Clube Do Imaginário escrita por ShoutOut


Capítulo 1
1 - Estrelas. Lembranças. E os armários do destino




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1 – Estrelas. Lembranças. E os armários do destino.

1ª relato de Harley Rue


Talvez foram nossas fraquezas que acabaram nos fazendo tornar o clube do imaginário algo concreto. Afinal, me diga uma pessoa, que não seja potencialmente perturbada, que realmente goste da realidade que vive.

É como Albert Einstein disse uma vez: “Lógica leva você de A a B. Imaginação lhe leva a qualquer lugar.”

Acho que era a única cura para nós, talvez seja para você também. Algo tão longe e ao mesmo tempo tão próximo. Imagine, por alguns segundos, sete pessoas, presas a realidades indesejadas com a forma dos piores monstros de seus pesadelos que sugam a cada segundo um pouco de suas vidas.

Conseguiu? Agora estamos nos entrosando.

Garrett teve a ideia de que cada um, todo dia, teria que gravar pelo menos um relato no computador que tínhamos “ganho” na sala do clube. Cada um contando uma parte da história do clube. Sete pontos de vistas diferentes para os futuros “loucamente esquisitos ou anti-sociais” da Escola de Educação Básica Neil Armstrong.

Juro que não entendi porque ele me escolheu para ser a primeira.

Meu nome é Harley Rue. 16 anos. Segundo ano do ensino médio. Promessa nas pistas de kart de metade do país [Não estou me gabando Gar! Não é para dizermos a verdade? Então, eu estou dizendo], completando, esse negócio de promessa nas pistas não é algo que eu realmente goste.

Tenho um irmão gêmeo, o nome dele é Maximillian (por causa do sociólogo, Max Weber, foi invenção da minha mãe colocar esse nome no menino), mas todo mundo (ainda bem) chama ele de Max, e nós sabemos o que é viver se escondendo de alguém. Nós nos escondemos nos nossos pais a mais de sete anos.

Eu era pequena, entrando ainda na pré-adolescência mas lembro de bastante coisa, quando tínhamos oito para nove anos nossos pais tiveram “A briga” e decidiram se separar. Max e eu éramos bastante maduros para crianças da nossa idade então entendemos perfeitamente, mas o ruim veio quando a briga judicial começou.

Como tínhamos certa consciência do que queríamos, o juiz decidiu nos escutar, para que cada um escolhesse com que familiar queria ficar. Meu irmão me deixou escolher primeiro, o que foi horrível. Papai tinha passado a semana anterior me pressionando, dizendo que se eu o abandonasse meus treinos de kart ficariam seriamente comprometidos e eu tinha um futuro naquilo, ele sabia, afinal qual é a garota de oito, nove anos que consegue controlar um kart com certa perfeição a mais de 90 km/h?

Acabei escolhendo o papai, dizendo que me sentia mais segura perto dele e tudo mais. Queria que o juiz não tivesse caído na minha, mas ele caiu. E acabou que meu pai foi permitido de ver meu irmão duas vezes por ano e para minha mãe foi o mesmo em relação a mim, isso só mudaria no meu aniversário de quinze anos (que também era aniversário do Max), data que nenhum dos dois abriu mão. Só. O que me deixaria com só dois dias no ano para ver o Max e... eu não conseguia, de jeito nenhum, concordar com aquilo.

Lembro que no mesmo dia sai correndo pelo fórum querendo destruir tudo, queria morrer, chorei tanto que quase desmaiei depois, meus olhos ardiam muito, meu coração doía demais. Max acabou resolvendo a bagunça dos nossos pais, como sempre fazia. Praticamente exigiu que estudássemos na mesma escola e depois dos treze anos pudéssemos passar o natal e réveillon juntos, só nós dois, e se eles não acatassem fugiríamos de casa, e eles sabiam que eu, pelo menos, tinha meios de conseguir dinheiro para aquilo com certeza.

Eles concordaram relutantes, zangados, ultrajados e por ai vai, mas concordaram. Todavia eu e o Max éramos espertos, sempre que podíamos marcávamos pela a internet de sair e no final eu acabava vendo a mamãe de longe e meu irmão acabava vendo o papai de longe e ele sempre que podia dava umas fugidas com uns amigos para ver as minhas corridas.

Olha, você pode pensar que odeio meus pais, mas a verdade é: não consigo odiá-los. Sinto pena deles, às vezes. Só que ódio. Eu nunca tive. Posso entender seus motivos, afinal nenhum relacionamento é perfeito. Eu não podia esperar que meus pais ficassem juntos para sempre como um casal alegre e feliz que se vê nos filmes, isso não existe.

Relacionamentos, não importam quais forem, são baseados em propósitos. Desafios. Não existe algo que começa bom e é pra sempre bom. Tudo tem seus altos e baixos.

Conseguimos escondidos, acompanhar o crescimento um do outro mesmo fora da escola. Muitos momentos foram compartilhados, mas eu só lembro realmente da primeira namorada dele (que aliás não gostava de mim de jeito nenhum) [Cala a boca Max sabe que é verdade, aquela menina me olhava como se eu fosse um demônio], que eu conheci, primeira vez que ele fez a barba (aliás, imagine a cena, um menino e uma menina com mais ou menos treze anos dentro do banheiro de um shopping e ele fazendo a barba, foi hilário) [Tenho que falar a verdade aqui Max!], a primeira música que ele aprendeu no piano, o crescimento acelerado demais para o meu gosto, os corte de cabelo que foram de fofos a estranho e de estranhos a até sexys (o que é meio difícil de admitir já que ele é meu irmão) as mudanças de estilos e de tom de voz (esse é o mais hilário de todos, juro).

Acho que foram os mais marcantes.

Nós mal brigávamos. A verdade é: ficávamos tão próximos e ao mesmo tempo tão longe um do outro que não queríamos brigar logo nos momentos que estávamos juntos.

Conversando com os garotos do clube atrás de uma luz de onde começar a história, eu e meu irmão achamos melhor começar pelo réveillon daquele ano.

Eu sei que, mais tarde, você vai dizer que não tem nada haver com a história e tudo mais, mas aquele foi um momento importante, parecíamos, de alguma maneira sobrenatural, saber que aquele ano iria mudar tudo.

Iríamos à mesma praia na cidade litorânea mais próxima da nossa, numa vila quase abandonada de pescadores, para ficarmos isolados de todos, sentados na mesma jangada velha, como sempre fazíamos. O dono da jangada já nos conhecia, era um senhor bem simpático de idade já avançada. De primeira dávamos uma quantia mínima a ele em troca de poder passar a virada do ano ali, mas depois que ele se aposentou praticamente nos deu a jangada, passamos e ir ali mais vezes e até mesmo comprar giz para escrever no local.

Desde os nossos treze anos era a mesma coisa, cada um trazia uma mochila lotada de comida roubada da dispensa de nossas casas, nem precisávamos de pratos ou coisa parecida, depois de comer ficávamos um tempo encolhidos um contra o outro observando as estrelas e o mar, nem mergulhávamos (temos uma coisa estranha, não gostamos de tomar banho de mar, mas gostamos de ir para a praia ficar lá na areia como duas estátuas olhando para o mar) e conversando sobre coisas aparentemente idiotas, mas que faziam a diferença para nós.

Então depois daquilo dormíamos na casa do nosso padrinho (que era só uns trinta minutos de caminhada de onde ficávamos) e depois de um tempo ele ia nos deixar em casa.

Fui a primeira a chegar, por algum milagre já que o Max tinha criado o hábito de sempre chegar adiantado por causa das duas ex-namoradas psicóticas [Não estou com ciúmes de você Maximillian Rue!] que ele tinha arranjado.

Meu pai ia me deixar sempre com a mesma cara de que não gostava daquilo.

Era a mesma coisa, ele dizia para eu não comer muita porcaria e não pegar um resfriado porque se engordasse muito iria poder influenciar na corrida e no meu desempenho diante as câmeras (apareci algumas vezes em alguns programas esportivos) e como sempre eu escutava (para não dizer o contrário).

Aquele era o único momento, depois do natal, que eu me sentia eu mesma, só eu, meu irmão, areia, praia, céu, estrelas, chocolate e música vinda do celular, para mim não tinha coisa melhor. Eu estava pouco me lixando para o que ele estava dizendo.

- Quer deixar algum recado pro Max? –perguntei sabendo que ele queria deixar. – Eu digo pode deixar.

Os olhos de um castanho quase achocolatado do meu pai sempre assumiam um brilho estranho que ele se lembrava do Max. Parecia que o mundo parava por alguns segundos e ele entrava num mundo só dele. Acho que era essa relação louca de homem com filho homem, algo assim. Eu me sentia um pouco triste por ter “roubado” aquilo dele.

- Diga para ele não vacilar com as garotas. –falou meu pai sorridente. – Ele não sabe do que algumas são capazes.

- Pode considerar recado dado. –falei sem sorrir, como sempre, só com um olhar compreensivo.

Meu pai, como sempre, me deu um abraço e me desejo um feliz ano novo e “Que seus adversários engulam muita poeira nas corridas, minha Menina Cometa” .

Explicação rápida: Menina Cometa é o apelido que me deram nos programas de televisão. Parecia que eles não entendiam que meu nome era Harley, como a moto, não Halley, como o cometa. Eu odiava essa droga de apelido, mas meu pai gostava então eu não falava nada.

- Harley. –aquela chamada foi novidade. – Você tá ficando grande demais.

- Não posso controlar meu crescimento pai. –falei um pouco entediada.

Sério, até do meu crescimento ele iria reclamar?

- Não é isso. –ele começou um pouco nervoso. – Você fica mais madura a cada dia que se passa. É assustador, mas me orgulho disso, me orgulho de você.

Aquilo me destruiu, afinal, ele não era para dizer isso para mim e sim para o Max, afinal ele era o garoto, o filho homem dele, o herdeiro oficial, não eu. Queria ter o poder de desaparecer, tudo estava errado. Ele não era para ter orgulho de mim, era para me chamar de princesinha e ter orgulho do Max.

Ah! Eu estava tendo um ataque de loucura por dentro e por fora parecia uma estátua.

- Obrigada. –foi tudo que eu consegui dizer antes de partir para a praia com uma mão nos bolsos e a mochila no outro braço.

Meu pai me conhecia de um jeito estranho, ele dizia que eu meio que falava enquanto estava pilotando. Passava por todos de um jeito silencioso até, tentando demonstrar o mínimo de qualquer coisa, e ele sabia que eu era assim, era a minha personalidade.

Sentei-me na areia, só por um curto espaço de tempo, enterrando meus pés na areia. Aquilo era bom, parecia que eu enterrava alguns sentimentos ruins meus para que no próximo ano, mais sentimentos ruins viessem.

Depois de uns vinte minutos que o carro do meu pai virou a esquina pude ouvir o carro da minha mãe chegando, ela nunca conseguia consertar aquela coisa direito, era impressionante, eu apostava que em mais dois anos aquele carro iria virar o rei dos “Carros de merda”. Olhei para trás, vendo o utilitário parar alguns metros atrás de mim revelando minha mãe, o novo marido dela e o Pirralho dos infernos. Max está dizendo aqui que Pirralho dos infernos é apelido para aquela coisinha de nove anos.

Vamos continuar.

Minha mãe me olhou como sempre me olhava, com raiva, e o Max já tinha me dito por quê. Se eu não tivesse insistido tanto em ficar com o papai talvez nós dois poderíamos ficar com a mamãe, mas isso iria acarretar mais briga judicial e era algo que eu realmente não queria na época. E a mamãe me odeia por ter sido fraca.

- Ei Harley. –falou o novo marido da minha mãe que eu mal via. Acenei para ele.

- Oi mãe. –liguei a minha lanterna. Estava escuro.

Minha mãe me olhou como se olhasse um monte de merda e também só acenou. O Pirralho dos infernos estava praticamente montado em cima do Max e lhe dando uma surra com um martelo de plástico, meu irmão tinha sorte de ser forte o suficiente para conseguir colocar aquele garoto no carro e fugir.

Ele se despediu da minha mãe e do marido dela e veio na minha direção sorridente. O pirralho ficava fazendo careta para mim pelo vidro do carro.

- Boa sorte nas corridas Menina Cometa. –falou o meu padrasto sorrindo. Usei o sorriso falso que usava diante as câmeras.

- Obrigada.

- Vamos ver algum dia uma corrida sua, não é querida? –ele não devia ter perguntado aquilo.

- Talvez, quem sabe, vamos estar muito ocupados esse ano. –falou minha mãe friamente. Aquilo me fez querer chorar.

Então eles entraram no carro e foram embora. Estendi o braço quase que automaticamente, como se quisesse segurar minha mãe nas mãos e pedi perdão por tudo.

Max me abraçou com força, como se quisesse roubar tudo que eu sentia para ele. Meus joelhos pareciam querer virar manteiga, meu peito doía muito. Respirei fundo, tinha que ser forte, pelo menos isso.

- Pare de se destruir Harley. –ele disse no meu ouvido. – A culpa não é só sua, é minha também.

- Mas...

- Harley, para. –ele afagou meus cabelos. – Só mais dois anos lembra?

Era.  Combinamos que quando fizéssemos dezoito iríamos para uma faculdade o mais longe o possível daquela cidade e alugar um apartamento.

Então seguimos para a jangada, colados um no outro e em silêncio. Era reconfortante sentir o braço dele sobre meus ombros, tentando me segurar para que não caísse nos meus próprios sentimentos. Eu segurava a lanterna com força iluminando nosso caminho.

Quando nos sentamos na jangada o pequeno ritual começou. Abrimos as mochilas, colocamos as lanternas (ele pegou a dele) em nossos flancos e jogamos toda a comida no chão do lugar, pegamos uns sanduíches e uma lata de coca cola cada um. Perguntei para ele tudo que eu tinha perdido no ano e como sempre ele me contou.

Os amigos de seu condomínio sempre ficavam meio surpresos comigo quando viam minhas corridas na televisão e segundo ele eu tinha um admirador lá. [Max e Rudy parem de brigar!] Como a mamãe sempre usava ele como filho exemplar na frente das amigas dela e ele meio que se sentia um faraó quando aquele monte de patricinhas acabava dando em cima dele. E a garota que não saia do pensamento dele desde que ele a tinha visto numa briga. Max está dizendo que se eu falar logo o nome dela vai me matar então... Vou deixar um misteriosinho no ar.

            Depois de um tempo os alarmes de nossos celulares soaram como um relógio dando exatamente doze badaladas dizendo que era meia noite. Nos deitados no convés da jangada e ficamos olhando as estrelas relembrando momentos felizes de nossas vidas.  Eu adorava olhar para as estrelas, elas pareciam ganhar formas diante de meus olhos. Eu conseguia ver um cinturão logo a minha esquerda, um carro na minha frente, uma boneca a minha direita, era impressionante.

            Acho que sou uma apaixonada pelas estrelas.

Não sei por que, pela primeira vez em anos, decidi naquela noite, fazer aquela pergunta que estava entalada na minha garganta há muito tempo.

            - Se você tivesse ido primeiro. –comecei um pouco insegura. – Quem escolheria? Mamãe ou papai?

            A pergunta o surpreendeu. Éramos um pouco previsíveis um com o outro e aquilo realmente nos tirava da rotina que tínhamos criado.

            Acho que aquela resposta foi o que me fez entrar no clube do imaginário. Foi aquilo que me fez odiar a realidade que eu vivia com todas as minhas forças.

            - Já me perguntei isso bilhares de vezes, me perguntei se talvez se tivesse ficado com o papai, minha vida seria mais fácil, e eu teria, provavelmente, virado o piloto de kart da família. Ao mesmo tempo lembro-me da mamãe, todas as vezes que precisei só dela, de mais ninguém, e ela precisou de mim. Então me lembro também de todas as brigas, de como ela não me contou sobre o seu casamento e aquilo me acarretou aquele pirralho idiota e como ela grita aos quatro ventos que seu antigo casamento só lhe acarretou um filho verdadeiro, não dois. –ele me puxou mais para perto de si, como se quisesse nos colar, algo assim. – A verdade é: eu não sei. Não sabia naquela época quem escolher e não sei até hoje, eu queria os dois juntos, não posso mais querer isso, parece errado demais agora, os dois no mesmo lugar, a única coisa que ainda parece certa da nossa antiga vida Harley, é você maninha, mas a realidade nos separou. Fico imaginando, às vezes, se não fossem só duas escolhas e sim três, se pudéssemos escolher ficar só nós dois, um responsável pelo outro. Acho que seria mais fácil.

            Aquilo me deu um aperto enorme no peito, odiava ver meu irmão sofrendo, mas a verdade era: aquela separação ainda fazia os dois sofrerem, e muito.

            - Queria que tudo fosse como nós imaginamos. –falei segurando um soluço que sinalizaria um choro que estava preso dentro de mim, junto com tantos outros que prendi por vários anos. – Queria muito, a nossa realidade é um saco.

Realidade idiota. Éramos os irmãos mais unidos que conhecíamos desde sempre e ela nos separou sem permissão alguma.

            Ele deu uma gargalhada.

            - É mesmo, um saco, também queria isso, um mundo, só nosso. Eu poderia ter uma bateria.

            - Talvez, um dia a gente consiga. –falei tentando sorrir um pouco.

            Os olhos verdes do meu irmão ficavam com um brilho único sobre o luar, e com aquilo, me lembravam uma única coisa: esperança. Era aquilo me movia a aguentar as corridas e tudo mais. Meu irmão, ele me lembrava esperança.

            - Espero que sim. –falou ele olhando para o céu. – Esse ano, por favor!

            Pense numa chave. Grande e preta com alguns séculos de idade. E bem em cima dela tem uma pedra, pequena e verde, mas sua beleza é tanta que ela prevalece sobre todo o resto, e ela só lembra uma coisa, esperança.  E no “corpo” da chave existem pequenos brilhos que lembram estrelas.

            Naquele momento era como se eu estivesse segurando essa chave e não soubesse para o que era servia, só que eu via um refúgio nela, era estranho.

            Acabei sem querer caindo no sono e quando acordei com um Max risonho me balançando, então subi nas costas dele e seguimos para a casa do nosso padrinho. Quase tive que implorar para que ele ficasse ali, no meu “quarto” até que eu dormisse de vez.

            Estava acontecendo uma festa na casa do meu padrinho e elas sempre me deixavam deprimida (eu sei é estranho, eu sou estranha então que seja).

            Bem, avançando um pouco na história já que aquela festa idiota não tem nada haver com o que tenho que contar aqui e muito menos o resto dos dias que eu tive que passar treinando feito uma maluca até que as aulas recomeçassem.

            Ficava imaginando meu irmão como um dos mecânicos da minha equipe, ou como alguém assistindo meus treinos de longe.

            Eu só o queria por perto, era pedir demais?

            [Pode me chamar de melosa, Garrett Castello! O idiota ali vale muito para mim, essa é a verdade!]

            Onde eu estava?

            Sim. Acho que eu vou ser a responsável de contar como foi o primeiro dia de aula naquele ano, ou parte dele.

            Bem. Uma palavrinha simples para descrevê-lo antes de começar a contar a história: Destino.

            Como sempre cheguei ao colégio querendo passar despercebida. E não conseguindo. Eu queria me esconder com a minha jaqueta da Harley-Davidson colocando o capuz sobre a cabeça, mas como sabia que raramente conseguia sempre usava meus coturnos sobre a calça jeans da escola para relaxar.

            Logo na porta da nossa escola tinha uma fila de professores para nos desejar boa volta à escola (ou seja, boa volta ao inferno) e nos entregarem uns chocolates com gosto de sabão.

            Mas eles mal falavam comigo. Por causa da diretora.

            Resumindo a história: entre aspas, eu era famosa, uma oportunidade enorme de propaganda da escola, mas me recusava a fazer tal coisa. Depois eles começaram a encher o saco então comecei a aprontar um pouco. Atrapalhar as aulas, dar uma de anti-social e dar uma surra em qualquer pessoa que começasse a encher minha paciência. Nada demais, acho que minha natureza normal é odiar regras e já que eu não podia fazer isso nas pistas, em casa, na frente das câmeras e mais um monte de lugares, fazia na escola.

 O que deixava todo mundo louco era que tirando tudo isso, eu tirava notas altas e até era defensora dos fracos e oprimidos. Perdi as contas de quantas brigas eu entrei por causa de bullying.

Meu pai até gostava. Eu faço bem a linha bad girl com princípios. Principalmente depois das mechas azuis no cabelo. E os jornais gostavam disso.

            Eu sei, as mechas não combinaram com o meu “título”, mas eu estava pouco ligando.  Então a diretora desenvolveu um ódio por mim, principalmente porque ela não me entendia, mesmo tendo sei lá quantos cursos de psicologia infanto-juvenil nas costas.

            Logo consegui achar meu irmão conversando com alguns caras do time de hóquei (que no lugar de ser num lugar com gelo, era realizado com patins normais mesmo) da escola. Sim, tínhamos um. O filho mais velho da diretora tinha passado metade da vida no Canadá e formou o time, eles não disputavam muitos campeonatos, mas os garotos eram legais e jogavam bem.

            Como sempre acabaram me desejando sorte na nova temporada de corridas. Como éramos de cidade pequena todo mundo sabia quando iria ter uma corrida e eu tinha feito o favor de virar celebridade.

            Que saco! Eu realmente odiava aquilo.

            No começo, correr era legal sabe? Fazer um bando de filhinhos de papai da capital comerem poeira, fazer manobras arriscadas e tudo mais, era a melhor coisa do mundo.

            Só que depois de tanto tempo e tanta pressão tinha virado a coisa mais chata do mundo! Era como... Um emprego chato que nunca acabava. Sem fim de expediente. Parecia que havia correntes de titânio que me prendiam aquela coisa. Eu tinha a obrigação de vencer e ser uma garota perfeita para as câmeras se não meu pai passava horas dizendo que eu não podia destruir algo que passamos anos construindo e tudo mais. Ele não sabia que eu nunca quis aquilo. Eu gostava de correr por diversão não por obrigação.

            Os garotos do time eram legais comigo. Viviam fazendo piadas de como eu e Max éramos... Os opostos um do outro na aparência, as únicas coisas em comum eram a cor da pele (somos quase descendentes da Branca de Neve nesse conceito) e o fato de ambos terem cabelo ondulado. Enquanto meu irmão tinha cabelo castanho-claro, quase cor de areia, meu olho era castanho claro. Enquanto ele tinha olhos verdes (maldita genética) eu tinha mechas azuis que, às vezes, ficavam meio esverdeadas quando estava desbotando no cabelo castanho escuro, quase preto que eu tinha.  Meu irmão tinha porte grande. Ombros largos, estatura insuportavelmente grande, braços fortes por causa do time de hóquei e o de basquete (que eu tinha o feito entrar depois de várias ameaças).

             Eu era forte, parecia lutadora de alguma coisa. Era graças à academia que eu tinha que frequentar graças ao Kart.

            Bem, os garotos do time de hóquei eram legais, só que eu não disse que eles não eram uns idiotas de vez em quando.

            Legal e idiota são dois conceitos que podem andar juntos quando o poder sobe a cabeça.

            Mas antes. Os armários do destino e as aulas.

            Antes de ir para a aula, fui até meu armário pegar o meu horário e os livros daquele dia.

            Meu armário tinha um cheiro de graxa reconfortante. Lembrava-me de quando correr era só um esporte que me fazia sorrir. De quando eu, o papai e o Max ficávamos consertando o meu Kart com a mamãe gritando ao fundo dizendo que tínhamos que dormir.

            Bons tempos.

            Eu guardava lá algumas fotos minhas, olhava para elas tentando achar um sentindo na minha droga de vida. Raramente conseguia. Era como se eu tivesse virado um robô ou coisa parecida.

            Tinha também alguns recortes de revistas com várias fotos das bandas que eu gostava e de filmes que eu não conseguia viver sem como Harry Potter e Jogos Vorazes. Acho que eu tinha uma queda (tá, um penhasco) pelo Peeta Mellark, pelo Gale Hawthorne e pelo Rony Weasley. E alguns livros de histórias que, às vezes, eu lia na hora do intervalo.

            Bem, eu mal percebi quando puxei o livro de história e quase todos os outros vieram ao chão.

            Alguns caíram sobre o meu pé, me fazendo soltar um gemido de dor.

            Abaixe-me automaticamente. Não podia me expor ao ridículo daquela maneira, tinha uma droga de reputação a zelar.

            Foi nessa hora que eu o encontrei.

            Eu o conhecia. Sabia disso. Seu rosto me era familiar. Todavia, aqueles olhos azuis, de perto, pareciam... Perigosos. Eram tão lindos que poderia ficar olhando para eles horas a fio.

            - Relaxa. –ele falou calmamente, a voz dele era bonita. – Eu te ajudo.

            Peguei-me olhando para o seu rosto de maneira... Estranha. Foquei os olhos em nossas mãos, era o melhor.

            Levantei-me poucos minutos depois com alguns livros nos braços. O garoto tinha o desenho de uma soqueira inglesa na mão esquerda e um dente de leão negro na direita, os dois muito bem desenhados e pintados. Era legal.

            - Desculpe. –falei meio sem graça.

            - Cuidado quando for arrumar o armário. –falou o garoto se levantando.

            - É. –bela resposta Harley, ganhou o prêmio de maior idiota do mundo!

            Ele me entregou os livros, se virou, deu um soco de leve em algum armário e saiu andando normalmente pelo corredor meio que decorado demais da minha escola. Afinal ela era num prédio antigo da cidade, acho que os arquitetos, antigamente, não construíam prédios, não só isso, eles faziam arte com uma tonelada de tijolos, tinta e muito cimento.

            É, os verdadeiros gênios desse mundo tinham morrido no século passado.

            Eu o conhecia de algum lugar. O garoto misterioso de olhos azuis. E pior, como é que eu não tinha percebido, em tantos anos naquela escola, que tinha um vizinho de armário tão bonito.

            Peguei meus livros e os enfiei na minha mochila, tendo que correr para a primeira aula. Eu me sentia culpada. Por mais estranho (ou normal, vai saber a impressão que você tem de mim) que isso possa parecer.

            Queria lembrar-me daquele garoto.

            Mas vamos mudar de assunto. Diga-me. Existe coisa mais legal e chata do que aula?

            Eu sei, os conteúdos são chatos, para mim, principalmente matemática. E eu, que fui forçada a entrar na turma de estudos avançados isso ficava mais chato ainda.

            Para que, Deus dos diretores idiotas, existiam turmas de estudos avançados? E em uma cidade pequena?

            Minha turma tinha três coisas insuportáveis:

Patricinhas e mauricinhos que se achavam os últimos refrigerantes do deserto. Super nerds que eu até admirava, mas tinha certo medo da inteligência deles. Tinha uns que faziam contas astronômicas em poucos minutos, era assustador. E conteúdos que pareciam em falados em gregos que só serviam para queimar meus neurônios.

Não sei como sobrevivi três anos lá dentro.

Só que... As piadas dos professores eram legais. E tinham uns que falavam coisas sobre histórias de fantasia como Crônicas de Nárnia e Senhor dos Anéis. E algumas histórias que juntavam fantasia e realidade como A menina que roubava livros.

Eu gostava daquilo.

Tirando os alunos filhinhos de papai a aula foi boa. E também, eu tinha um consolo. Não era a única que estava ali obrigada. Vamos dizer que a turma de estudos avançados também servia como reformatório, de vez em quando.

E o pior, funcionava com a maioria das pessoas.

            Eu só sabia que um dos garotos. O nome dele era Hansel Dedrick, estava na mesma situação do que eu. Querem uma descrição dele? Super roqueiro, sério.

 Ele era bem alto, acho que mais alto que o meu irmão, pele numa tonalidade bem clara, só que não tão branco quanto eu (eu sou a nova Branca de Neve), tinha olhos de uma tonalidade muito escura de castanho (quase preto), e cabelos pretos meio grandes, que lhe cobriam o rosto, era meio estilo personagem roqueiro de anime só que não era estranho, era normal, muito menos estilo garotinho, só era grande; tinha cara de malvado, também tinha uma tatuagem num dos braços, eu apostava que era personalizada, porque tinha várias coisas misturadas, usava dois alargadores, um em cada orelha, alguns piercings espalhados nas orelhas também [Tá Hansel, eu vou dizer] três piercings ao todo e vivia com um gorro preto na cabeça.

Pelo menos eu sabia que meu irmão era mais forte que ele. Os dois saíram na base do murro quando estávamos no ensino fundamental por causa de uma partida de basquete. O Max ganhou e o Hansel foi expulso do time de basquete.

            Nunca soube direito o motivo da briga, só sei que meu irmão se machucou bastante e ficou quase um mês sentindo tanta dor que mal andava.

O fato de Hansel tocar guitarra, violão, piano e bateria (os últimos dois eram boatos) e gaita (eu já tinha visto) só melhorava a aparência de roqueiro.

E eu realmente não entendia porque uns caras o chamavam de “O porco”, ele parecia... Sei lá, qualquer coisa menos um porco.

Não demorou muito para que soasse o alarme para a hora do intervalo. Eu queria ficar mais tempo, estava gostando da aula de história, o professor tinha feito uma revisão sobre algumas ditaduras e eu realmente gostava daquilo.

            Peguei minha mochila, tirando de lá um pacote de biscoito de chocolate, meu predileto, eu não sabia viver sem ele.

            Um fato engraçado. Quando fui ver, assim que sai da minha sala o meu vizinho de armário saiu da sala dele.

Passei rápido por ele, um pouco envergonhada, admito. Peguei quatro dos meus biscoitos e estendi para ele.

            - Recompensa por me ajudar. –falei saindo como se não tivesse feito nada.

            Pela primeira vez, em anos, eu queria fazer amizade com alguém.

- Certo, Menina Cometa. –ele passou por mim rapidamente me deixando um pouco zonza.

“Garoto interessante” – Não consegui evitar pensar isso.

Últimas palavras deste relato:

Somente a imaginação pode levá-lo a lugares onde o céu, é só o próximo passo, não o limite.





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