Por muito desesperado que estivesse, Pedro Dias não podia desistir de seguir o Sr. Charters. No entanto, teve de admitir para si próprio que estava cansado. Já há 20 minutos que o homem caminhava, em direcção ao interior da floresta.

   O ex-detective ainda estava em recuperação dos ferimentos causados pelas estranhas criaturas que o tentaram matar. E tinha perfeita consciência de que estava a esforçar-se demasiado para não perder o alcance. Depois ainda havia o problema de ter de voltar a fazer o caminho para chegar ao seu carro. Não era uma questão apenas física… Psicologicamente, Pedro sentia-se arruinado. Além de ter perdido o seu emprego, perdera o seu melhor amigo. No fundo, a sua vontade era desistir, mas isso seria um desrespeito à memória de Henrique Gomes.

   Foi quando menos estava à espera que o Sr. Charters parara… O seu ânimo mudou de imediato. Atento, ficou atrás de uma árvore a observar o homem. Este baixou-se e começou a fazer um estranho símbolo no chão. Pedro não conseguiu perceber o que era, mas continuou exactamente no mesmo sítio, queria ver o que Charters ia fazer.

   Depois de terminar o seu desenho o homem levantou-se e levou a mão ao bolso da sua camisa, de onde retirou um frasco transparente com uma mistura de ervas e óleos essenciais… Claramente estava a preparar-se para algum tipo de ritual e Pedro apercebeu-se disso, mesmo sem conseguir ver qual era o conteúdo do frasco. Charters ficou alguns segundos de olhos fechados a concentrar-se e ao final desse tempo atirou o recipiente para dentro no símbolo, destruindo-o e espalhando o que havia no seu interior. Em seguida ergueu os braços para o céu e iniciou um género de cântico numa língua desconhecida…

   Pedro tinha dificuldades em ouvi-lo… Mas rapidamente chegou à conclusão de que não iria adiantar de muito se o fizesse, o pouco que captou deu pra reparar que não compreendia nada do que ele estava a dizer.

   Assim que o homem se calou, uma forte rajada de vento correu a floresta, agitando com violência todas as árvores. Pedro arrepiou-se com o fenómeno natural mas percebeu que este estava ligado ao que Charters acabara de fazer.

   Foi aí que algo ainda mais espantoso aconteceu… Por cima do símbolo que o homem tinha desenhado, uma bola energética de luz azulada começou a expandir-se, emitindo em todas as direcções.

   Para Pedro pareceu algo que só vira em filmes… O seu espanto era tão grande que nem se preocupou se poderia ser visto. O que estava a acontecer era de uma beleza tão admirável que ele tinha de a contemplar. Um grande portal acabara de se abrir, metros à sua frente.

   Sem esperar um único segundo, e sem reparar em Pedro, o Sr. Charters caminhou em direcção ao portal e entrou. Este fechou-se automaticamente quando o homem desapareceu, deixando nenhum vestígio. O ex-agente correu até ao local… Tudo acontecera tão rápido que não teve tempo de reagir. Podia ter ido atrás dele e perdeu a sua oportunidade. Pedro ficara sem saber quem era o homem e para onde este ia. No entanto, conseguiu ficar minimamente satisfeito, pois agora tinha a certeza que o seu ex-chefe sabia o que acontecia em Cila e que estava envolvido com indivíduos que poderiam nem ser humanos.

   Uma enorme raiva apoderou-se dele… Tinha de desmascarar River e levar a verdade às pessoas. Não era justo um segredo daqueles estar oculto. Estava na hora de todos saberem a verdade e acima de tudo, tinha vingar o nome de Henrique. Mas estava sozinho, sem provas… E isso não era favorável. Não podia agir de cabeça quente senão aí é que perderia tudo. Tinha de ser inteligente e formular um bom plano…

*

   Já todos estavam reunidos na faculdade… Os olhares cruzavam-se à medida que estudavam Jéssica com os olhos. As expressões de surpresa eram inevitáveis. A misteriosa jovem tinha contado a sua história, uma vez que estavam ali presentes duas Night Watchers, sabia que podia confiar neles. No entanto, estes pareciam estar em choque de tanto espanto. Fábio continuava de mão dada com Jéssica, com um ar aluado e sem manifestar qualquer tipo de surpresa face ao que ela contara.

Ísis - Continuo sem perceber… Qual é a probabilidade disto acontecer?

Perguntou com inocência.

Érica - Eu diria que pouca! Até eu, estou sem palavras…

Melissa - Esperem, deixem-me recapitular!

E olhou para Jéssica.

Melissa - Então o teu nome é Jéssica… Pelo menos desta vez. És uma descendente do bem e não sabes que idade é que tens. O teu dom é espalhar amor e fazer as pessoas acreditarem nele em épocas de crise. Escapou-me alguma coisa?

Perguntou, tentando entender cada palavra que acabara de dizer.

Jéssica - Sim, é isso mesmo! E depois de estar satisfeita e acabar o meu trabalho, volto para a minha casa por anos indefinidos, para o oceano!

Isabella - Apenas conheço uma espécie com essa capacidade… Pensava estarem extintos há milhares de anos!

Isabella estava a chegar a alguma conclusão…

Érica - Exactamente, eu também… Daí o meu espanto! Os Selkies eram os únicos com esta descrição!

Jéssica sorriu.

Jéssica - Eu sabia que se houvesse alguém que me reconhecesse, seria um Night Watcher!

Os outros continuavam confusos.

Leonardo - Ok, alguém pode iluminar-nos? O que é um Selkie?

Érica olhou para o marido e para os jovens.

Érica - Vocês ouviram… Um Selkie é um descendente do bem! Escuso de fazer a descrição dele… A Melissa já o fez!

Respondeu com toda a sinceridade, no entanto, o espanto continuava espelhado no seu rosto.

Melissa - Mas ainda há pouco tempo pensávamos que talvez já nem existissem descendentes do bem!

Érica - Mas isso não é necessariamente verdade. Ainda existem alguns, poucos, desconhecemos é o paradeiro deles! Na Ordem Secreta temos as Fadas, por exemplo.

Isabella concordou.

Ísis - Fadas? Já conhecias descendentes do bem? E nunca nos disseste?

Érica - Devo ter esquecido de mencionar… Mas seja como for, é muito raro encontrarmos algum!

Jéssica - Lá isso é verdade… Se bem que nós, Selkies, temos muitos esconderijos! Somos criaturas da água, o oceano está à nossa disposição!

Informou-os com toda a sua calma.

Rodrigo - Existem mais? Também estão aqui em Cila?

Jéssica - Oh, não não! Somos criaturas solitárias, não vivemos juntos! Curioso não é? O nosso dom é o amor, mas estamos destinados a viver sozinhos. Sempre que voltamos a terra arranjamos um par e esse é o único momento em que temos alguém!

Pelo que a jovem acabara de contar, a vida de um Selkie parecia ser bastante triste e por muito espanto que sentissem, ficaram tocados com aquelas palavras.

Ísis - Parece ser um pouco injusto! Vocês dão algo que no final acabam por não ter!

Exclamou, triste.

Jéssica - Eu sei que parece estranho, mas se fosses um de nós ias entender!

Jéssica também ficara tocada com a compreensão que aquela jovem possuía.

Melissa - Mas pareces tão normal… Pareces uma humana! Como é que vives na água?

Jéssica - Este corpo é só um disfarce!

Érica interrompeu… Queria ter a certeza que estava certa acerca de algo.

Érica - Os Selkies são criaturas mágicas… A sua verdadeira forma é a de uma foca cuja beleza é única! Quando voltam a terra trocam de pele e transformam-se em humanos!

Jéssica concordou. Ísis sorriu pelo facto dos Selkies serem seres mágicos. Leonardo lembrou-se de Carlota, a metamorfo, derivado à troca de pele.

Érica - Também sei que um humano apenas apaixona-se por um Selkie se encontrar a sua pele de foca, a qual apanha instintivamente para proteger! Quando o Selkie regressar à água irá precisar dela. A minha pergunta é, é esse jovem que a capturou?

Perguntou, indicando Fábio.

Fábio - Amo-te tanto Jéssica…

Declarava-se, vidrado na jovem. Esta olhou para ele, sorriu, e voltou a olhar para os outros.

Jéssica - Não são só os humanos que se apaixonam por nós, nós também nos apaixonamos por eles! Mas mais uma vez acertaste!

Aos poucos tudo começava a fazer algum sentido e as opiniões acerca da jovem Jéssica eram distintas.

Érica - Fascinante!

Melissa - Agora estou mais esclarecida! Precisávamos era de mais seres como este a povoarem Cila!

Concluiu com toda a honestidade que tinha.

Hugo - Eu acho genial existir um ser com a capacidade de espalhar o amor!

Era a primeira vez que Hugo falara desde que chegara e estava feliz por saber que afinal existiam criaturas boas naquele mundo e não eram só demónios e seres monstruosos.

Ísis - Por muito que seja uma vida solitária, também parece ser tranquila!

Avaliou.

Jéssica - Bastante!

Jéssica parecia estar mais feliz do que nunca… Algo estava a cativar aquela postura.

Leonardo - Hum, essa história de espalhar amor… Eu não acho que seja muito correcto! Supostamente devíamos ser livres de sentirmos o que queremos, sem haver qualquer influência externa!

Todos olharam para Jéssica, à espera de uma resposta à conclusão plausível que Leonardo tinha chegado.

Jéssica - Não é bem assim que as coisas funcionam… Eu só volto a terra quando as pessoas começam a perder a esperança no amor. Eu apenas ajudo-as a voltarem a encontrar os seus caminhos. Não obrigo ninguém a nada. E só aqueles que estão a deixar de acreditar nele, é que ficam sob o meu efeito! Somos uma raça muito antiga… Em todos os tempos históricos, o mundo tem alturas em que os humanos e outros seres acreditam e seguem as leis do amor… Mas também existem momentos em que todos estão perdidos e gradualmente, o amor começa a ser esquecido. E é aí que eu actuo… Para poder voltar a equilibrar os níveis! Neste momento, as forças das trevas estão a reunir forças e Cila estava a precisar de mim.

As palavras de Jéssica faziam todo o sentido. Leonardo arrependera-se de ter feito aquele comentário. Afinal de contas, os Selkies pareciam ter uma grande responsabilidade em cima dos ombros. Depois de terem escutado as suas palavras, todos começaram a observar as atitudes das pessoas que passavam por ali… Pareciam estar felizes, como nunca antes visto… O que era estranho. Olhavam para Jéssica e cumprimentavam-na à medida que caminhavam.

Camila - Por acaso estás a tentar dizer-nos que todas estas pessoas que aqui estão perderam a esperança no amor?

Por incrível que pudesse parecer, Camila foi a que ficou mais espantada com o que Jéssica dissera. Aquela reacção nas pessoas só podia querer dizer uma coisa… Estavam sob o efeito de Jéssica.

Jéssica - Nem todos… Mas maioria sim! Têm acontecido tantos acidentes e as pessoas estão tão ocupadas com as suas vidas que aos poucos começaram a esquecer o que realmente é importante!

Camila pareceu ficar triste e tentou disfarçá-lo.

Jéssica - Mas agora carreguei-os dessa energia… Não sei por quanto tempo irá durar, mas será benéfico. Não desanimem pelo que vos contei!

Jéssica sorriu… O grupo que ali estava era muito poderoso. Juntos, emancipavam uma energia muito forte. A eles nada faltava, ainda acreditavam no amor.

Jéssica - E o meu trabalho por aqui está feito… Não sei se repararam, mas nenhum de vocês ficou sob o meu efeito! E isso significa uma coisa…

Érica começou a sorrir. Entendeu de imediato o que a Selkie queria dizer e concluiu a sua frase…

Érica - Significa que acreditamos no amor e que seguimos as suas leis! Estamos limpos!

Melissa - Precisamos dos nossos sentimentos… Na luta contra as forças malignas são eles que nos dão coragem e força para enfrentar o perigo! Sem eles não seriamos nada!

Uma resposta bastante inteligente. Melissa chegara a uma conclusão importante. Sem amor, nenhum deles seria capaz de combater as forças do mal.

Jéssica - Com um grupo tão forte como vocês, posso partir descansada! Agora sei que Cila está em muito boas mãos!

Só assim é que Fábio pareceu despertar e a sua atitude mudara.

Fábio - Partir? Partir para onde? Vais embora?

Jéssica olhou para ele, sorriu e passou-lhe uma das mãos pelo seu rosto, com ternura.

Jéssica - Sossega amor… Está tudo bem! Brevemente irás esquecer tudo e ficarás como novo!

Érica - Calculo que tenhas de ir até à praia! Nós podemos ajudar no que for preciso…

Disse com compreensão. Todos entenderam que Jéssica tinha de partir, independentemente da visita ter sido curta. Fazia parte do seu destino.

Jéssica - Agradeço!

Exclamou de uma forma doce.

Isabella - É uma pena não poderes ficar… Dava-nos jeito, uma aliada como tu!

Lamentou.

Érica - É verdade… Bem que precisávamos de uma ajudinha!

Concordaram as Night Watchers.

Jéssica - Sabem que não posso. Mesmo que não queira, tenho de ir. Se ficar muito tempo aqui pode ser prejudicial! O amor que espalho é tão grande que deixa as pessoas desorientadas e isso é perigoso. Apenas posso estar aqui por um curto espaço de tempo. É pena, mas é esta a realidade!

Todos compreenderam que o poder de Jéssica era bom em pouca quantidade. E sendo uma descendente do bem, queria o melhor para todos. E se isso significava ter de ir embora, então ia. A Selkie reparou que todos tinham ficado um pouco tristes e tentavam não o mostrar.

Jéssica - Mas não se preocupem… Se continuarem a lutar pelo bem com amor e sinceridade, ninguém conseguirá destruir-vos!

Garantiu-lhes.

Érica - Esperemos que estejas certa… Para o bem de todos nós!

Afirmou com simpatia. De alguma forma, o que Jéssica dissera encheu-os com mais coragem e todos sorriram para aquele ser tão bondoso.

Jéssica - Está na hora!

Avisou-os e em seguida olhou para Fábio.

Jéssica - Em relação a ti amor, eu sei que vai ser difícil. Proporcionaste-me uma das melhores chegadas a terra que alguma vez tive!

Fábio estava confuso. O que Jéssica dizia-lhe estava para além da sua compreensão.

Fábio - Mas eu não quero deixar-te…

Os restantes elementos ficaram emocionados com a reacção do rapaz, especialmente Ísis Rocha, que era bastante sensível.

Érica - Jéssica, disseste que foi na praia das conchas que que saíste, não foi?

A Selkie concordou.

Érica - Nós vamos andando… Para dar-vos um pouco de tempo e de espaço!

Jéssica - Obrigado!

Érica e os restantes avançaram, deixando Jéssica e Fábio para trás.

Jéssica - Fábio, eu nunca irei deixar-te…. Estarei para sempre contigo, no teu coração!

À medida que a Selkie começava a ficar triste por ter de partir, essa mesma energia era transferida para Fábio, deixando-o mais confuso, mas também mais consciente do que se estava a passar.

Fábio - Mas eu não consigo entender… O nosso relacionamento foi tão repentino, mas parece que já te conheço há anos! Como é que é possível?

Jéssica beijou-o com intensidade e uma lágrima caiu-lhe pelo rosto.

Jéssica - Faz só o que te peço… Se me amas tenta compreender!

Fábio estava a lutar contra a vontade de a agarrar e não a deixar sair dali. Mas ele amava-a… E tinha de respeitar a sua decisão, mesmo que não estivesse a compreender nada. Então, com muito custo, sorriu para ela.

Fábio - Ok… Eu confio em ti!

Jéssica ficou orgulhosa… Desta vez tinha mesmo escolhido alguém especial e com bons valores. Mas não havia nada a fazer e a hora tinha chegado. Sempre fora assim… Não existia nenhum modo de mudar isso.

Jéssica - Vamos…

E pegou na mão de Fábio. Ambos seguiram atrás das Night Watchers e dos restantes.