficar obcecada com nova informação.

Érica - Claro que dormi! Uma Night Watcher precisa de descansar…

Mentiu com todos os dentes que tinha. Não havia necessidade de, logo pela manhã, deixar Rodrigo indisposto.

Rodrigo - Como se eu não te conhecesse Érica…

Rodrigo não se deixou enganar mas mesmo assim, Érica insistiu.

Érica - Estou a falar a sério… Mas agora não interessa, já te disse, acho que descobri qualquer coisa!

Explicou-se com rapidez e Rodrigo esquecera o assunto, dando atenção ao livro que Érica tinha na mão.

Rodrigo - O quê?

Érica - Este parágrafo…

Érica passou-lhe o livro e com o dedo indicou o que ele devia ler. Rodrigo assim o fez…

Rodrigo - “E assim o fizeram… Uma vez que não tinham sucesso em eliminar a criatura cujo poder maligno era abismal e possivelmente invencível, os Night Watchers decidiram prendê-la num local secreto. O seu acesso era desconhecido e dificilmente seria descoberto. Depois de o fazerem, o segredo acerca da localização ficara apenas entre os Night Watchers responsáveis. Magia e grande poder foram necessários para conseguirem capturar e aprisionar o temível monstro que ninguém conseguia identificar…”

Rodrigo interrompeu a sua leitura…

Rodrigo - Mas que livro é este? O que é que isto tem a ver?

Era lógico que Rodrigo não tinha entendido, mas rapidamente Érica explicou a sua ideia.

Érica - São as “Crónicas dos Night Watchers”! Existem vários volumes e este, especificamente, fala de Cila… Da altura em que os nossos ancestrais vieram povoá-la, pouco depois da Guerreira Cila ter falecido e ter feito com que a vila pudesse novamente ser habitada por humanos!

Rodrigo - Já lá vão uns bons anos…

Érica continuou a sua explicação…

Érica - Este local secreto que eles referem-se no livro, pode muito bem ser as grutas que encontramos ontem!

Afirmou com convicção.

Rodrigo - Achas mesmo?

Perguntou com ar curioso.

Érica - É bem provável! Aquelas grutas são desconhecidas, não há referência delas em nenhum livro ou mapa da vila! Estava a pensar ir até lá hoje à tarde, examinar melhor o local pra termos uma noção do que é necessário para lá entrarmos!

Rodrigo ficou preocupado e isso foi transparecido na sua cara.

Rodrigo - Queres ir lá dentro? Mas eles dizem que prenderam lá um monstro que ninguém conseguia derrotar e tu queres lá ir?

Érica - Tenho de ir… Abaddon pode lá estar! E já passou tanto tempo que qualquer criatura que fosse ali aprisionada já teria morrido! Sabes que é esse o meu dever… É claro que não irei entrar sem estar preparada, por isso é que quero lá ir para estudar melhor o local antes de fazer seja lá o que for!

Rodrigo tinha dificuldades em aceitar aquilo, mas sabia que não havia outro remédio senão fazê-lo. Tudo o que interessava era que iria lá estar com ela e iria defende-la até ao último minuto.

Rodrigo - Ok, pode ser que tenhas razão! Mas tenho medo… Tenho medo que te aconteça alguma coisa! Não consigo evitar!

Érica sorriu e acalmou-o…

Érica - Rodrigo, somos um grupo grande! Eu até te deixo vir e tudo… Estou a pôr a tua vida em risco, só para poderes ficar descansado! Eu é que devia sentir-me mal… Além disso, se alguma coisa der errado, sempre podemos retirar-nos de modo a que nenhuma vida seja perdida! Tudo está sob controlo!

As palavras de Érica começavam a fazer efeito em Rodrigo…

Rodrigo - Mas não te queria lá perto sem mim… E hoje tenho de trabalhar!

Érica - Também não vamos entrar já hoje… Está descansado! É só fazer um estudo. E não vou sozinha, vou ligar à Isabella e ao grupo! E nem temos a certeza que o local referente no livro seja realmente as grutas secretas, é só uma suposição!

Rodrigo - Uma suposição muito bem-feita… Onde é que poderiam esconder um monstro sem ser ali? Se formos a pensar, faz todo o sentido!

Érica - Exactamente! Talvez as grutas não sejam tão desconhecidas como eu pense… Sinto-me tentada em ligar para a Ordem, para acho que vou esperar mais um pouco. Prefiro investigar o local e só depois de termos mesmo a certeza acerca das nossas pistas é que irei ligar!

Rodrigo - Faz como achares mais conveniente! A única coisa que peço é que não vás sozinha!

Insistiu.

Érica - Eu prometo!

Garantiu com um grande sorriso.

Érica - Acho que vou começar a arrumar algum material… Já deve estar na hora de te despachares, não chegues atrasado por minha culpa!

Avisou-o.

Rodrigo - Sim, não convém… Os patrões não são nada tolerantes com atrasados!

E beijou a mulher.

Rodrigo - Mas acho que ainda tenho tempo para tomar um banho… Queres acompanhar-me?

Provocou-a. Érica tinha muito trabalho pela frente, mas não podia negar um bom momento com Rodrigo.

Érica - Isso nem é pergunta que se faça!

Sem pensar duas vezes, Érica agarrou a mão de Rodrigo e conduziu-o até ao destino…

*

   As fortes pancadas na porta direita daquele andar eram escutadas no prédio inteiro… Um ou outro vizinho já tinha vindo até às escadas pra saberem o que se passava, mas nenhum tivera coragem de se intrometer. A rapariga que batia naquela porta parecia estar um pouco nervosa… Só passado alguns minutos é que a proprietária do apartamento em causa abriu-a e o barulho ensurdecedor das pancadas terminara…

Carol - Carlota? O que é que fazes aqui tão cedo?

Perguntou assim que viu a metamorfo. Pelo ar de Carol, reparava-se que esta tinha acabado de acordar… Estava completamente despenteada e os seus olhos mal conseguiam manter-se abertos.

Carlota - Posso entrar?

Carlota não ficara à espera de resposta e entrara pela casa a dentro. Carol fechou a porta e ficou a olhar para ela…

Carlota - Como é que consegues?

Jezebedth continuava sem entender do que é que a metamorfo falava.

Carlota - Sinto-me fraca… Estes sentimentos deixam-me vulnerável!

Tentava explicar.

Carol - Já estou a perceber qual é o teu problema… Estás com medo que o amor deixe-te frágil!

Carol reconheceu aquela atitude e aquela sensação… Ela própria passara um pouco pelo mesmo. Se bem que sabia que no caso de Carlota as coisas iam ser mais complicadas. A metamorfo guardara ódio e rancor durante muito tempo e só agora é que se estava a libertar disso.

Carlota - Mas eu já me sinto assim… Ainda nem fui capaz de ir ter com Abaddon! Começo a ficar com receio que seja muito óbvio o facto de eu estar a mudar. E se ele nota?

Carlota começava a levantar vários tipos de questões. O nervosismo que o misto de emoções estavam-lhe a causar, faziam-na sentir-se sem defesas.

Carol - Carlota, cai em ti mesma! Se existe alguém que consegue mentir bem, és tu! Não penses que estás a ficar mais fraca, porque não estás… A tua mente é que está a ganhar consciência daquilo e que estavas metida! Isso é um bom sinal!

Carlota - Um bom sinal? Eu estou a começar a ter medo de Abaddon… Eu nunca tive medo de nada!

Disse-lhe, stressada.

Carol - É bom que tenhas, ele é perigoso… Sinceramente Carlota, não sei o que te passou pela cabeça para juntares-te a ele! Eu sabia que tinhas raiva da raça humana, mas nunca pensei que chegasses a tanto!

Confessou.

Carlota - Carol, isso não está a ajudar!

A metamorfo voltou a chamá-la pelo seu nome humano e esta gostou.

Carol - Escuta, tu só tens de agir normalmente, como sempre fizeste… Se bem conheço Abaddon, ele estará tão empenhado na sua missão que não dará por nada! Mas uma coisa é certa… Mais tarde ou mais cedo o teu disfarce vai acabar, isto é provisório! Assim que as coisas começarem a aperta, tens de sair de lá!

Carlota - Então e depois? Vou andar a fugir?

Perguntou preocupada.

Carol - Depois vens para aqui… Com sorte a Night Watcher responsável pela vila conseguirá acabar com Abaddon!

Carlota - Ela tem muitos ajudantes… Talvez eles consigam!

Carol - Óptimo! Ainda melhor!

Carlota - Na verdade… É por um deles que eu me apaixonei!

Admitiu. Logo de seguida fez uma expressão estranha…

Carlota - Acho que ainda não me habituei a dizer isto! A-pai-xo-nar!

Dizia em alto e bom som e dividia a palavra em sílabas… Mas Carol não deu atenção, ainda estava a pensar no que Carlota tinha dito antes.

Carol - Estás envolvida com um dos ajudantes da Night Watcher? Porque é que não disseste logo? Isso é uma excelente notícia! E mais uma razão para não estares assustada!

Exclamou entusiasmada mas Carlota cortou-lhe a energia.

Carlota - É um relacionamento secreto… Assim como eu vou mentir para Abaddon, ele irá mentir para os amigos! Pareceu-me que também tem um segredo qualquer, mas não cheguei a saber o que era… Estava bastante preocupada com esta história do feitiço que dará liberdade a Abaddon!

Agora que parava para pensar, Leonardo esteve prestes a contar-lhe algo que ninguém sabia mas ela desprezou-o… Assim que estivesse com ele, voltaria a tocar no assunto.

Carol - Essa a única parte que deixa-me a tremer… Se ele souber do feitiço e conseguir encontra-lo! Mas agora precisas de relaxar e assim que te sentires preparada tens de voltar para Abaddon, antes que ele comece a achar estranho nunca mais apareceres…

Carol, o demónio Jezebedth, tinha razão… Carlota sabia-o. A situação estava complicada e tinha de se recompor…

*

   Cila já se encontrava em movimento… As lojas abriam, o trafego começava e a agitação usual instalava-se aos poucos. Na faculdade, alunos entravam e dirigiam-se aos seus postos, pronto para o início do dia. Alguns ainda iam ensonados e sem vontade de falar com ninguém, outros traziam consigo a boa disposição matinal e contavam aos amigos como tinha corrido o dia dos namorados.

   Pela primeira vez, Leonardo Almeida tinha sido o primeiro a chegar à faculdade… O que era estranho, uma vez que chegava sempre atrasado. O jovem sentara-se num dos bancos de jardim onde era habitual encontrar os amigos e pela sua postura, dava para reparar que algo incomodava-o… Passara muito mal a noite. Desde que Carlota contara-lhe acerca do feitiço que existia pra libertar Abaddon de Vanda, Leonardo não sabia o que havia de fazer. A informação que recebera era crucial para o trabalho dos Night Watchers, nomeadamente para Érica. Claro que para ele também era, mas não tinha como o dizer aos amigos. Isso implicava ter de explicar como descobrira algo tão importante e consequentemente, a sua nova relação com a metamorfo. Tal acontecimento não podia ser revelado pois ninguém iria entender como é que ele se tinha apaixonada por Carlota. Tinha de arranjar uma maneira que fosse plausível e que lhe permitisse revelar a informação importantíssima a que teve acesso.

   Leonardo sentia-se num beco sem saída. Além do segredo acerca da sua família, agora também tinha de ter atenção à relação que tinha com a metamorfo e não permitir que ninguém a descobrisse. O pior de tudo é que a informação que tinha estava associada a Carlota e o jovem não tinha como dar a volta a isso, não tinha como contar sem que os amigos viessem a descobrir de onde viera a aquela pista. Não existia uma desculpa suficientemente boa para Leonardo conseguir revelar fosse o que fosse.

   O jovem assustou-se assim que uma mão pousou no seu ombro e olhou para trás com a maior rapidez que pôde…

Melissa - Calma Leonardo… Somos só nós!

Cumprimentou o amigo, acompanhada por Camila.

Melissa - Ou ainda estavas a dormir?

Brincou.

Leonardo - Não não… Estava distraído! Desculpem…

Tentou explicar-se mas estava bastante atrapalhado.

Camila - Como sempre! Ainda querias ser tu o representante dos estudantes!

Recordou-o, no seu tom de desaprovação usual. No entanto, Melissa percebera que algo estava errado com Leonardo…

Melissa - Leo, está tudo bem?

Perguntou desconfiada.

Leonardo - Está pois…

Disfarçou… Como não sabia o que fazer, decidira não revelar a informação que tinha, pelo menos por enquanto.

Leonardo - Têm razão… Ainda estava meio adormecido! Apanharam-me!

Mentiu.

Melissa - Eu sabia!

Exclamou com um ar satisfeito. Nesse instante o seu telemóvel tocou e Melissa levou a mão à sua bolsa.

Camila - Sabes o que é que se chama a pessoas como tu? Preguiçosas!

Disse a Leonardo. Este riu-se…

Leonardo - Queres mesmo discutir acerca disso?

Respondeu, mas Melissa interrompera a conversa.

Melissa - Escutem, a Érica enviou-me uma mensagem a pedir pra que fossemos lá a casa quando as aulas terminarem!

Informou os amigos.

Camila - Já? Tão cedo? Será que não pensam em outra coisa?

Perguntou com ar de choque, mas nem Melissa nem Leonardo prestaram-lhe atenção.

Leonardo - Podemos passar por lá à hora de almoço! Temos três horas livres!

Melissa - Ya, vou dizer-lhe isso!

Camila - Mas aconteceu alguma coisa?

No fundo e por muito que reclamasse, Camila acabava sempre por preocupar-se.

Melissa - Talvez… Já tínhamos combinado que lá íamos. Para a Érica mandar mensagem a recordar-nos é por que talvez possa ter encontrado algo!

De repente a jovem começou a olhar à sua volta…

Melissa - Onde é que está a Ísis? Deve ser a primeira vez que chegamos primeiro que ela…

Reparou com alguma estranheza.

Leonardo - Não faço a mínima ideia, ainda não falei com ela hoje!

Camila - Já está na hora da aula… A Ísis deve lá estar! Aquela rapariga não chega nem um minuto atrasada!

Disse ao olhar para o relógio.

Melissa - É o mais certo…

Concordou.

Filipe - Bons dias!

Filipe Mendes aproximara-se dos amigos e cumprimentara-os. Estes só o viram quando ele falou…

Leonardo - Filipe… Há quanto tempo não vinhas ter connosco! Pensava que já te tinhas esquecido aqui dos amigos!

Leonardo era bastante amigo dele e fora sincero. Todos tinham reparado que Filipe afastara-se por uns tempos. O jovem podia não saber de nada acerca dos Night Watchers, mas para todos ele continuava a fazer parte do grupo.

Filipe - Leonardo, temos aulas juntos… Todos os dias! Tenho andado é ocupado… Mas essa fase já acabou!

Desculpou-se.

Melissa - Então Filipe? Pronto pra mais um dia aborrecido de aulas?

Tentou suavizar o momento. No entanto, não teve qualquer sucesso.

Camila - Estão a brincar comigo, não estão? É óbvio o porquê do Filipe ter-se afastado… Ele gosta da Ísis e ela deu-lhe com os pés! A minha pergunta é, porque que é que estamos a fingir que não sabemos?

Típico… Foi o pensamento que os amigos tiveram.

Filipe - Obrigado Camila… Pela humilhação!

Agradeceu-lhe com sarcasmo. Melissa e Leonardo não comentaram e ficaram envergonhados…

Filipe - Falando na Ísis… Viram-na?

Filipe também não sabia dela.

Melissa - Não! Ela já deve estar na sala, vamos agora para lá!

Filipe - Vou apanhar a vossa boleia… Também já está na hora!

Melissa e Filipe começaram a caminhar. Leonardo seguiu-os e Camila ficou para trás…

Camila - Mas ninguém acha que eu tenho razão? O que eu disse foi verdade!

Os três jovens pararam pra olhar para ela. Camila sentiu-se intimidada, ninguém dizia nada…

Camila - Ok ok, eu não digo mais nada, pronto… Não é preciso ficarem logo assim! Que sensíveis que somos!

Reclamou num tom brando. Os jovens avançaram e Camila foi atrás deles.