Paris. 15 De Novembro De 1985.

Luce.

Ela fechou os olhos tentando fazer com que a voz rouca de Cam parasse. Mais isso só parecia fazer com que ela se aproximasse mais.

Lucy!

Lucie… Por favor…

Lucinda, volte!

Lucia…

Luschka! Agora! Volte! Agora!

Vozes se misturavam: Cam. Daniel. Ariane. Molly e… ela se perdia, não conseguia identificar as outras, isso a deixava nervosa e assustada.

Luce sentiu a brisa fria lhe banhar o rosto. Havia atravessado o Anunciador, e agora estava ali, em um lugar completamente estranho. Ela engoliu seco. Estava em uma praça pública que ela não se recordava de conhecer, queria saber o nome do lugar, a data e o que veria mais em frente. Deu uma volta de 360 graus em volta de si mesma, a procura de algo que não sabia o que era. Queria apenas saber mais sobre suas vidas passadas, entender tudo o que os outros diziam quando comentavam sobre suas vidas passadas escondido dela. E o principal queria entender o porque de Cam e Daniel lhe esconderem tudo.

Olhou para seus pés, estava com seu all star velho preto e um vestido de franela branco e um laço rosa sob sua cintura. Ela havia preferido dormir com aquela roupa á colocar algum pijama com Cam no quarto, e naquele momento agradecia por isso. Deu dois passos na direção oeste, algumas pessoas a olhavam de canto de olho, outras comentavam sobre suas roupas, já outras estavam ocupadas demais com suas vidas para notá-la ali. Continuou seu percurso, ainda insegura mais sentindo como se soubesse para onde ir. Atravessou uma avenida que a levaria diretamente para uma pequena lanchonete, ela não sabia ao menos porque iria para uma lanchonete, ela sentia tudo naquele momento, menos fome. Entrou no comôdo confortável se sentando em um banco mais confortável ainda, não se arrependendo de estar ali naquela hora, aquele lugar lhe transmitia - de um jeito estranho - paz. A lanchonete era de um amarelo claro, as janelas grandes cobertas por uma cortina clarinha, que Luce identificou como sendo cor palha. Os bancos de couro marrom eram incrivelmente macios. Um garçon se aproximou, lhe entregando um panfleto que continha algumas das especiarias dali, segundo ele. Luce agradeceu e disse que no momento não queria nada, o garoto insistiu e ela sorriu pedindo apenas uma água. O rapaz identificado pelo seu crachá como Charlie, lhe entregou um copo transparente e se retirou. Luce se sentia confortável no fundo, não conhecia nada, nem ninguém, mas estava bem ali. Encostou sua cabeça no vidro, olhando para o horizonte, aquela tinha que ser a tão iluminada Paris, a torre Eiffel se mostrava forte e independente no meio de tudo aquilo, de todas aquelas pessoas minúsculas que se mexiam lentamente abaixo da mesma.

Abria e fechava seus olhos lentamente, bebericando vez ou outra a água cristalina a sua frente, perdida em pensamentos e se perguntando se Cam já havia informado Daniel do que havia acontecido. Se eles se preocupavam. Provavelmente Cam estaria andando de um lado para o outro no quarto, puxando violentamente os cabelos negros de sua nuca e se perguntando o que devia fazer. Ele era tão misteriosamente previsivel!

Ela voltou a olhar para fora e foi nesse exato momento que reconheceu a silhueta do outro lado do passeio. Os cabelos negros um pouco mais compridos não conseguiam enganar Luce, muito menos aqueles olhos verdes que encaravam a garota a sua frente. Aquelas marcas estranhas no pescoço descoberto da ruiva á frente de Cam era muito bem conhecidas por Luce, aquela era com a mais absolutas das certezas Ariane Alter. Um pouco mais bronzeada mais ainda assim a velha Ariane. Luce se exaltou um pouco, dividida entre ir até eles ou simplesmente observar. Se contentou com a segunda opição,afinal seria estranho demais chegar simplesmente perto de ambos, eles a reconheceriam não é? Isso seria bom? Quando pensou em mudar de opição viu Cam atravessar a rua, sua cabeça baixa, vindo com passos firmes em direção á lanchonete em que Luce estava, essa seria sua chance. O garoto atravessou a porta, e ameaçou passar por Luce, quando ela se levantou se colocando em sua frente. Cam ergueu a cabeça, surpresso e depois confuso.

- Cam?

- Lucy? – Ele a examinou, de cima a baixo, focando pricipalmente em seus cabelos curtos. – O que fez com seu cabelo?

- Eu… Eu não sei. Não sou a Lucy. Não a que você conhece. Digo… – Ela se perdeu, se sentando. Cam sentou á seu lado, com um sorriso fofo no rosto, enquanto pegava uma de suas mãos.

- Está com medo de Daniel nos ver não é? Acredite eu mal a reconheci com esse corte! – Ele pausou e continuou como se tivesse descoberto a américa. – Aaah, foi por isso que o cortou não foi? Já lhe disse que Daniel não está na cidade, mon chéri.

- Não, não é isso Cam… Eu… Não sou eu, entende?

Ele a olhou confuso.

- Você está bem, Lucy?

- Não! Pare de me chamar assim!

- Hey, se acalme. – Ele sorriu nervoso. – E porque não está com o uniforme?

- Que uniforme?

- O da lanchonete. Tem certeza que está bem, Chéri?

Luce olhou para os lados antes de responder. Lanchonete. Lucy. Deixando Cam confuso. A verdadeira “Lucy” provavelmente estava no local, ela estava se arriscando ao estar ali, principalmente com Cam.

- Preciso ir ao banheiro.

A típica desculpa clichê. Mais assim ela o fez, correu até o banheiro e se trancou lá dentro, sem esperar a resposta do garoto. A sua Lucy não deveria estar ali, com Daniel? O que diabos Cam estava fazendo ali? Várias perguntas rodeavam sua mente, enquanto ela se decidia em voltar ou não para lá. Talvez Cam estivesse simplesmente ali por estar, não é?

Ela assentu pra si mesma, enquanto abria a porta do banheiro, espiando a mesa de Cam. E foi nesse momento que a outra Lucy apareceu. Elas eram identicas, o mesmo rosto fino, os mesmos olhos. Mas aquela Lucy tinha os cabelos pretos presos em um coque mal feito e sua boca era coberta por um baton vermelho. E ao contrário do que a Luce de agora faria, ela se aproximou do moreno, lhe dando um beijo na bochecha. Para Luce a cena congelou ali, com as mãos metálicas de Cam na cintura fina dela, com as mãos dela nos ombros largos dele, ambros sorriam! Ela podia ouvir o que eles falavam quando ela se sentou ao lado dele, estavam tão próximos.

- Você quase me enganou com aquela peruca. Não sabia que as vendiam livremente por Paris.

Luce engoliu seco.

Lucy encarou o “amigo” confusa.

- Peruca?

Ok, era hora de dar o fora dali. E assim ela fez, atravessou a porta da saída correndo, o mais rápido que suas pernas permitiam. Ela não se permitia ter um contato tão direto assim com Cam, era errado! A não ser que Lucy ainda não conhecerá Daniel… Ela fora tirada de seus pensamentos ao esbarrar em um garoto com um sobretudo preto. Não parou de correr quando gritou um “me desculpe” mais parou ao ouvi-lo murmurar seu nome.

- Lucy…?

Tarde demais, o Anunciador se posicionou á sua frente, quase como se soubesse que era hora de tirá-la dali. Luce sabia que o máximo que tiraria daquela vida era saber que seu eu do passado tinha um caso com Cam Briel. Por isso mergulhou na escuridão do Anunciador se preparando para a próxima parada.