A Vilã Morre No Final . escrita por Liz03


Capítulo 26
26) Tem coisas que é melhor não serem esquecidas


Notas iniciais do capítulo

Uia um capítulo : D
ps: Vai ter uma linha com asteriscos nesse capítulo. Quando chegar na linha coloquem para ouvir enquanto leem a música Fix you do Coldplay, eu #agarantio



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-Alô?

- Oi, Emi, que bom que você ligou, como vai?

- Bem, e queria te ver

- Sério? – digo sem perceber que meu tom pareceu surpreso, surpreso demais, trato de corrigi-lo logo- Quero dizer, quando?

- Hoje. Pode ser?

- Tenho treinamento até às 19 horas

- Às 20 horas, tudo bem? – como eu respondo com um “anham” ela continua – Mas não vou poder passar pra lhe buscar, pode vir sozinho?

Emi dita o endereço e eu anoto num papel qualquer que encontro pelo apartamento. Confirmo que estarei lá. Discuto comigo mesmo se devo ou não perguntar, mas a curiosidade vence a discussão:

- Alguma ocasião especial?

- Jantar e fazer o que você mais gosta – Ela espera um momento – Certo, a segunda coisa – Dou uma gargalhada como um guri de 5 anos que vence a corrida com um coleguinha, mas quando percebo que sou o único a rir paro bruscamente – Conversar

- OK, estarei aí às 20 horas

Vou para o refeitório e almoço conversando com meus colegas.Finalmente revejo Cézar e Paulo que a muito não se juntavam a nós.  Pelo visto Cézar ainda não havia desistido de xavecar Alex, que o ignorava no melhor estilo “vá se catar”.  E pelo visto Paula continuava com a desistência de falar. Um sussurrado “boa tarde” e mais nada. Nada vezes nada. Tímidos não são de falar, mas esse cara não é de nenhum grau de timidez que eu conheça . Ele não apenas não fala, como não sorri, não se mexe, nem franze as sobrancelhas, simplesmente fica lá parado como uma rocha observando.

- Quer dizer que você não vai me dar uma chance? – Cézar diz isso estendendo a mão para tocar a mão de Alex.

Mas ela é mais rápida que o xavequento e tira a mão dali para deixar apenas um dedo levantado (calma não é o dedo do meio) e aponta para a aliança de prata no segundo dedo a partir do mindinho.

- Escuta aqui, meu filho, ou você mantém uma distância saudável de mim ou vou fazer uma queixa está bem?

- Iiiih nervosinha, relaxa

- Nervosinha?! – diz ela com um tom cético

- Deixa ela, vai ciscar em outro terreno cara - diz meu amigo japa

- Alguém pediu tua opinião japanês?

- Iiiih nervosinho - Alex diz numa imitação quase perfeito do tom usado por Cézar, o que faz com que eu , Tolói e ela mesma ríamos. Cézar se zanga e vai  pegar mais um pedaço de carne, Paulo fica na mesa, sem se mover.

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- Maria Augustina. Gabrielle Cordova. Luci Del Vechio. Juan- Ramon.Rudolf Hon. Laura Cristina. Nina Cronce.  Carlos di Brune  - o padre dobrou o papel que continha os nomes, colocou-o de volta no bolso da batina.

Meninos e meninas entre 5 e 12 anos levantaram-se dos banquinhos de madeira quietos, ombro a ombro olharam para o velho de batina que os  mirava  sem amolecer a rigidez abitual do olhar. O homem não se moveu por algum tempo. Alguns se balançavam revesando o peso nos pés,  outros olhavam para o teto, para o chão, para os outros pequenos, havia os que enfiavam as mãos nos bolsos de suas calças – na maioria das vezes – velhas, surradas e sujas. Ela não. Não.  Não tinha coragem de se mover, temia que qualquer movimento fosse examinado, queria apenas ser invisível, desaparecer. O suor foi transbordando por suas pequenas mãozinhas, manteve-as coladas ao lado das pernas. Lutava para respirar normalmente, mas a verdade é que o ar sumia de seus pulmões e a deixava mais nervosa ainda.

Não desgrudou os olhos das botinas do padre, não desviaria o olhar nem por um segundo, prometera a si. Na verdade, queria chorar, sentar no chão e chorar muito. Mas aprendeu que chorar não funciona, aprendeu que se ela chorasse provavelmente zangaria o velho de batina.Ela só queria ficar em algum lugar, ter a certeza de que teria uma cama para se esconder do frio e algo para comer. Que fome...O que não daria por um pedaço de pão e um copo de leite...Um delicioso pedaço de pão podia até ser aqueles bem duros. O padre respirou fundo e passou a palma da mão pela testa limpando o suor.

-        Vocês estão aqui porque não tem mais para onde ir. Sabem disso não sabem,bambini? – Ele pigarreou – Então é melhor que se comportem, mais tarde a Madre Joana vai lhes dizer as regras do orfanato, agora vocês vão ser levados para os dormitórios, o jantar é no refeitório  às 18 horas, estejam lá ou só comeram no dia seguinte, entendido?

-        Si signore – disseram todos os órfãos em uníssono, menos ela que não gostava de falar, porque se dissesse algo poderia falar a coisa errada, era melhor não dizer nada. Havia aprendido isso também, eles não gostam das crianças que falam.

Madre Joana explicou o que podia ser feito e o que não podia, fez duas filas, uma de meninas e outra de meninos. Alguns correram para pegar as melhores camas. As paredes eram sujas e mal pintadas, até dava para ver alguns tijolos. Havia duas beliches e mais quatro camas, ou seja, oito lugares para dormir. Você tem onde dormir todos os dias? Uma casa , uma cama, um colchão e um lençol para cobrir-se? Então se fosse você na cama que agora era dela, bem, você acharia horrível, feita de ferro, colchão fedorento , uma mola rasgou o forro e ficava para fora o que forçava-a a deitar bem na beirada. Mas Nina Cronce estava no paraíso, pensava ela, uma cama com colchão e até lençol! E acredite se quiser, tinha uma mola. Deitou-se cuidadosamente, como se tivesse medo que a cama fosse desaparecer de repente. Agradeceu a Dio por estar ali, e ainda teria jantar hoje! Grazie Dio mio!

Repousou a cabeça no travesseiro e fechou os olhos para absorver melhor a sensação. Lembrou-se de tudo que tinha acontecido com ela até chegar ali, ou de tudo que ela conseguia lembrar. Lembrou das ruas da cidade Santa Croce, onde – como lhe disseram – foi encontrada na calçada da Parrocchie S.Croce Ad Orsolone.  Alguns flashes do início de sua vida na Via Comunale Margherita entravam e saim de sua cabeça rapidademnte. Lembrava de uma mulher muito velha que dava-lhe uma manta quentinha para cobrir-se a noite, aconchegada no sofá da casa dela, que lhe passava a mão no cabelo, fazia sopa e molhava o pão no caldo para que ela comesse. Lembrava de brincar com outras crianças na Via Chiesa Santa Croce. E lembrava do dia que a mulher não levantou para fazer café com leite para ela, devia estar cansada, pensou. Mas ela não acordou no almoço e nem beijou sua testa quando chegou a hora de dormir. Correu até a Parrocchie. O padre veio e logo vieram vizinhos e estranhos. A mulher não acordaria, disseram adultos com caras moribundas. Que bobos! Como alguém dorme e não acorda?  Pegaram-na pelo braço e tiraram-na dali. Ela gritou, pulou, correu, e até mordeu aqueles bobos chatos. Mas levaram-na mesmo assim. Puseram-na em um carro, ela adormeceu e quando acordou não reconhecia mais nada, não estava nem perto de Santa Croce. Orfanato. Não sabia o que significava, mas não devia ser bom, porque todos lá eram ou zangados ou tristes.

-        Qual seu nome bambina?

-        Nina

-        Nina de que?

Silêncio. A mulher virou para o homem de paletó.

-        De qual cidade ela veio?

-        Santa Croce

-        Seu nome agora é Nina Croce , está bem?

Fez que sim com a cabeça. Colocaram-na em um quarto com outras meninas. No jantar não tinha a sopa gostosa com pão molhadinho no caldo. O lençol não era tão gostoso como a manta quentinha. Mas ela não considerou essas diferenças. Passou a primeira noite acordada esperando que alguém viesse lhe dar seu beijo de boa noite, como sempre. Ninguém veio. Passaram as noites e ela entendeu que ninguém viria. Não perguntavam de que ela tinha brincado, ou se estava com fome , ou com frio. Então ela parou de falar. Perguntavam e ela não respondia.

Ela tem algum problema – foi o que disseram.

Não é uma menina normal – acressentaram.

E não demorou a pegarem-na pelo braço novamente, pulou, gritou, correu e até mordeu. Não adiantou de novo. Foi levada para outro lugar. Um homem de roupa branca fez muitas perguntas, ela não respondeu. Insistiu. E nada. Disse que ela só jantaria se falasse.

-        Qual seu nome? VAMOS DIGA! Ou quer ficar sem comer? – parecia um monstro  com a cara vermelha  e batendo as mãos na mesa

-        Nina

-         Nina de que?

-        Nina Croce

Não vieram lhe dar beijo de boa noite, mas tudo bem, ela já sabia, pelo menos não estava mais com fome. Ela mesmo se desejava boa noite, e se tivesse sido diferente? E se houvesse uma mão para acariciar seu cabelo enquanto ela adormecia? E se não tivesse migrado para 5 orfanatos diferentes até chegar aquele? Bem, poderiam não tê-la abandonado quando era apenas um bebê, a boa velha da manta quentinha poderia não ter morrido tão cedo, não foi com “se” que esse caminho foi feito. Nina Croce morreu em coração e em alma e não tardaria a morrer em carne e em corpo. E aquele Dio que ela agradecera aos 9 anos....Bem, vai ver ele se esqueceu dela (costumava pensar, porque esquecer é menos grave que ver e não fazer nada, parecia mais suave ele ter esquecido a pensar que não se importava com ela). Mas hoje era ela quem não se importava com ele. 

De fato, que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro mas arruinar sua vida? Ou que poderá o homem dar em troca de sua vida?
Mateus 16,26”
  (lia um padre a bíblia no sermão de Páscoa, muitas freiras e religiosos ali presentes acharam que entenderam. Mentira. Só ela entenderia.


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Notas finais do capítulo

Trecho de Fix you:
" Quando você tenta o seu melhor, mas não tem sucesso.
Quando você consegue o que quer, mas não o que precisa.
Quando você se sente cansado, mas não consegue dormir.
Preso em marcha ré.
Quando as lágrimas começam a rolar pelo seu rosto.
Quando você perde algo que não pode substituir.
Quando você ama alguém, mas é desperdiçado.
Pode ser pior?
Luzes te guiarão até em casa
E aquecerão teus ossos
E eu tentarei, consertar você"
Recomendem! Comentem! Sorriam e riam, que ficar triste é ruim demais ; )