A Trágica História De Um Homem Louco escrita por DM Santos


Capítulo 2
RITOS INICIAIS - the sharp knife of a short life


Notas iniciais do capítulo

Título retirado da música: If I die young - The Band Perry



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A última coisa que vi foram seus cabelos, as madeixas castanhas, tão belas que me faziam duvidar se não tinham natureza etérea, a última memória de minha doce menina, ela saindo pela porta, irônico era o fato que na verdade era eu que estava indo embora.

– 527. – O guarda chamou, ocupando agora o lugar que há poucos segundos fora o portal que levara Camille de vez para fora de minha caótica vida, levou-me um tempo para respondê-lo, meu olhar vago ainda revivia as memórias daquela última hora.

– 527! – O guarda insistiu, já perdendo a paciência comigo, fitei-o com um olhar interrogativo, sem nada dizer.

– O capelão e o diretor do presídio estão aqui para vê-lo. – Ele informou e antes que eu pudesse responder dois senhores adentravam a cela.

Um, que eu reconheci como o vigário por suas vestes longas, era gorducho, careca e tinha no rosto uma expressão de pena, soou-me bem falso, para dizer a verdade. O segundo tinha face mais severa, vestia um terno impecável de linho, um estranho brilho maníaco no olhar, o que me fez duvidar se eu era o único fora de minhas faculdades mentais ali. Não sabia qual me desgostara mais, o primeiro que escondia a maldade sobre as vestes de santo ou o segundo que fazia questão de mostrar o mal que havia em si. Eram os dois cúmplices de minha morte, afinal.

– Você tem direito a vestes novas, um banho, uma última refeição e à sacra confissão. – Informou o diretor em tom desinteressado e automático, quase lhe perguntei quantas vezes por dia ele dizia aquilo, mas com medo que ele me mal interpretasse me contive, não queria dar-lhe mais motivos para que acreditasse em meu fascínio por homicídios, poderia ele causar-me mais males além da morte? Ao invés apenas assenti, como um cão seguindo as ordens de seu mestre, não era eu mais do que isso, afinal, um servo condenado a ordem mais severa de seu senhor – a morte. Apanhei as vestes que me eram oferecidas e me dirigi ao lavatório.

A água estava muito fria, as roupas não eram tão novas quanto prometido e para última refeição me fora servido um ensopado de vitela terrivelmente preparado. Não me importei, encontrava-me em um torpor calmo, não me parecia útil me importar com a água fria, roupas velhas ou com a refeição duvidosa quando a morte estava tão próxima, tudo parecia demasiado mundano aos meus olhos.

– Filho, podemos conversar agora? – O vigário adentrou minha cela novamente e sem esperar convite sentou-se ao meu lado na cama.

– Quais são seus pecados? – Perguntou-me ele, direto.

– Pecados? – Olhei-o nos olhos com insana intensidade, o capelão lançou um olhar de aviso ao guarda que ficou a postos para me deter se fosse necessário, voltei a fitar o chão como se nada tivesse acontecido. – Não creia que exista um plural para essa palavra, existe um pecado e suas consequências.

O vigário aguardou por mais palavras minhas, mas eu nada disse, então caímos em um reflexivo silêncio até que eu continuei.

– Meu pecado, padre, foi ter amado demais uma mulher e deixar que esse amor consumisse toda minha sanidade. – Confessei.

– Amar não é pecado, meu filho. – O padre deu tapinhas consoladoras em meu ombro, repeli o toque e precisei de certo esforço para não surtar, mas ao fim fui capaz de controlar-me e revidar a fala do capelão.

– Não são os vícios um pecado? – O encurralei.

– Sim, filhos, mas... – Interrompi sua fala.

– E não seria o amor o maior dos vícios? A necessidade carente de outra pessoa, o pensamento constante nela, as reações fisiológicas incontroláveis... Foi meu vicio nela que me trouxe aqui, que me cegou piamente, incapaz de ver algo além dela.

– Não foi sua culpa, criança – decretou o padre como para me consolar, mas parecia mais estar consolando a si mesmo, tomado por seus próprios fantasmas. – As mulheres são, de fato, criaturas vis e perversas que causam a loucura aos homens, com seus olhares matreiros e sorrisos perversos, despertam em nós, ingênuas criaturas, nossos instintos animais imperdoáveis. Arrisco dizer que essa aí, causadora de sua miséria, não era diferente, uma filha do diabo como são todas as mulheres. – Concluiu o vigário, absorto em seu mantra contra o sexo feminino, mas suas palavras severas carregadas de desprezo despertaram minha revolta.

– Não fale assim dela! – Gritei o surpreendendo. Ficando em pé de supetão. – Não se atreva a dizer uma palavra sobre ela que tem muito mais de criatura angelical que o senhor jamais terá!

– Acalme-se, meu filho – pediu o homem desesperado, o guarda vindo em minha direção a fim de me conter, esquivei-me dele e me lancei em direção ao pescoço do capelão, sem me importar com as consequências.

O homem gorducho e frágil não pode me conter e se não fosse por dois guardas que me afastaram do homem eu provavelmente teria feito dele mais uma de minhas vitimas.

– Que Deus o abençoe, meu filho, que Deus o abençoe. – O vigário murmurava rouco saindo apressado do quarto, fazendo o sinal da cruz repetidamente como se isso pudesse protegê-lo.

Os guardas me jogaram em um canto da sala e saíram me deixando trancado ali, indo provavelmente fazer os ajustes finais para minha execução.

As últimas palavras do capelão, no entanto, ficaram se repetindo em minha cabeça. Seria Deus generoso o suficiente para ter misericórdia de mim? Eu acreditava que Ele existia, mas quando se tem a minha doença é muito difícil dizer se algo é real ou não, pra gente a realidade é algo muito ímpar.

– 527, me acompanhe. – Ordenou um guarda ao me algemar e eu caminhei na direção indicada de cabeça baixa, muito cansado para sequer me importar com as flores vívidas que só eu via pelo caminho, minhas ilusões me acompanhariam até o fim eu sabia, embora naquele dia eu estivesse mais ciente de minhas ações do que nunca. Como um velho que acorda se sentindo bem disposto para depois, naquela mesma noite, deitar a cabeça no travesseiro e não acordar mais.

O corredor era longo, talvez eles o fizessem assim de propósito, para o desespero ser maior naqueles que ainda se importassem. Sádicos, assassinos tão cruéis como aqueles que eles julgavam, condenavam e puniam.

Sempre achei East St. Luis, a cidade palco de meus crimes, demasiado fétida, sempre achei suas ruas muito cheias, de fato, sempre achei lugares muito cheios um tanto perturbadores.

Há muito tempo já não conseguia suportar cheiros fortes, pessoas amontoadas, volumes altos, a falta de calmaria despertava minha loucura e talvez fosse aquela insana mistura de sons, cores e odores que tivessem me levado ali, me levado a cometer os crimes horrendos que eu cometera, portanto foi com a cabeça baixa que eu andei pelo corredor da morte, ciente de minhas falhas, sem resistência.

Dos meus erros, talvez, o pior tivesse sido a negligência com a qual decepcionei Camille, ela acreditara em mim, abraçara minha causa, mas no fim, eram minhas digitais nos corpos das mulheres mortas.

Camille, antes não a tivesse conhecido, para que ela assim pudesse ser privada do infortúnio de não poder me salvar, não era culpa dela, ninguém poderia me salvar de meu pior inimigo – de mim mesmo.

Adentrei a câmara e fui conduzido até uma maca e logo acorrentado a mesma. Um enfermeiro inseriu um tubo intravenoso em cada um dos meus braços, os tubos desapareciam por uma pequena entrada através da parede onde se encontravam as injeções e o carrasco pronto para aplicá-las ao sinal do guarda-enfermeiro.

Virei-me para o outro lado e pelo vidro pude ver alguns familiares de minhas vítimas, seus olhos cheios de lágrimas e ódio, marcados por cicatrizes profundas que só alguém que perde alguém amado consegue entender, subitamente eu não me sentia mais como um assassino, não me sentia mais como o criminoso e sim como a vítima, eu jamais seria perdoado por aqueles que eu feri, mas talvez houvesse redenção para mim, no fim das contas.

– Agora eu posso ver. – Foram minhas últimas palavras antes de ser presenteado com uma avalanche de lembranças.



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Notas finais do capítulo

Só gostaria de saber se eu deveria continuar postando. rs Um review com sua opinião pode decidir isso, só pra eu saber se tem alguém lendo. Beijos, D.M.



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