O Fantasma Do Século escrita por JamieM


Capítulo 1
Conto - O Fantasma do século


Notas iniciais do capítulo

Olá leitores lindoos!
Cá estou eu com uma novidade! Um conto de terror para quem gosta do estilo! Bem, é a primeira vez que eu posto um conto de terror, então eu realmente não tenho ideia do que vão achar. Dediquei boa parte de dois dias para terminá-lo, então eu espero que gostem.
Vamos ao conto, sem mais delongas:
Boa leitura!



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Kyuhyun entra mais uma vez no mesmo estúdio musical abandonado que costuma frequentar para treinar sua voz enquanto não está atuando em musicais. Ele passa pela porta, fechada com alguns pedaços de madeira, onde ele havia soltado uma das tábuas para conseguir passar. Descobriu o estúdio há alguns meses, quando começou a treinar para o musical, mas os vizinhos do novo apartamento continuavam mandando reclamações sobre o som alto, ou qualquer coisa do tipo. Para treinar, ele precisava do ritmo da música, não podia simplesmente cantar á capela sempre, sem saber se sua voz estava seguindo o som que viria na apresentação. Ele havia saído, em uma dessas tardes em que as reclamações chegavam a ele pelo interfone, comunicadas pelo síndico do prédio. Sua intenção era parar em algum café ali perto e poder descansar a cabeça um pouco, mas o que encontrou foi a solução pra seus problemas.

Enquanto passava na frente do estúdio, que na época ele nem havia reconhecido como um, ele ouviu um burburinho vindo de dentro do estabelecimento e parou de andar, prestando atenção ao som. Era alguém cantando uma música lenta. Seu interesse aumentou quando pode perceber que apenas ele parou para prestar atenção na voz melodiosa que cantava tão docemente dentro do estabelecimento. Todos que passavam pela porta do prédio simplesmente passavam, sem prestar atenção ao som. Seus olhos correram pela fachada do prédio e então ele viu uma placa desbotada que indicava que ali era um estúdio.

Ele vasculhou a fachada com os olhos e percebeu o quanto tudo parecia depredado e velho. A porta estava coberta por tábuas, assim como as janelas. Ele tentou empurrar alguma das tábuas da porta e quando finalmente conseguiu mover uma delas, entrou. Olhou em volta, tudo estava empoeirado e sujo. Entrou em uma sala e percebeu que alguns equipamentos velhos jaziam ali, o vidro que dava para a sala onde os artistas tocavam estava sujo, empoeirado, e havia algo grudento nele. Kyuhyun percebeu que ele finalmente havia encontrado um lugar para treinar. Então ele se lembrou da música que o fez entrar ali. Depois que ele havia entrado no prédio, havia simplesmente parado. Talvez não tenha reparado quando parou por estar tão fascinado com o prédio, sua euforia estava em alta, ele finalmente havia encontrado um lugar onde poderia fazer o que quisesse sem ter que ouvir reclamações.

Kyuhyun saiu do prédio, voltou a seu apartamento e pegou alguns equipamentos de limpeza, alguns produtos, e voltou ao estúdio. Limpou a primeira sala de gravação, a que tinha entrado antes. Viu a noite cair enquanto cada vez mais o frisson de ter encontrado um lugar para si aumentava. Terminou de limpar o estúdio, mudou as pilhas do grande relógio de ponteiros que havia ali, e que estava parado quando chegou, e então arrumou as horas. Era uma hora da madrugada. Sentou-se na cadeira grande e, apesar de velha e ligeiramente corroída por traças, confortável, e ficou olhando seu feito. O vidro, antes sujo, empoeirado e grudento, agora mostrava plenamente a sala do outro lado. A sala, coberta por um tapete indiano e cheio de apetrechos estranhos decorativos também estava limpa, e agora passava um ar quase de nova. Os equipamentos velhos, porém ainda úteis, também foram limpos e agora podiam ser operados. Parecia que aquela parte do prédio havia voltado à ativa. E havia. Kyuhyun começou a frequentar o lugar diariamente, inclusive nos finais de semana, por que queria sempre ver suas apresentações impecáveis. O musical que estava atuando acabou, ele começou a ensaiar para outro, e não deixou de ir ao estúdio um dia sequer. Nem sempre ele acabava ali por querer treinar a voz, muitas vezes, principalmente quando o outro musical estava acabando, ele ia ao estúdio apenas por não querer ficar em casa sozinho. Ele também ficaria sozinho no estúdio, mas raramente o sentimento de solidão lhe aplacava ali. Ele sempre achava que o dono da voz, aquela que o fez entrar no estúdio, ainda estava ali, mesmo que muito tímido, ou com medo de se mostrar. Ele não tinha certeza, porém, e aquilo sempre o deixou perturbado.

Mesmo indo diariamente ao estúdio, ele nunca havia explorado os outros cômodos do lugar. Ele simplesmente chegava e ia para a sala que havia limpado, sem nem ao menos reparar no grande corredor que se estendia depois da sala. Nesse dia, ele entrou decidido a continuar a explorar o prédio. Afinal, que sentido fazia ficar apenas confinado a uma única sala do lugar? Ninguém mais entrava naquele prédio, então ele podia explorá-lo como bem entendesse, não? Sim, ele pensou, e também havia a fonte da voz. Algumas vezes, ele pensava ouvir a voz, mesmo que baixa, enquanto ele ensaiava, e por incrível que pareça a voz acompanhava suas músicas, e não mais cantava a música triste e lenta que cantava na primeira vez que a tinha ouvido. Ele estava genuinamente curioso com a fonte da voz. Ele reparara que era aguda, mas não podia distinguir se era uma mulher ou um homem. Ele achava que era um homem. Andou pelos corredores, iluminados pela pequena reforma elétrica que ele havia feito desajeitadamente, apenas para que os aparelhos da sala funcionassem. Entrou em algumas salas, descobriu uma copa, onde havia alguns aparelhos velhos, como uma cafeteira que não funcionava e um forno elétrico que tampouco funcionava. Uma geladeira com alguns mantimentos lhe deu uma pista de quando o lugar fora abandonado, eram todos fabricados mais ou menos na década de 80. Ele se questionou por que nunca haviam desapropriado o prédio e o reformado. Ele não podia saber sobre isso, então continuou no corredor principal. Encontrou um banheiro e mais algumas salas de gravação.

O corredor que seguia fez uma curva e virou-se para uma escada, ele subiu e ali em cima encontrou algo surpreendente. Havia ali algo parecido com um teatro. Pequeno para um teatro de verdade, é claro, mas havia poltronas, um palco grande, ocupava toda a extensão do prédio naquele andar. Kyuhyun passeou por entre as poltronas, observando o palco. Enquanto ele continuava andando, ainda ligeiramente longe do palco, ele percebeu algo se mexendo no palco com sua visão periférica no mesmo instante em que pisava em algo no chão e desviara a vista para saber em que estava pisando. Quando seus olhos descansaram sobre o corpo no chão, pisara no sapato do cadáver, um grito escapou de seus lábios e ele caiu em uma poltrona, apavorado. Seus instintos diziam-lhe para sair daquele lugar imediatamente, porém suas pernas não conseguiam obedecê-lo. Seu peito subia e descia em uma respiração ofegante e descompassada, seu coração martelava em seu peito, fazendo toda a adrenalina passear por suas veias, fazendo-o ficar paralisado, apenas olhando o cadáver que descansava ali. Por mais velho que o lugar parecia ser, o cadáver parecia impecavelmente conservado. Sua pele ainda estava impecável, branca como papel, sua roupa tampouco havia sofrido com a passagem do tempo, mesmo com as traças tendo dominado o local, inclusive as poltronas do teatro.

Num impulso doentio, Kyuhyun quis tocar o cadáver. Parecia tão bem conservado, não era possível que aquele corpo estivesse ali desde a época que o lugar fora abandonado, há aproximadamente 25 anos. A pessoa, um homem com certeza, havia morrido vestido em terno e gravata, e a única coisa que podia dizer que aquele corpo estivera ali por muito tempo era a camada de poeira em cima dele. A mesma grossa camada de poeira que cobria tudo no local desde que ele havia chegado ali. Ele voltou a olhar para o palco, e então percebeu que havia uma pessoa ali.

-Parece que você finalmente me encontrou... – a pessoa falou, a voz pode ser bem ouvida por Kyuhyun pela acústica do lugar, mantida intacta.

-Eu... Desculpe por ter entrado aqui... Eu não tinha a intenção de... – Kyuhyun começou a gaguejar as primeiras palavras que ele se atreveu a falar depois do grito.

-Não se preocupe, eu estou feliz por ter entrado. Nunca ninguém havia parado para ouvir enquanto eu cantava. – o homem do palco falou, começando a descer dali e andar até Kyuhyun e o cadáver.

-Então era você quem estava cantando... – ele murmurou, mais para si mesmo. –Sua voz é bonita...

-Obrigado... Eu não ouvia isso há algum tempo, também. – o homem falou. Quando ele se aproximou de Kyuhyun foi que ele percebeu que o homem que vinha em sua direção vestia exatamente a mesma roupa do cadáver a sua frente. Seu coração voltou a martelar contra seu peito com a percepção, sua respiração começando a descompassar também. O que ele estava fazendo ali, afinal? Ele pensou. O que aquele homem queria com ele, o que faria com ele? Aquilo por um acaso era um fantasma? Ele preferia não confirmar suas teorias, mas não conseguia sair dali, algo em seu corpo o fazia permanecer totalmente parado, apenas olhando o homem se aproximar cada vez mais.

-Você... O que está fazendo aqui...? O que está acontecendo? – Kyuhyun perguntou, olhando do cadáver para o homem em pé.

-Ah, você reparou, não é...? – o homem perguntou, triste. –Pode sair correndo se quiser, todos fizeram isso quando vieram aqui para limpar o lugar para venda, ou para tentar tirar meu corpo daí. Mas nunca conseguiram mover-me daí, muito menos limpar o lugar ou vendê-lo. Todos que vinham limpar saíam correndo, gritando aos ventos que havia um fantasma no lugar, que o teatro era mal assombrado... Eu só estou aqui por que meu corpo está preso a este lugar, apenas isso.

-O que aconteceu...? – Kyuhyun perguntou, olhando para o cadáver no chão significativamente.

-Ah, você quer mesmo saber? – o homem perguntou. –Você ainda não saiu correndo por que...?

-Nem eu sei... – Kyuhyun falou baixo. –Conte-me o que aconteceu...

-Tudo bem! – o homem falou, parecia entusiasmado, e Kyuhyun percebeu que ele não podia chamá-lo de homem tão seriamente, era um garoto talvez, seu entusiasmo era quase infantil. –Eu vou contar o que aconteceu, mas é uma longa história, vai querer mesmo ouvir?

-Tudo bem... – Kyuhyun deu de ombros. Mesmo apavorado, parecia que ele deveria estar conversando com o fantasma, não importando quais circunstâncias.

-Ok. A história começa quando esse teatro foi inaugurado, no ano de 1983. Eu estava no auge dos meus 20 anos, e depois da inauguração do lugar, o teatro virou um point para os mais abastados da cidade. Os jovens, adultos e velhos vinham apreciar as melhores peças e musicais que passavam pela cidade nesse teatro pequeno e reservado. Era difícil conseguir ingressos para as peças, como o teatro é pequeno, eles esgotavam muito rápido, e como pode ver o teatro é muito bom, então os preços eram elevados. As pessoas na rua faziam boatos sobre como era o teatro, aqueles que não podiam entrar os espalhavam, e em pouco tempo o Teatro Sombrio ficou conhecido por ser o mais misterioso de todos da cidade. Eu era um dos jovens que frequentavam o teatro. Era engraçado ver como as pessoas sabiam quem frequentava o lugar e quem mentia sobre frequentar, e se você era um frequentador, eles sabiam tudo sobre você. Todos sabiam que eu tinha uma noiva. E todos sabiam, menos eu, que eu estava sendo traído. É claro, por que eu saberia? – o fantasma soltou um riso amargo. –Um ano depois, em um dia comum, eu vim ao teatro, prestigiar uma peça de terror cuja turnê estava fazendo bastante sucesso. Chamava-se ‘O Fantasma do século’. Era a história de um homem que se apaixonava pelo fantasma de uma mulher que morava no apartamento para o qual ele se mudava. Eu nunca acabaria de ver a exibição de estréia da peça. Eu não percebi que o alvoroço na sala era por um homem ter aparecido armado, eu achava que alguma mulher mais frágil havia desmaiado e as pessoas estavam se mobilizando para ajudá-la. Nem ao menos movi minha cabeça para ver o que estava acontecendo, afinal a peça estava no ápice do primeiro ato. Quando senti um forte impacto na parte de trás da minha cabeça, eu fui projetado para frente e caí da poltrona, tamanho o impacto. Por isso meu corpo está deitado de bruços no chão. Ninguém se atreveu ao mínimo a tocar em mim para ter certeza que eu estava morto, todos saíram correndo gritando enquanto eu ouvia outro tiro sendo disparado. Eu não morri na hora, passei algum tempo inconsciente, mas ouvi os barulhos que ficaram gravados no meu subconsciente. E indiretamente na minha alma. Por isso sei tudo. Depois desse acontecimento, qualquer pessoa ou criatura que se atrevesse a tocar em mim era repelido de alguma forma. Eu não sei como é isso, não sei por que meu corpo se manteve intacto por tanto tempo. O meu eu dessa forma – ele apontou para si mesmo – surgiu logo depois que todos saíram correndo. Fui tentar me levantar e só o que levantou foi esse vestígio de corpo.

Kyuhyun não respondeu imediatamente ao término da história que o fantasma contava. Ele estava impressionado com o que aconteceu com o garoto, não achava que ele próprio poderia suportar isso, se tivesse acontecido com ele. Começou a se apiedar do fantasma. Como poderia? Ele estava sentindo dó de um fantasma. A reação de qualquer pessoa normal era correr de qualquer coisa que não passasse de uma existência sem corpo, mas ele estava ali, sentado numa poltrona ouvindo a história da morte de um fantasma. De um fantasma bonito, diga-se de passagem. O garoto não era alto, tinha os cabelos negros bem arrumados, a franja quase cobrindo um de seus olhos, a pele era tão branca que parecia porcelana. A roupa do fantasma ainda estava perfeitamente arrumada, o terno bonito e bem alinhado, a camisa salmão que usava embaixo do blazer e a gravata azul escura mantinha-se sem nenhuma dobra. E o fantasma mantinha-se observando Kyuhyun como ele o fazia com a existência não-corpórea.

-Quem era o homem que atirou, você sabe? – Kyuhyun perguntou.

-Era o amante da minha noiva. Fiquei sabendo quando entregaram o jornal aqui na frente alguns dias depois. A notícia veio na primeira página, junto com o meu obituário. – ele falou, como se explicasse algo a uma criança pequena.

-Isso é horrível... – Kyuhyun falou.

-Eu tive 27 anos para me acostumar com a ideia de que fui morto pelo amante da minha noiva... Ele estava bêbado, entrou num teatro cheio de seguranças e conseguiu acertar minha cabeça com um tiro certeiro, e depois conseguiu acertar o braço de um banqueiro importante, que teve que amputá-lo por que perdeu muito sangue. Ele matou um dos filhos do empresário mais importante da cidade, e quase conseguiu matar o banqueiro mais importante da região.

-Se você não se importar... Pode me dizer seu nome? – perguntou Kyuhyun.

-Ah, me desculpe, que falta de educação, eu não me apresentei. – ele falou, andando até a frente de Kyuhyun, pulando o corpo no chão. Estendeu a mão ao outro e falou: Meu nome é Lee Sungmin.

-Cho Kyuhyun. – ele falou, levantando-se também, e aceitando a mão do fantasma. Inesperadamente, ele pegou em uma mão quase sólida. Era uma sensação estranha, ele sabia que a mão que agarrava não era sólida, mas ao mesmo tempo havia sim alguma coisa para pegar e balançar. Talvez algo entre o sólido e o inexistente. Não era, porém, uma sensação agradável. Parecia que a qualquer momento sua mão atravessaria a do outro. Largou assim que balançaram as mãos num gesto polido, se curvando ligeiramente.

-É um prazer conhecê-lo, Cho Kyuhyun. – o fantasma falou. –Eu percebi que você ouviu enquanto eu cantava. E que você também canta, e muito bem. Gostei dos seus ensaios para os musicais, você realmente tenta seu melhor para conseguir uma apresentação sem erros. Admiro isso.

-O-Obrigado... – Kyuhyun respondeu, corando ligeiramente. Ele não esperava que o fantasma fosse elogiá-lo. –Quando ouvi sua voz, também achei muito bonita. E a música também era... Mas não a conheço.

-Claro que não... – o outro soltou um risinho. –A música que eu estava cantando é de minha autoria. Eu a havia feito para minha noiva, mas nunca tive a oportunidade de mostrá-la. Ainda bem, eu diria. – ele riu. Sua risada ecoou assustadoramente por todo o teatro.

-Todos podem te ver? – perguntou Kyuhyun.

-Não, diria que uma minoria me vê realmente. Mas depois que uma pessoa saiu contando que eu estava aqui, as pessoas passaram a entrar no prédio, que ficou abandonado depois das tentativas falhas de removerem meu corpo daqui. Muitos dos que entraram saíram dizendo que haviam me visto, mas poucos falavam a verdade.

-Uhmm... – Kyuhyun fez um grunhido para sinalizar que tinha ouvido. Ele estava curioso sobre o fantasma, mas as perguntas não saíam mais. Sentia que estava incomodando-o de alguma forma com as perguntas. Por que ele estava se preocupando em incomodar um fantasma? Sua mente perguntava-se, seu lado racional estava batalhando contra o não-racional, dizendo-o que aquilo tudo era um sonho, e que logo ele acordaria em sua cama, ou até dormindo no estúdio de cansaço. E que o cansaço era o culpado por tantas alucinações. Ele vinha ensaiando muito para a estréia do novo musical. A outra parte confrontava, dizendo-lhe que aquele corpo no chão, sem o comum cheiro apodrecido, podia ser tocado, e pisado como aconteceu, e que a mão que havia apertado era real.

-Você deve estar confuso. – ele falou calmamente.

-Realmente... – Kyuhyun riu nervoso.

-Se preferir ir, você pode... Já foi muito ter me escutado. – ele falou, e Kyuhyun percebeu tristeza em sua voz.

-Você deve ser solitário. – falou Kyuhyun.

-Pode apostar nisso... – Sungmin falou. –Mas se quiser ir, eu entendo. Até entendo se não quiser mais voltar. Mas eu gosto de te ouvir cantando... Se quiser, eu não apareço mais...

-Não. – Kyuhyun murmurou. Por mais que isso pudesse ser um sonho, ele não queria se afastar do lugar, ou do fantasma. De alguma forma, aquele fantasma parecia amigável, e ele estava apiedado do garoto bonito. –Você quer me ajudar a treinar para o musical?

-Você tem certeza? – Sungmin perguntou. Kyuhyun não respondeu verbalmente, mas balançou a cabeça afirmativamente. Kyuhyun saiu do teatro, descendo as escadas que rangiam com seu peso, mas nenhum barulho faziam enquanto Sungmin passava. Eles entraram na sala que Kyuhyun usava para ensaiar e o vivo colocou a música que estava ensaiando.

Kyuhyun cantou, no começo timidamente, mas posteriormente passou a ignorar a presença do outro, cantando com toda vontade que tinha em si, dedicando-se a fazer o mesmo show que apresentaria no palco. Quando terminou, ouviu as palmas animadas de Sungmin.

-O que achou? – perguntou Kyuhyun.

-Exatamente como imagino ser o final de ‘O Fantasma do século’! – ele falou animado. –Não pude terminar de ver a peça, por que não foi mais exibida aqui. Esse musical que está ensaiando é uma adaptação da peça, não é?

-Sim... – Kyuhyun respondeu. –Eu não sabia que havia uma peça antes de você me falar.

Kyuhyun viu o fantasma sorrir, um sorriso branco, perfeito. Ficou observando-o por um tempo. O fantasma o observava também. Kyuhyun se perguntava por que havia nele uma vontade crescente de tocar o fantasma. Não entendia o que aquilo significava. Cruzou a sala, andando silenciosamente enquanto seus passos eram abafados pelo tapete indiano. Aproximou-se do fantasma e tocou-lhe o rosto. Sentiu aquela semi-matéria de que ele era feito, parecia que a qualquer momento ele ia se desfazer em seu toque. Viu o fantasma fechar os olhos ao sentir seu toque.

-Você é quente... – falou Sungmin. –De uma forma que eu não me lembrava mais que os humanos eram.

-E você é gelado. – Kyuhyun deixou escapar. –Da forma como eu esperava que fosse. Obrigado por ter aparecido.

-P-Por que...? – Sungmin perguntou.

-Eu estava curioso sobre o dono da voz que me encantou e me fez achar um lugar para me esconder. – ele respondeu.

-Obrigado por não ter fugido. – Sungmin retrucou.

Kyuhyun abaixou a mão que tocava o fantasma e sorriu levemente. Olhou para o relógio na parede da sala do outro lado do vidro, e já passava da meia noite.

-Eu tenho que voltar para casa. Você estará aqui quando eu voltar amanhã? – Kyuhyun perguntou.

-Claro. – Sungmin falou, sorrindo.

Kyuhyun pegou suas coisas e voltou para seu prédio, que não era muito longe dali. Quando abriu a porta de seu apartamento, não teve tempo de fazer muita coisa antes de cair na cama, sentindo-se exausto. Mal podia esperar pelo dia seguinte. O dia seguinte deixaria claro qual dos dois lados confrontantes de sua mente estava certo. Quando acordou, levantou-se e fez algo para comer. Teria que passar cedo no teatro para a marcação dos lugares e um pequeno ensaio. Passaria algumas horas ali. Quando a hora do almoço chegou, todos do elenco se dispersaram. Kyuhyun almoçou sozinho em um restaurante que costumava frequentar, já que era barato e a comida era boa. Depois do almoço, passou em seu apartamento para deixar algumas coisas e pegar outras, depois rumou para o estúdio. Quando foi se aproximando do prédio, sua cabeça foi começando a criar cenas sobre como reencontraria Sungmin. Em sua imagem mais otimista, quando atravessasse a porta, Sungmin estaria esperando do outro lado, sorrindo para ele. Então ele ensaiaria outra vez com a ajuda do fantasma, eles conversariam mais sobre o passado e então, quando fosse tarde, ele voltaria para casa, como aconteceu no outro dia. Porém quando entrou no prédio, seu lado racional quase comemorou. Não havia ninguém esperando por ele ali.

Ele se bateu mentalmente por ter esperado tanto que Sungmin estivesse ali do outro lado, esperando ansiosamente por ele. Sungmin muito provavelmente nem existia. Uma voz enjoada dizia em sua cabeça que Sungmin fora o amigo imaginário que ele havia criado para não se sentir tão sozinho naquele lugar. Kyuhyun tinha poucos amigos, mais por que preferia a solidão a estar cercado de pessoas do que outra coisa. Ele preferia ter poucos amigos a ser popular, ter muita gente a sua volta e não ter um amigo sequer. Talvez por isso tinha se afeiçoado ao fantasma. Sungmin parecia ter sido conhecido e popular em sua vida, mas a morte o havia feito tão solitário quanto o próprio Kyuhyun.

Kyuhyun entrou na sala de gravação e jogou a bolsa que tinha levado na cadeira grande, pegando o CD com a trilha sonora do musical, colocou-o e a música começou a tocar. No meio de seu ensaio, quando estava tão entregue que havia fechado os olhos, quando os abriu, percebeu que o fantasma estava ali, na mesma sala que ele, observando-o desde quando ele não sabia. A surpresa fez Kyuhyun parar de cantar, a letra da música simplesmente fugiu de sua mente quando avistou o fantasma.

-Por que parou? – Sungmin perguntou. –Estava tão bonito...

-Eu me distraí, desculpe. Talvez tenha que treinar mais essa parte... – ele coçou a cabeça.

-Você se assustou comigo... Não foi? – ele perguntou. –Achou que eu fosse um sonho e não fosse mais aparecer?

-Uma parte de mim achou isso... – Kyuhyun respondeu, e percebeu Sungmin desanimando imediatamente. –Mas uma bem mais significativa achou que você fosse estar na porta me esperando, tão ansioso quanto eu estava para revê-lo.

-Isso quer dizer que lhe desapontei?

-Mais ou menos... – Kyuhyun riu, sem graça. Sungmin riu levemente.

-Isso quis dizer que sentiu minha falta? – o fantasma perguntou, sua voz tinha um tom um pouco menos brincalhão.

-Podemos dizer que sim. – Kyuhyun respondeu.

-Acho que você deve ensaiar mais essa parte... – Sungmin falou, mudando o assunto. Ele voltou a música para a parte que Kyuhyun havia errado.

Sungmin ajudou Kyuhyun a ensaiar, e este descobriu que seu trabalho era muito mais produtivo com a adição de um par de mãos. Depois de repassar as letras das músicas mais uma vez, Kyuhyun se pegou conversando com Sungmin outra vez, como quem conversa com um velho amigo. Era estranho para ele, mas quando deu por si, estava contando intimidades para o fantasma, como o modo que seu pai havia ignorado totalmente seus talentos para a música, quase o fazendo seguir para o direito, que era o que seu pai fazia. Sungmin de alguma forma parecia entendê-lo. O fantasma lhe contou que seu pai, empresário no ramo alimentício, queria que ele cursasse medicina, por que ele sempre dizia que toda família de prestígio precisava de um médico, um advogado e um empresário. O empresário e o advogado já existiam, eram o pai e o tio de Sungmin, e como ele era o filho mais velho, sobrou pra ele ser o médico. Ele contou que quando morreu, estava no final do segundo ano da faculdade. As conversas entre eles surgiam naturalmente, assim como as respostas. Assim, Kyuhyun passou a permanecer no estúdio cada vez mais tempo durante aquela semana.

A semana passou inesperadamente rápido para Kyuhyun. No final de semana foi a estréia do musical. Tudo correra bem, a estréia havia sido um sucesso. Porém, cada vez que Kyuhyun começava a atuar, não deixava de passar por sua cabeça que aquele musical era baseado na peça na qual Sungmin havia morrido. Aquilo não deixou de perturbá-lo até que ele decidiu sair do elenco do musical. Ele simplesmente não estava conseguindo atuar.

-Por que fez isso? – Sungmin perguntou a ele quando o contou que havia deixado o musical.

-Não consegui continuar. Algo sobre o musical ter ligação, mesmo que indireta, com a sua morte me deixava perturbado e eu estava começando a atrapalhar o elenco, ao invés de ajudar. – Kyuhyun respondeu.

-E agora, você vai parar de vir aqui...? – Sungmin falou, foi quase uma afirmação, mas ele fez se tornar uma pergunta dando uma entonação diferente à última palavra. Algo de triste salientava em seu tom de voz.

-Claro que não! – Kyuhyun retrucou, um pouco mais eufórico do que gostaria.

-Mas você não tem mais o que ensaiar... – Sungmin falou.

-Não importa, estou me sentindo mais a vontade aqui do que em meu próprio apartamento, não pararia de vir... E você é o mais perto que eu tenho de um amigo agora. – E isso encerrou o assunto.

Nesse dia, Kyuhyun deixou o prédio bastante tarde. Sungmin ensinou a letra de sua música a Kyuhyun já que ele não tinha mais nada o que ensaiar. No outro dia cedo Kyuhyun já estava de volta ao estúdio. Tudo o que Kyuhyun pensava agora tinha alguma ligação, mesmo que tênue, com Sungmin. Sentia como se o fantasma o tivesse feito de refém, posto-o em um feitiço hipnótico que não conseguiria sair por si próprio. E nem queria. Começou a cogitar a possibilidade de se mudar para o estúdio, e foi então que percebeu o quão obcecado pelo fantasma ele estava. Depois de algumas semanas procurando um emprego, ele percebeu que não tinha mais a mesma facilidade para conseguir papéis em musicais como antes. Costumava terminar um musical com o próximo papel em vista, já começando a ensaiar. Parou de socializar com as pessoas definitivamente, o fantasma era sua única válvula de escape, era apenas com ele que conversava, era apenas nele que pensava. A única criatura que ele achava que poderia finalmente entendê-lo plenamente.

Sungmin parecia apreciar enquanto Kyuhyun o transformava numa divindade. Era como se finalmente ele pudesse ser útil para alguém, como se ele finalmente tivesse alguma significância na vida de alguém. Durante toda sua vida se achou um inútil. Seu pai mandava e desmandava nele como bem entendia, sua noiva tampouco lhe dedicava alguma atenção. Toda a atenção que recebeu até aquele momento de sua vida vinha de Kyuhyun. Sabia que o garoto estava obcecado por ele. Não se importava com o motivo que o levara a isso, apenas achava que Kyuhyun lhe exercia uma força gravitacional irremediável e irreversível, e achava que era assim que acontecia com o outro também. Eles agora passavam dias seguidos juntos, falando sobre tudo e todos. Despejando suas frustrações um no outro por que sabiam que o outro poderia carregar aquilo consigo. Kyuhyun era muito curioso sobre o que tinha acontecido na vida de Sungmin, o que aconteceu nos 27 anos que esteve sozinho.

Um dia, Kyuhyun ficou curioso sobre o corpo de Sungmin. Por que o corpo não se deteriorava? Ele se perguntava. Sabia que o outro não tinha a resposta idem, mas não conseguia parar de pensar nisso. Era estranho, não fazia o mínimo de sentido um corpo que não fora deteriorado nem mudado de posição em longos 27 anos. Ele subiu as escadas para o teatro, decidido a tentar descobrir que tipo de feitiço ou maldição lançaram no corpo de Sungmin para que ele pudesse ficar intacto daquela forma. Entrou, observou as filas pequenas de poltronas acolchoadas e confortáveis e andou por elas até encontrar o corpo de Sungmin, ainda ali, imóvel, exatamente da mesma forma que havia caído naquela fatídica noite. Lembrou-se de Sungmin lhe contar que qualquer pessoa que tentasse tocar o corpo fora repelido de alguma forma. Então por que, no dia em que se conheceram, Kyuhyun havia tropeçado no corpo, tendo pisado no sapato de Sungmin? Era para ele ter sido repelido como os outros antes que conseguisse tocar no sapato do cadáver.

Com certo receio, ele estendeu a mão e tocou o corpo. Nenhuma reação, apenas ele tocando o tecido macio do blazer de Sungmin. Segurou o corpo e o virou de frente para si. Segurando com cuidado a cabeça do cadáver, ele pousou o corpo sobre seu colo. Arrumou-lhe os cabelos, bagunçados pela forma que estava deitado, e olhou fixamente o rosto do homem que, ele sabia, tinha passado a amar da forma mais doentia que conhecia. Ele era lindo. Mesmo com o filete de sangue escorrendo-lhe da boca e os olhos vidrados que não haviam tido tempo de se fechar antes que morresse. Ele era lindo.

-O que está fazendo aqui...? – ele ouviu a voz de Sungmin vinda de algum ponto atrás de si.

-Eu... Eu apenas estava...

-Você... Você conseguiu mover meu corpo... – o fantasma falou, ainda em choque, se aproximando do outro. –Você está segurando meu corpo! – ele falou, alegre. –Eu achei que ninguém nunca poderia fazer isso... Talvez se eu for enterrado, eu passe a descansar em paz... E não precise mais vagar por esse lugar. – ele pensou alto.

-Você é lindo, Sungmin. – Kyuhyun falou sem dar importância ao que o fantasma tagarelava. Ainda olhava fixamente aqueles olhos vidrados sem vida, limpando o filete de sangue que escorria da boca do cadáver. Mesmo com a aparência horrível e as desfigurações póstumas, como a falta de uma expressão, Kyuhyun ainda achava Sungmin lindo. Pensamentos flutuavam na mente de Sungmin enquanto ele ia se postar na frente de Kyuhyun, começando a ajoelhar-se para ficar na mesma altura do vivo. Fixou-lhe o olhar.

-Talvez eu tenha ficado aqui por tanto tempo por que, por algum motivo, era meu destino conhecê-lo. – o fantasma falou, tocando a bochecha macia e quente do vivo. Kyuhyun estremeceu ligeiramente ao toque frio.

-Eu posso viver com essa hipótese. – Kyuhyun falou, inclinando-se para frente, tocando o rosto do fantasma também. O fantasma sentiu o toque quente da mão do outro, vendo-o inclinar-se cada vez mais em sua direção. Como se concedesse permissão para o que o outro quisesse fazer, ele maneou a cabeça levemente numa afirmação. Kyuhyun, percebendo o movimento sutil, terminou de inclinar-se sobre o fantasma.

Sentiu os lábios gélidos e macios do fantasma tocarem os seus em um choque térmico interminável, mas que parecia caber bem na situação. Mordeu levemente o lábio inferior do outro, e quase o sentiu se desfazer entre seus dentes enquanto os lábios se abriam lhe dando passagem para um beijo gelado e ávido. Enquanto se beijavam, Kyuhyun sentiu suas extremidades começarem a adormecer. Não ligou, afinal nunca havia beijado um fantasma, não sabia quais seriam os efeitos colaterais. A dormência subiu por seus braços, pernas e tronco, lhe fazendo sentir como se a gravidade tivesse parado de agir em seu corpo. Era como se os dois estivessem flutuando em uma nuvem de felicidade. Não pode sentir nada mais depois disso, nunca mais poderia.

A notícia que saiu no jornal, alguns dias depois, era a que dois corpos foram encontrados no antigo Teatro Sombrio. Um dos corpos era o de Lee Sungmin, filho do empresário mais rico da cidade, que morrera há 27 anos com um tiro na cabeça. O corpo havia desaparecido depois de algum tempo e algumas tentativas de retirá-lo dali. O segundo era de Cho Kyuhyun, um ator de musicais, bastante promissor, que havia abandonado o musical ‘O Fantasma do século’ havia poucas semanas. Não havia nenhuma marca ou evidência de como fora a morte do ator. Os dois corpos foram encontrados abraçados, e qualquer tentativa de remoção dos corpos fora totalmente falha. De alguma forma, os corpos repeliam todos que se aproximavam. É o tipo de mistério que a ciência nunca poderá explicar, mas que os românticos entendem.

Os boatos que corriam pela cidade diziam que, toda quinta-feira, quando era aproximadamente meia noite, se você passasse na frente do prédio do estúdio, poderia ouvir um dueto de vozes cantando uma música lenta. Duas vozes melodiosamente harmônicas cantando uma música romântica e trágica sobre um fantasma e um homem que se amavam. 


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Notas finais do capítulo

Bem, é isso. Espero que tenham gostado. Se apreciaram e acham que eu devia fazer mais contos de terror, por favor, deixem uma review para que eu saiba que o que eu faço tem sido apreciado.
Obrigada por ler!
Beijo!